Álbum da cantora espanhola destrói fórmulas prontas, busca referência na música clássica com letras em 13 idiomas – inclusive em português – e entrega uma obra de arte para ser apreciada além da superfície sonora.
Esqueça os refrões pegajosos. Nem pense em inventar uma dança para virar trend no TikTok. Lux, o novo álbum da cantora espanhola Rosalía, foi feito para ser apreciado com calma, como uma experiência contemplativa que vai além do som. É necessário sair da superfície e mergulhar nas letras, mesmo que em 13 idiomas, para chegar de forma profunda na obra de arte lançada na quinta-feira, 6 de novembro, em todo o mundo.
Depois de três anos do lançamento de Motomami, em que explodiu mundialmente, a cantora optou por lançar um álbum em que nada soa parecido com o que o pop tem sido na última década. Não há fórmulas prontas para que a música seja amplamente distribuída ou consumida. O que há é uma entrega monumental, em que a transcendência é a intenção.
Ao falar sobre o projeto, Rosalía explica ter realizado uma obra “verticalizada”, em que o nome luz – em latim, Lux – é justamente para expressar a intenção de buscar o divino. Usa a música clássica, por muito tempo destinada apenas aos acadêmicos musicais, como base para fazer canções sobre experiências bastante conhecidas dos seres humanos, como o desejo pelo amor ou o enfrentamento do luto. É como se a referência a Deus servisse como uma lembrança de que precisamos ser mais mundanos, pois é isto que nos permite viver.
Na era da Inteligência Artificial, um álbum totalmente humano
Para expressar o que é o sagrado, Rosalía disse ter estudado – e muito – sobre religiões e o conceito de santidade em diferentes credos. Para isso, canta em 13 idiomas diferentes, exigindo cerca de um ano totalmente dedicado ao processo de composições. Segundo a cantora, foram várias idas e vindas no processo de produção das letras, com auxílio de tradutores especializados e de uma ferramenta bastante conhecida: o Google Translate.
Será possível ouvir Rosalía, portanto, em espanhol, catalão, português, italiano, siciliano, francês, alemão, inglês, ucraniano, árabe, hebraico, latim e mandarim.
Em entrevista ao The New York Times, ela foi questionada se teria utilizado Inteligência Artificial para corrigir a pronúncia ou até mesmo para gerar uma voz com o sotaque de alguma determinada língua. Esse último recurso, por exemplo, foi utilizado no filme O brutalista, em que falas de Adrien Brody e Felicity Jones foram manipuladas para que o dialeto húngaro soasse mais “nativo”.
A resposta para os jornalistas de Popcast foi certeira. O projeto é totalmente humano. Essa talvez seja também mais uma atitude inovadora. Afinal, em uma sociedade onde a tecnologia parece ser o padrão, usar a inteligência puramente humana é o menos esperado, ou ainda revolucionário, que possa ser feito. As músicas ainda foram gravadas com a Orquestra Sinfônica de Londres, valorizando a monumentalidade de instrumentos que apenas podem ser tocados por mãos humanas.
Outra forma de mostrar uma preferência ao humano é o fato de que há músicas apenas disponíveis nas versões físicas. São 15 faixas na versão digital e 18 na física, sendo “Focu ‘ranni”, “Jeanne” e “Novia Robot” as três músicas exclusivas para quem optar por adquirir o vinil ou o CD.
Parceria com Carminho, grande nome do fado em Portugal
Para os amantes do fado, gênero tradicional de Portugal, ainda há uma surpresa emocionante. Rosalía canta Memória ao lado de Carminho, uma das maiores fadistas contemporâneas. Em entrevista, a cantora portuguesa revelou que a composição foi feita originalmente para o próprio disco, mas que acabou sendo gravada para Lux por pedido de Rosalía.

Painel de divulgação de Lux (à direita).
A letra, escrita por Carminho, revela como o fado segue atual ao expor questões sobre como construímos memórias e até mesmo sobre como questionamos nossas identidades dependendo do local em que estamos ou da fase de nossas vidas. Para os fãs portugueses e falantes da língua portuguesa, a música soa como a ária principal de uma ópera ou como o clímax de uma orquestra.
Além da cantora portuguesa, o álbum também valoriza outros nomes da música, pois para alcançar o divino, talvez seja necessário estar mais em comunidade. Há parcerias com Björk, Yves Tumor, Estrella Morente, Sílvia Pérez Cruz e Yahritza y Su Esencia.
A autora escreve em português do Brasil.
Este artigo de opinião é da pura responsabilidade da autora, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.
Escrito por: Carolina Marasco
Editado por: Leonor Oliveira


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