Nos últimos dias, um vídeo apareceu-me no TikTok: uma menina palestiniana, uma voz embargada, percorria os escombros à procura dos familiares. O bairro de Zeitoun, em Gaza, reduzido a fragmentos. Ela chamava por nomes que para nós são desconhecidos, mas para ela significavam tudo. Já eu, do outro lado do ecrã, apenas podia deslizar o dedo para cima, ou ficar ali, a olhar.
Vivemos numa geração que vê guerras em primeira mão sem nunca ouvir o som real de um míssil. Crescemos com timelines onde catástrofes se misturam com receitas, memes e anúncios. Um conflito que dura décadas aparece-nos em vídeos de 15 segundos, filtrado por lágrimas, poeira e algoritmos. A guerra deixou de ser distante e tornou-se íntima, portátil e silenciosa na nossa sala.
No entanto, este conflito não começou com o vídeo da menina, começou muito antes de nós.
Israelitas e palestinianos partilham uma história marcada por promessas políticas incumpridas e guerras sucessivas. A criação do Estado de Israel em 1948, o deslocamento de milhares de palestinianos, as guerras árabe-israelitas, a ocupação da Cisjordânia e de Gaza após 1967, os acordos que fracassaram, os atentados… cada geração herda um pedaço de um conflito que nunca conheceu verdadeiramente a pausa.
No meio dele, há sempre civis. Milhões de vidas suspensas entre fronteiras físicas e fronteiras políticas.
Não preciso de estatísticas para saber que o sofrimento civil é esmagador. Basta olhar para aquela menina. Podia ser israelita, palestiniana, ucraniana ou síria. O rosto da infância em guerra tem a mesma expressão universal de medo e perda. Todos os lados de um conflito têm crianças que não escolheram nada disto.
As redes sociais mostram-nos estas imagens sem mediação, sem contexto e sem preparação. Nós, entre aulas, trabalhos e cafés, somos confrontados com uma dor que não tem resolução rápida nem moral simples. Somos espectadores de tragédias que não conseguimos desligar, mas também não sabemos como carregar.
Talvez o maior desafio da nossa geração seja este. Aprender a olhar para o sofrimento sem nos desumanizarmos, mas também sem nos deixarmos afogar por ele. Entender que a empatia não resolve guerras, mas ajuda-nos a não aceitar a violência como paisagem inevitável.
Fecho os olhos e lembro-me da menina de Zeitoun a chamar pelos seus. Por instantes, sinto que também estou a procurá-los. Talvez porque, no fundo, procuro encontrar o que resta de humanidade num mundo onde até a compaixão parece ter um limite de atenção.
Então, pergunto-me, quando deslizamos o dedo para o próximo vídeo, o que é que deixamos para trás?
Este artigo de opinião é da pura responsabilidade da autora, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.
Fonte da imagem da capa: UNICEF
Escrito por: Matilde Lima
Editado por: Íngride Pais


Deixe um comentário