O Desencantamento do Mundo.

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“Os seres humanos têm olhos, mas passam toda a vida cegos para o destino à medida que ele se desenrola diante deles. Muitos proclamam ter a capacidade de vislumbrar o futuro, de ler a vida como palavras numa página algures nos planos do olhar. Com as suas mãos, revelam a história escrita nas linhas esculpidas nas palmas. Espalham cartas numa mesa e pedem para escolher uma, a promessa de respostas entre elas. Através de esferas de cristal, têm uma visão do que ainda está para ser. As declarações são muitas, assim como as promessas sussurradas para aqueles que se encontram desesperados para as ouvir. Quem mais para acreditar em tal coisa, se não os tolos e desesperados.” – Trecho retirado das entranhas do meu bloco de notas.

Foi numa aula de globalização, quando um conceito abordado em aula fez sussurrar no meu ouvido um trecho que tinha escrito numa das minhas viagens de comboio. Palavras sem rumo, escritas folgadamente, pois enquanto o comboio marcha velozmente, eu deixo-me levar. Podia ter passado despercebido, a voz da professora afogada entre momentos de distração, quando o corpo está presente, mas a mente deambula para além da sala de aula, mas atrevo-me a dizer que foi o destino. A peça do puzzle que deu forma àquelas palavras, que afinal não eram sem rumo, o propósito delas apareceu. Aqueles momentos que te fazem questionar se existe uma força superior, que te fazem sentir cúmplices do universo. Naquele instante acreditas.

Maximilian Karl Emil Weber, sociólogo, economista, jurista, filósofo; os seus contributos, tal como o seu nome, são vastos, desenvolve e explora o conceito que me convidou a desbravar este tema, o “desencantamento do mundo”. Este é um conceito central das suas obras, que descreve o processo histórico e social pelo qual a sociedade moderna se afasta da magia, do místico e das explicações religiosas e reverte a uma visão do mundo racional e burocrática. A diminuição da crença em poderes espirituais e o abandono de costumes e crenças tradicionais em favor de uma conceção da realidade mais material, calculável, até previsível. Max Weber relaciona a ascensão da sociedade industrial e capitalista, à ascensão da ciência e da técnica e, consequentemente, a perda do sentido místico da vida. Weber associa a perda da magia à perda do sentido da vida, vida esta dominada pela sensação de monotonia, pois o mundo já não é orientado por valores transcendentes ou imaginários, mas sim apenas por objetivos concretos e cálculos. 

A humanidade, numa manhã que ninguém se lembra, acordou num mundo sem magia. Pergunto se terá sido levada pelo vento. Um ato enganosamente silencioso, como as linhas de expressão que matreiramente se esculpem na pele, e num dia não diferente a qualquer outro, reparamos que estão perpetuamente no nosso reflexo. Talvez foi roubada por uma entidade misteriosa, porém quem resta para acreditar em tal conto? Quando o místico desvaneceu do quotidiano, como o nevoeiro da madrugada. Talvez a culpa tenha sido da névoa do nascer do dia, que prometeu trazer D. Sebastião, dos rumores da morte, mas dele nada se viu. Certamente esse foi o começo do fim para a magia, reduzida a fantasia. 

Não desvanecendo os benefícios do progresso, do Iluminismo e do conhecimento empírico, sinto uma certa melancolia pela perda de um mundo encantado pelo mítico. Talvez porque um pedaço de mim acredite. Crença que me faz beijar os pulsos ao som da sirene de uma ambulância, uma prece ao universo, ato em que digo sem proclamar uma palavra, por favor. Na esperança de apelar à boa fortuna. Na esperança de fazer a diferença. Convicção que me leva a agradecer ao universo quando algo de bom acontece. Que me faz andar descalça na relva quando me sinto perdida na insignificância da vastidão vazia da minha existência. E em todos esses vestígios de magia, a vida ganha sentido, que nem sempre é tangente ou sólido, mas é algo, e algo é melhor que nada. Algo pode ser muito quando não te resta nada.

Apelo que perdoes a magia. D. Sebastião pode nunca ter voltado, e até hoje da fada dos dentes nunca recebi nada, mas, a não ser que sejas matemático, e mesmo assim tenho as minhas dúvidas, a vida não se faz apenas de cálculos.

A mais bela coisa que podemos vivenciar é o sentido do mistério. É a fonte de toda a verdadeira arte e ciência.” – Albert Einstein.

Este artigo de opinião é da pura responsabilidade da autora, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.

Fonte da imagem da capa : Pinterest

Escrito por: Maria C Borralho

Editado por: Íngride Pais

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