Nos últimos dias, surgiu no TikTok uma nova tendência em que rapazes trocam o seu habitual Nike Tech por uma quarter zip, como se estivessem a fazer um “upgrade” na própria personalidade. A mudança de roupa é apenas o ponto de partida: a encenação continua com eles a adotar um estilo de vida completamente diferente. Quase como se tivessem entrado na sua “corporate era”.
De repente, estes jovens começam a agir como se trabalhassem numa empresa: bebem matchas, falam de produtividade e “networking”, fingem que têm reuniões no LinkedIn e assumem um ar sóbrio, organizado e “classy”. A ideia é mostrar o contraste entre a energia descontraída deles e esta versão exageradamente profissional e composta.
A graça da trend está precisamente nessa transformação absurda e instantânea: basta uma quarter zip para deixarem de ser os “rapazes do costume” e passarem a encarnar personagens que parecem ter assinatura digital, seguro de saúde da empresa e brunch marcado para domingo.
Isto lembra-me muito o movimento do Dandismo. Por definição, um dândi é um indivíduo que presta atenção exagerada à sua aparência ou estilo. Mas o dandismo negro representa algo mais profundo: é alguém que, por um lado, usa a moda para se expressar, e por outro, usa a moda para desafiar a noção tradicional de prestígio e estatuto.
A história deste movimento remonta aos séculos XVIII e XIX, quando antigos escravos nas Caraíbas e na América do Sul adoptaram o estilo europeu para recuperar a dignidade, transformando a roupa numa forma de rebelião. Um dos casos mais fascinantes dessa época é Julius Soubise: nascido em 1754 na Ilha de São Cristóvão, foi libertado e apoiado pela Duquesa de Queensberry, adotando uma elegância extravagante, charme e uma imagem cuidadosamente construída, características que hoje associamos ao dândi. Conhecido pela sua roupa flamboyant, pela sua perícia na esgrima e pelo carisma teatral, Soubise desafiou barreiras raciais e sociais através do estilo. A sua presença pública e persona meticulosamente cultivada anteciparam o arquétipo do dândi, tornando-o uma figura pioneira na personificação da sofisticação, da performance e da ousadia cultural.
Durante a Renascença do Harlem, nos Estados Unidos, o estilo tornou-se uma maneira de expressar orgulho num contexto onde lhes era sistematicamente negado estatuto e reconhecimento. Fatos feitos à medida, cores vibrantes, chapéus e sapatos polidos eram essenciais: era sobre ser visto, respeitado e rejeitar as opressões sociais.
Mas o dandismo negro não se limita aos EUA. Há expressões poderosas na África e no Caribe. Um exemplo icónico é a La Sape no Congo: os “sapeurs” vestem fato elegante, chapéu, sapatos refinados e assumem a elegância como código de resistência. Em Abidjan, na Costa do Marfim, dandis modernos reinterpretam esse legado com padrões coloridos, silhuetas arquitetónicas e postura distinta. No Caribe, por exemplo, durante o período colonial, surgiram figuras que adoptavam a estética europeia como forma de afirmação, e no século XX o zoot suit teve grande impacto nas comunidades afro-caribenhas.

Fonte: Público
Mais recentemente, figuras contemporâneas como André Leon Talley, Jidenna e Law Roach continuam a reviver este espírito, com silhuetas dramáticas e forte expressão pessoal. Designers, ativistas de moda e figuras pop também têm usado o vestuário para afirmar identidade, presença e herança.
No Met Gala de 2025, voltou a haver um reconhecimento público potente do dandismo negro: o tema foi “Superfine: Tailoring Black Style”, inspirado no livro Slaves to Fashion: Black Dandyism and the Styling of Black Diasporic Identity, de Monica L. Miller. A exposição foi organizada em 12 seções para representar características do dandismo negro, como propriedade, presença, distinção, disfarce, liberdade, respeitabilidade, herança, beleza, “cool” e cosmopolitismo. Foram destacados vários looks notáveis que encarnaram essas ideias por exemplo, muitos participantes usaram fatos sob medida, cortes clássicos e cores ousadas para simbolizar dignidade e resistência.

Fonte: Vougue
Embora historicamente associado aos homens, o arquétipo do dândi pode hoje transcender o género. As suas origens masculinas explicam-se por um contexto em que a esfera pública e as regras de elegância formal eram dominadas pelos homens, permitindo-lhes usar a moda como arma de afirmação individual e crítica social. No entanto, o dandismo é universal. Figuras como a pintora Romaine Brooks ou a icónica Janelle Monáe provam que a postura dândi, com a sua ênfase na pose, na distinção e na reinvenção, não é um clube exclusivamente masculino. A tendência do quarter-zip, tal como o dandismo clássico, pode ser protagonizada por qualquer um, mas a sua representação maioritariamente masculina online é um eco moderno dessas origens históricas.

Fonte: The New Yorker 100
Assim, a trend do quarter zip no TikTok pode ser vista como uma versão leve e moderna do ethos do dandismo negro: a peça de roupa simples serve como gatilho para uma “atualização de identidade”, um jogo de performance que reafirma presença, elegância e autoconsciência. A relevância desta tendência vai para além dos quarter zips e matchas: já se começam a ver vídeos com fatos e cafés, combinando estilo e comportamento de forma mais sofisticada. Pode ser ‘corporate’ por agora, mas já deu espaço para experimentar estilos novos, o que é importante: mesmo em trends humorísticas, as pessoas testam identidade, presença e estética, abrindo caminho para formas de expressão mais conscientes uma ponte, ainda que pequena, para o espírito do Dandismo Negro. Com o tempo, esta forma de expressão humorística e digital tem potencial para evoluir para uma subcultura mais consciente, onde moda, performance e autoconceito se cruzam, criando uma versão contemporânea do dândi negro adaptada às gerações mais novas.
Pode não ser nada profundo ainda, mas é giro ver como micro–trends podem refletir, de forma divertida e contemporânea, ideias históricas e culturais como o dandismo negro.
Fonte da imagem da capa: Vogue
Este artigo de opinião é da pura responsabilidade da autora, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.
Escrito por: Beatriz Djalo
Editado por: Íngride Pais


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