“Woke, palavra (mal)dita” foi o título do evento promovido pela associação Corações Com Coroa no passado dia 6 de dezembro, no CCC Café. O painel contou com a presença da presidente Catarina Furtado e dos convidados Marco Neves, Mafalda Anjos e Ana Markl. A conversa permitiu, a partir de uma reflexão aprofundada sobre a palavra woke, analisar o papel das redes sociais, da polarização e dos media na transformação semântica.
A manhã começou com uma contextualização histórica por parte do professor Marco Neves, explicando que a expressão nasceu no século passado, no seio da comunidade afro-americana nos Estados Unidos. Este termo, que provém da variante afro-americana do inglês, tinha como significado original: “estar alerta para a injustiça racial”. Ao longo das décadas, com os avanços no reconhecimento formal da igualdade racial, a palavra ganha um sentido mais amplo, sendo utilizada para descrever todo o sujeito consciente e desperto em relação às injustiças sociais.
Contudo, com a ascensão da polarização e do populismo nos Estados Unidos, a expressão passa a ser usada como ofensa para caricaturar o movimento progressista como excessivamente sensível e moralista. E é já nesta fase, carregada de conotação negativa, que é importada dos Estados Unidos para Portugal, transformando-se num conceito difuso, controverso e facilmente instrumentalizável.
Uma das principais reflexões desta manhã foi a compreensão de que a língua é capaz de tanto unir quanto dividir, podendo ela própria tornar-se um campo de batalha. Usar woke como ofensa é um exemplo de uma falácia do espantalho. O objetivo é distorcer o argumento, criando-se uma versão simplificada – um “espantalho” – tornando-se mais fácil de atacar e refutar o “adversário”.
Numa das suas intervenções, Mafalda Anjos afirmou: “Ser woke é ser decente”. Segundo os convidados, a melhor forma de lidar com o insulto é assumi-lo. A estratégia que o “insultado” deve adotar é recusar a narrativa construída para descredibilizar as lutas sociais.
Mas será a empatia ideológica?
Para entendermos a razão pela qual o termo passou a ser usado como ofensa, vê-se necessário observar a ascensão do populismo nos últimos anos. A principal tática utilizada é a tentativa de monopolizar a informação para consolidar a estratégia de mobilização emocional, alimentando a raiva e o medo, mas sobretudo o descontentamento político e económico. Explicar o sucesso do populismo somente na desilusão do povo é redutor. Atualmente, o papel das redes sociais e dos media é determinante, uma vez que se tornaram as principais arenas políticas.
Como referiu Mafalda Anjos, o modelo da televisão é na ótica das audiências. Do mesmo modo, as redes sociais com o seu design orientado para os algoritmos e echo chambers fomentam a polarização e, na ausência de mecanismos de factchecking e de mediadores, difundem desinformação. Assim, as redes sociais e os media, devido à sua própria génese, tornam-se o palco e a ferramenta ideal para o populismo, provocando a polarização das sociedades e as guerras culturais.
O objetivo final é moldar a agenda política, ou seja, controlar a informação e as práticas discursivas. Logo, uma das ferramentas fundamentais é a língua, sendo possível transformar uma palavra em arma política, descredibilizando algo ou alguém e impedindo o avanço do debate, levando assim a extremos que não dialogam e a uma democracia cada vez mais fragilizada.
Ana Markl salientou que, historicamente, a revolução é percecionada como barulhenta, histérica e incomodativa. Consequentemente, woke irá ser sempre palavra maldita até parar de ser mal dita.
Fotografia de capa por: Helena Viegas
Este artigo de opinião é da pura responsabilidade da autora, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.
Escrito por: Jenifer Longos
Editado por: Leonor Oliveira


Deixe um comentário