Luxo, velocidade e quantias astronómicas. A Fórmula 1 é o exemplo mais veloz de como o capitalismo se reinventa em busca de novos mercados e lucros. Mais do que um campeonato de automobilismo, a Fórmula 1 é um espelho do capitalismo moderno. O desporto transformou-se num produto global que mistura glamour, tecnologia e poder económico.
A Fórmula 1 é formada por 10 equipas e 20 pilotos no grid atual. Cada equipa corre com dois carros e é gerida por um team principal (diretor-geral), responsável pelas operações diárias, coordenação de pilotos, engenheiros e demais funcionários. Alguns team principals acumulam também a função de CEO da equipa, como o notável caso de Toto Wolff, da Mercedes, diferente da equipa McLaren, que tem Andrea Stella como CEO e Zack Brown como team principal, que tomam as decisões em conjunto.
O que é capitalismo e como se aplica à F1
O Capitalismo é um sistema económico baseado na propriedade privada dos meios de produção e sua exploração com fins lucrativos. A F1 reflete esse modelo: tudo é tratado como negócio. Os países onde ocorrem os circuitos pagam altas taxas para receber os Grandes Prémios (GP), correspondentes a cerca de 29,3% da receita total da F1 em 2024.
A maior parte dos recursos vem justamente de acordos comerciais, como os direitos de mídia, patrocínios e taxas de corrida. As equipas dependem de parceiros corporativos, como a Rolex, DHL, Aramco e Louis Vuitton, que são exemplos de patrocinadores globais da F1. Este é um desporto que se organiza em torno de investimentos privados, concorrência financeira e objetivos de rentabilidade.
Calendário da F1 e expansão nos EUA

Os Estados Unidos abrigam três Grandes Prémios, devido ao grande mercado e forte retorno económico, suportados por generosos incentivos. Em Austin, por exemplo (Circuito das Américas), participam atualmente cerca de 430 mil espectadores A própria Liberty Media teve que investir significativamente para se consolidar: contratos plurianuais garantem GPs estáveis (Miami renovou até 2041, Austin estendeu para 2034), e executivos da F1 reconhecem que parceiros globais querem presença nos EUA.
O Grande Prémio de Las Vegas, o evento noturno de novembro, tem uma estrutura luxuosa, mas bilhetes e pacotes muito dispendiosos. No quesito custos, Las Vegas lidera. O bilhete mais barato de 3 dias (arquibancada em pé) tem um custo de US$500, que rapidamente esgota. Outras opções custam muito mais: a arquibancada normal alcança aproximadamente US$2.000 (três dias, com alimentação incluída); um bilhete de heritage (área VIP compartilhada) chega a US$5.000.
Este conjunto de altos custos reflete o caráter elitista do evento. Muitos críticos apontam que o GP de Vegas foi projetado para os ricos: já na venda inicial se notou que a corrida nunca foi direcionada para os fãs da classe média. Também os comerciantes locais reclamam de prejuízos: donos de mercados próximos ao circuito chamam o GP de “desastre”. Nas redes sociais, surgem comentários depreciativos como “glorificado estacionamento”, “pior corrida do calendário” e até “money talks, baby” ao notar a disparidade de valores, evidenciando a sensação de que o evento favorece apenas o público endinheirado.
Nos últimos anos, o Ruanda tem tentado posicionar-se como um novo destino para a Fórmula 1. O governo ruandês, através da sua agência de desenvolvimento, apresentou planos para construir um autódromo moderno em Kigali, com um projeto liderado pelo ex-piloto de F1, Alexander Wurz. O circuito, estimado em cerca de 270 milhões de dólares, seguiria padrões internacionais e faria parte de uma estratégia nacional de turismo e marketing, semelhante à usada por outros países para atrair grandes eventos desportivos.
Apesar dos esforços, o Ruanda ainda não conseguiu entrar no calendário. O motivo principal não é técnico, mas económico. Para receber uma corrida, o país precisaria de pagar uma taxa anual de promoção à Liberty Media que pode ultrapassar 50 milhões de dólares por temporada, além de garantir infraestrutura, logística e retorno comercial à Fórmula 1. O mercado ruandês, embora em crescimento, ainda é pequeno para justificar um investimento tão alto sem garantia de retorno imediato.
Enquanto o Ruanda tenta entrar, os Estados Unidos ocupam três vagas no calendário (Austin, Miami e Las Vegas). Essa diferença ilustra como o fator financeiro é decisivo.
Patrocínios, contratos e poder económico
Os patrocínios são chave na F1. As equipas firmam contratos milionários com marcas globais para expor logos nos carros e uniformes. Os pilotos de ponta e mais populares também atraem patrocínios pessoais.
Além disso, os contratos dos pilotos são alinhados com interesses de mercado: o padrão é multi-year (plurianual), às vezes com cláusulas de extensão. Por exemplo, Oscar Piastri tem vínculo com a McLaren até 2027, e Lando Norris somente até 2026.
Lewis Hamilton assinou com a Ferrari um acordo plurianual que se especula que vá até 2027. Também são comuns os chamados contratos “1+1” (um ano garantido + opção de mais um). Hamilton, no seu último contrato na Mercedes, renovou por 2024 com opção para 2025. Estratégia que, segundo Toto Wolff, beneficiava ambas as partes dado o horizonte de carreira do piloto. Cada vaga e cada contrato na F1 é guiado por interesses financeiros: patrocinadores, opções de saída e rendimento desportivo são avaliados comercialmente ao definir acordos.
Caso Lewis Hamilton na Ferrari e investimentos externos

