A metade omitida de “Bob Marley – One Love”

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Após 6 anos de espera, devido a uma interrupção da produção durante o período de covid, foi lançada mais uma cinebiografia, na consequência dos recentes sucessos de bilheteira do mesmo género, como “Bohemian Rhapsody” (2018), “Rocket Man” (2019) ou “Elvis” (2022). Desta vez a história a ser contada foi a da maior lenda do reggae, Bob Marley.

Fonte: Paramount Pictures

A longa-metragem “Bob Marley- One Love”, realizada por Reinaldo Marcus Green, estreou-se nos cinemas portugueses no dia 14 de fevereiro de 2024 e é protagonizada pelo inglês Kingsley Ben-Adir, que embora à primeira vista não seja, de todo, semelhante ao astro jamaicano, fez um trabalho extraordinário na encarnação do mesmo, conseguindo passar para o espetador a sua essência, em cada olhar, expressão facial e principalmente nos movimentos em palco. No papel de Rita Marley, foi a vez da atriz britânica Lashana Lynch brilhar – a sua preparação contou com o apoio da própria Rita, criando uma personagem extremamente profunda e humana.

Ainda num âmbito positivo a trilha sonora foi, como seria de esperar e citando o próprio Bob, “triunfal”, conta com vários dos maiores hits de reggae dos anos 70, deixando todos os momentos mais imersivos principalmente quando ouvida “all around you”, numa sala de cinema.

Fonte: The Guardian

Esta homenagem concentra-se em apenas 2 anos de uma vida extremamente turbulenta, abrindo com o atentado à vida do protagonista, baleado, na sua própria casa, em 1976. Como consequência Bob Marley e os The Wailers, a sua banda, saem do país, fazem uma tour pela Europa e compõem um dos álbuns com maior impacto a nível mundial, Exodus. Encerra-se com o concerto que nomeia a obra, “One Love Peace Concert”, em 1978, realizado com o objetivo de terminar a violência, uma constante no seu país de origem, derivada do conflito político.

Ao longo da trama surgem alguns flashbacks à infância do músico e uma imagem que se repete com alguma frequência: a silhueta de seu pai, que Bob nunca chegou a conhecer, montado num cavalo num cenário sombrio e cercado de labaredas de fogo. Apenas no último instante do filme, após a morte do protagonista, é revelado que a silhueta do homem montado a cavalo sempre foi Hailé Selassie I, o último imperador etiópio e figura central do movimento rastafári, sendo considerado o seu messias, Jah (Deus) que desceu à Terra. Dá a mão ao pequeno Bob, acolhendo-o como seu filho e libertando-o das sombras, da turbulência e das chamas, acabando o filme com uma mensagem religiosa de esperança.

Fonte: trailer oficial Bob Marley – One Love

A curta duração da biografia (1h40) jamais permitiria que esta estivesse completa, no entanto, havia espaço para explorar vários temas, que a meu ver não foram devidamente aprofundados, tais como:

– O movimento rastafári. Algo extremamente importante na vida pessoal e musical do artista é a sua ligação ao movimento. No entanto, alguns valores da religião são manchados pela intolerância, nomeadamente com a comunidade LGBT e apresenta dogmas inerentemente machistas, entrando em conflito com a mensagem propagada pela sua arte;

– A sua causa de morte. Após o diagnóstico da sua doença Bob Marley optou por não amputar o seu pé, opondo-se ao aconselhamento médico, por motivos religiosos;

– O seu relacionamento com a esposa. Teve 12 filhos e apenas 2 foram do casamento, existiu infidelidade de ambas as partes e por consequência anunciaram uma relação aberta, a partir desse momento Rita descreve o cantor, na sua autobiografia (No Woman No Cry, 2004), como possessivo.

Ao não estarem presentes no filme alguns aspetos como estes, deixam a pensar que talvez a sua viúva e filhos (integrantes da equipa de produção) preferiram omitir vários fatores intrigantes e relevantes. Tal como no filme “Elvis”, onde muitos dos “podres” da vida do Rei, são suprimidos, possivelmente para proteger a sua imagem.

Fonte: Dennis Morris

O artista, conhecido pelas suas músicas revolucionárias e pelo consumo excessivo de drogas leves, carregou uma mensagem de união e amor ao longo de toda a sua curta vida. A sua obra é relembrada até aos dias de hoje por todos aqueles que a escutam, perpetuando essa mesma mensagem, agora para sempre conectada ao seu nome, uma marca no mundo que dificilmente será apagada.

Nota: 3.3/5

Este artigo de opinião é da pura responsabilidade do autor, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados. 

Escrito por: David Pereira

Editado por: Joana Matos

Uma resposta a “A metade omitida de “Bob Marley – One Love””

  1. Avatar de Diogo Reis Martins de Nazareth Fernandes
    Diogo Reis Martins de Nazareth Fernandes

    grande david🙌🏽o melhor escritor do jornal💪🏽

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