Discutem-se flores, mas o resto fica para quando? 

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No dia 25 de Novembro, o Parlamento português voltou a encenar um daqueles episódios que nos fazem pensar se a política é um ramo das ciências sociais… ou das artes performativas. Como em qualquer peça bem ensaiada, houve drama, subtexto e adereços. Desta vez, as flores foram promovidas a protagonistas.

Antes de entrar nos detalhes botânicos, convém lembrar o enredo histórico: o 25 de Novembro de 1975 foi o dia em que Portugal decidiu o rumo da sua jovem democracia. Não foi uma revolução, mas uma correção de rota. Foi a escolha de que a liberdade conquistada em Abril seria temperada com pluralismo e contenção, afastando tanto fantasmas autoritários como tentações revolucionárias. Para uns, foi a estabilização, para outros, a domesticação. É uma memória com vértices e arestas e, justamente por isso, tão sensível.

Ontem, no Parlamento, decidiu-se assinalar essa data com rosas brancas. Um símbolo pensado para transmitir paz, equidistância e, talvez, até maturidade democrática. Porém, a política portuguesa nunca foi muito dada a neutralidades. Assim, alguns deputados levaram cravos vermelhos e pousaram-nos na tribuna, um pequeno lembrete de que, antes de Novembro, houve Abril, e que a história não se escreve a flor única.

Foi então que um gesto aparentemente simples (retirar os cravos e devolver à tribuna a monocromia branca) transformou a cerimónia numa alegoria involuntária. Deputados levantaram-se, outros devolveram os cravos ao lugar. Uma dança de flores e convicções. Tudo isto em torno de símbolos, não de políticas.

Talvez aí resida a crítica que ninguém verbaliza, mas todos pressentem: somos um país exímio a debater o passado e extraordinariamente cauteloso em discutir o presente. Há quem prefira lutar por flores do que por soluções. É mais seguro, menos mensurável e, sobretudo, mais televisivo.

Enquanto se discutia se o dia pertencia ao cravo ou à rosa, ninguém pareceu particularmente preocupado com o facto de muitos jovens já não reconhecerem nenhum dos dois. Para quem vive entre recibos verdes, rendas impossíveis e carreiras que começam a meio gás, a simbologia histórica perde força quando comparada com a urgência do agora.

Contudo, no Parlamento, onde se trabalha com palavras e gestos como quem trabalha vidro soprado, estes momentos servem para reforçar pertenças, marcar território e reencenar conflitos antigos. Talvez seja por isso que tantas vezes discutimos flores: porque discutir aquilo que realmente floresce, ou murcha, na vida do país é bem mais incómodo.

No final, a tribuna ficou com cravos e rosas. Portugal, esse, ficou com a impressão de que continuamos a ser mestres na arte de cuidar das flores simbólicas, enquanto deixamos por regar o jardim inteiro.

Este artigo de opinião é da pura responsabilidade da autora, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.

Fonte da imagem da capa: Correio da Manhã

Escrito por: Matilde Lima

Editado por: Margarida Simões

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