(Nova) Frente Popular – um legado das Esquerdas

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A História não nos mostra apenas como os populismos se transformam em fascismos, também nos mostra como esta transformação não é inevitável.

A história da Frente Popular francesa e da sua vitória contra o fascismo é a prova disso mesmo.

A instabilidade política no período entre-guerras, acrescida pelo grave cenário económico que a Primeira Grande Guerra deixou, abriu caminho a um crescimento do populismo como nunca tinhamos visto; até agora. Este período deve servir de guia para navegarmos a atualidade, na certeza de que não existem populismos bons ou inocentes e que a História já nos mostrou no que estes se transformam.

No entanto, a História também nos mostra que esta trasformação não é inevitável.

Em 1935, com a ameaça do contágio do populismo de extrema-direita às instituições francesas, as Esquerdas francesas entenderam que teriam de seguir uma política diferente daquela que já tinha sido vista na Alemanha. A incapacidade de o SPD (Partido Social-Democrata da Alemanha) e de o KPD (Partido Comunista da Alemanha) se unirem foi vista como uma das causas da ascensão do nazismo. Posto isto, os franceses não iriam deixar a História repetir-se. Perante uma tentativa das forças fascistas de recriar a marcha sobre Roma de Mussolini, as Esquerdas responderam e uniram-se numa Frente Popular. Esta une o SFIO (Secção Francesa da Internacional Operária, atualmente conhecido como Partido Socialista), o PCF (Partido Comunista Francês) e o Partido Radical. Com o apoio dos sindicatos e com a bandeira da luta anti-fascista, a Frente Popular vence as eleições de 1936, conseguindo formar governo. Numa Europa contagiada pelo fascismo, a Frente Popular provou que a Esquerda é muito mais forte numa só unidade, quando conseguem quebrar os muros ideológicos e unirem-se na luta pelos pontos em comum – o socialismo e o anti-fascismo.

Em 2024, embora todas as mudanças, os temas parecem ser os mesmos. O populismo acelera de pedal no fundo em toda a Europa (até mesmo nos países sociais-democratas do norte) e os partidos de esquerda parecem ser incapazes de resistir ao avanço.

E em França? Com a vitória do RN (Reagrupamento Nacional), de Marine Le Pen, nas eleições europeias, a esquerda voltou a unir-se numa tentativa de responder, a esse avanço da extrema direita, nas eleições legislativas. Para nome da aliança escolheram Nova Frente Popular (”Nouveau Front Populaire”), como homenagem à coligação vencedora de 1936. França Insubmissa, Partido Socialista, Partido Comunista Francês, Os Ecologistas e outros partidos mais pequenos de esquerda anti-capitalista uniram-se numa só frente com o objetivo de travar a extrema-direita.

Tal coligação foi inesperada, sendo que apenas dois anos antes esta mesma coligação tinha falhado, com o afastamento do PS devido a divergências com a França Insubmissa. Contudo, surgindo a necessidade, com a vitória do RN nas europeias de 9 de junho e a consequente convocação de eleições legislativas pelo presidente Macron (sendo o partido deste o principal derrotado da noite), as Esquerdas voltaram a unir-se e dia 10 de junho, apenas um dia após a convocação de eleições antecipadas, apresentaram o projeto da Nova Frente Popular.

Outra vez, contra as probabilidades, uma coligação que apenas dois anos antes tinha sido um fracasso, venceu as eleições, mostrando, uma vez mais, que as Esquerdas são capazes de lutar quando representam uma Esquerda.

Contudo, desta vez a vitória não se materializou. Enquanto em tempo de campanha os partidos do centro macronista romantizaram uma “Frente Republicana”, que unisse toda a esquerda com o centro, de forma a anular a extrema direita, no tempo pós-eleições foi mais confortável um acordo com a extrema-direita de Le Pen, apontando para Primeiro-Ministro um membro da terceira força política mais votada.

Para a história ficará uma vitória eleitoral das Esquerdas, uma afirmação da capacidade que estas têm na luta anti-fascista. Ficará também a cumplicidade dos partidos de “centro” com a mesma extrema-direita, que dizem combater.

E em Portugal? Após a vitória da AD nas legislativas – e também do Chega, conquistando 50 dos 230 lugares -, os partidos de esquerda reuniram-se para discutir uma possível alternativa conjunta capaz de travar o avanço da extrema-direita e de retirar a direita do poder. Contudo, o contexto da Esquerda é diferente em Portugal. Ainda temos um partido que acha ser dono da Revolução e, enfim, da própria Esquerda, considerando que apenas existe uma. No entanto, tendo em conta os últimos resultados eleitorais, este terá de ceder à teimosia de não fazer parte de uma “Frente Popular”, ou o “ainda temos” vai mesmo chegar ao fim.

Para o futuro apenas fica a certeza que este passa pela união das Esquerdas. Por uma (Nova) Frente Popular.

Este artigo de opinião é da pura responsabilidade do autor, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.

Editado por: Marta Neves.

Escrito por: Miguel Mendes.

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