Dia de greve geral. Como sempre, Portugal prepara-se com a serenidade de quem já viu tudo e continua surpreendido com nada. O país parou, mas a ironia continua a trabalhar horas extra porque alguém tem de manter isto interessante.
O Metro de Lisboa fecha, claro. Não é novidade, fecha mais vezes que o frigorífico de um estudante universitário. Contudo, desta vez a razão é nobre, é a reivindicação. Os lisboetas, coitados, tentam reinventar técnicas de teletransporte emocional, porque físico não dá mesmo. Há quem já esteja a treinar em casa, com resultados mistos… a maioria só conseguiu chegar ao sofá.
Nos transportes, escolas e hospitais, o país vai viver aquele suspense do “vai haver?” / “não vai haver?” típico das greves. É quase um reality show nacional: quem adivinha quantos serviços mínimos vão ser realmente mínimos? Quem vai ser o primeiro a dizer “entendo a greve, MAS…”. A expressão favorita de quem quer apoiar, sem sujar as mãos.
Os sindicatos prometem “mostrar força”, o Governo finge que não ouve e os comentadores de televisão aproveitam para fazer a única coisa para a qual não precisam de condições dignas de trabalho: comentar. É um ecossistema perfeito, equilibrado como um pequeno terrário de indignações.
Depois, temos o cidadão comum, esse herói nacional que vai passar o dia a reclamar da greve, enquanto diz que concorda com tudo o que levou à greve. “É uma vergonha! Isto está tudo pela hora da morte! Mas logo hoje?!” — exclama, enquanto arrasta a mala pela rua porque não há metro, comboio, barco ou boa-disposição que o salve.
A verdade é que há razões para parar. Salários congelados, carreiras paradas, serviços públicos a pedir último suspiro. Portugal não é propriamente um carro de gama alta, é mais um Fiat Panda de 1994 a andar à força de fé e fita-cola. Os trabalhadores estão cansados de servir de carburador improvisado.
O país parou. No entanto, ao contrário do que muita gente acha, não é para incomodar. É para lembrar que, se não se levantar a voz, o “amanhã” continua eternamente igual ao “ontem”.
Apesar das piadas, das dores de cabeça e do caos temporário, há algo profundamente português nesta greve. A capacidade de transformar frustração em espetáculo público.
No fim, talvez o país não mude logo. No entanto, pelo menos, por um dia, Portugal inteiro diz em uníssono aquilo que todos já pensavam:
“Isto assim não dá, e se não dá, paramos”.
Este artigo de opinião é da pura responsabilidade da autora, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.
Fonte da imagem da capa: Público
Escrito por: Matilde Lima
Editado por: Margarida Simões


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