A mudança de Lewis Hamilton da Mercedes para a Ferrari no final de 2024 não envolveu só o desempenho em pista, mas um grande investimento financeiro. A Scuderia Ferrari HP é controlada pelo Exor N.V, um poderoso conglomerado de investimentos da família Agnelli, também acionista maioritária da Juventus Football Club. Parte dos recursos originalmente alocados ao futebol italiano foi redirecionada para a Fórmula 1, com o objetivo de viabilizar a chegada de Hamilton a Maranello. A manobra reflete a tendência de investidores procurarem desportos de maior retorno financeiro e visibilidade global, especialmente em mercados emergentes como os Estados Unidos e o Médio Oriente (que já conta com 4 Grandes prémios: GP da Arábia Saudita, Qatar, Bahrain e Abu Dhabi). A notícia do acordo teve impacto imediato nos mercados: as ações da Ferrari na Bolsa de Nova York subiram mais de 10% nos dias que se seguiram ao anúncio, atingindo valores recordes de capitalização.
Caso Sergio Pérez na Red Bull
O mexicano Sergio Pérez é outro caso emblemático. Embora tenha tido, em comparação, um desempenho inferior a Max Verstappen, Pérez manteve o seu assento na Red Bull em 2024, graças ao apoio financeiro de patrocinadores latinos. Empresas mexicanas como Claro, Telcel e Infinitum, passaram a financiar Sergio Pérez. Estes patrocínios foram determinantes para a sua permanência, compensando a falta de desempenho desportivo.
Expansão e Resultados da Liberty Media
Desde 2017 que o controlo comercial da F1 está nas mãos da Liberty Media, conglomerado americano que comprou a Fórmula 1. A estratégia da Liberty foi clara: elevar o apelo global e a receita do desporto através da expansão de novos mercados, como mais corridas nos EUA, e mídia, como o lançamento da série na Netflix “Drive to Survive“. Os resultados são evidentes: de 2018 a 2024, a receita da Liberty com a F1 aumentou acentuadamente.
Todas estas questões demonstram que a Fórmula 1 vem sendo tratada como um produto comercial global, guiado por decisões de investimento típicas do capitalismo moderno.
Este artigo de opinião é da pura responsabilidade da autora, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.
Fonte da Capa: Formula 1
Escrito por: Filipa Vieira
Editado por: Maria Francisca Salgueiro


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