Persegue todos os tipos de séries, jogos e livros. Está cá há tanto tempo que já nem nos apercebemos dele, mas infiltra-se nas nossas cabeças. É o clichê mais enraizado da cultura popular, disfarçado de normalidade.
Define-se como “a prática e clichê da media, muito usada no cinema, música, teatro, videojogos, literatura e televisão, de incluir apenas uma mulher em um conjunto inteiramente masculino”. Também conhecido como “tomem-lá a vossa inclusão e não nos chateiem”.
Ainda assim, lembro-me de o questionar. Desde festas de Carnaval a jogos inocentes, percebia a falta de variedade ao meu dispor até à inveja, talvez até frustração, de parecermos predestinadas a ser apenas uma coisa. Não me levem a mal, sempre gostei muito da Hermione e admirei-a profundamente, mas o Escolhido, com a sua cicatriz icónica carregada de poder, era bem mais fascinante… Ainda assim, rapidamente afastava esse pensamento: “Há lá uma personagem feminina, não preciso de procurar fora.”
Portanto, os rapazes podem ser o engraçado, o inteligente, já que cada personagem precisa de ter uma característica que o defina, mas com personagens femininas o facto de serem mulheres é o que as diferencia. Porque é que a menina tem de ser a bússola moral do grupo, maternal para com os outros, com pouquíssimas falhas ou desenvolvimento pessoal ou exclusivamente o interesse amoroso?
Não acreditam em mim? Vamos analisar o caso em questão, o termo foi criado por Katha Pollitt em 1991, num artigo do New York Times, ao analisar as séries infantis como Os Smurfs. Eles são bonecos azuis que representam uma personalidade. Havia o Smurf engraçado, o Smurf inteligente, o Smurf músico… e a Smurfina. A sua personalidade? Ser mulher e o interesse romântico dos outros Smurfs.
Como é que eles conseguem escapar impunes durante tanto tempo?
Os Vingadores, Tartarugas Ninja, O Senhor dos Anéis, Matrix, À Procura de Nemo e tantos outros pilares da nossa vida com a mesma síndrome.
Não estou a dizer que todas as personagens femininas se resumem a isso. Claro que existem verdadeiras obras de arte e figuras complexas. Em Avatar: The Last Airbender, por exemplo, Toph e Katara são personagens extraordinárias que fogem à personalidade única, mas continuam em minoria.
Eventualmente, comecei a nem reparar nessas coisas, como se fosse enraizado na minha mente. Internalizamos a exceção como norma. Será que era esse o objetivo?
Há uma afirmação que vem de um fenómeno bem conhecido, às vezes chamado de «lacuna de perceção de género», que tem sido citado na Media, mas o estudo específico não é claramente identificado. É frequentemente associado ao trabalho do Instituto Geena Davis sobre Género na Media, que descobriu que os homens num grupo tendem a subestimar significativamente o número de mulheres quando elas estão presentes em percentagens menores. Ou seja, se houver 17% de mulheres, os homens do grupo acham que a proporção é de 50-50. E se houver 33% de mulheres, os homens percebem que há mais mulheres do que homens na sala.
Quando crescemos a ver um grupo de rapazes e uma rapariga, aprendemos que o masculino é o padrão e o feminino é o “extra” necessário para cumprir a quota simbólica. A mulher não existe por si, existe em relação aos outros. Esta personagem passa a representar todas as mulheres e ensina às raparigas que o espaço para elas é reduzido, e aos rapazes que a presença feminina é excecional. Assim, a desigualdade torna-se invisível porque é normalizada através da repetição.
E não é só o género que sofre com esta lógica. Personagens negras, asiáticas ou de outras minorias étnicas enfrentam padrões parecidos: ou são únicas no grupo, ou existem apenas para cumprir funções específicas, raramente como indivíduos complexos. A sub-representação reforça estereótipos e torna a desigualdade invisível, tal como acontece com as mulheres.
Quando crescemos a achar que uma mulher basta, deixamos de pedir mais. Mais histórias, mais vozes, mais versões possíveis de ser mulher.
O primeiro passo talvez seja reparar. O segundo, exigir que o elenco deixe de ser uma vila de Smurfs e se torne, finalmente, um mundo real.
Este artigo de opinião é da pura responsabilidade da autora, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.
Escrito por: Beatriz Djalo
Editado por: Leonor Oliveira


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