Entre cliques e palavras: a metamorfose do português

A língua portuguesa sempre viajou, mas nunca tão depressa. Agora não se usam caravelas, mas vídeos, feeds e algoritmos que transportam sotaques e expressões provenientes do Brasil até Portugal. O resultado? Uma verdadeira metamorfose linguística que entusiasma uns, mas que preocupa outros.

Nas salas de aula e nos recreios de norte a sul do país emerge um novo sotaque que, cada vez mais, ganha terreno entre as crianças portuguesas. Expressões como o “legal” em substituição do “fixe”, do “ruim” invés do “mau” e do “você” no lugar do “tu” acabam por se infiltrar na fala, e por vezes também na escrita, destas gerações mais novas, o que por vezes se torna preocupante.

A origem desta mudança está, em grande parte, nas horas passadas diante dos ecrãs. Plataformas como o Youtube e o TikTok são o principal meio de entretenimento infantil nos dias de hoje, e a maioria destes vídeos são produzidos no Brasil, onde o mercado de criadores de conteúdo infantil é vasto e altamente profissionalizado. Estes vídeos utilizam uma linguagem relativamente simples e repetitiva, o que faz com que as crianças a memorizem com facilidade, e que a reproduzam sem se quer se aperceberem. Para além disso, o português do Brasil tem um ritmo melódico e expressivo que naturalmente agrada às crianças. Todos estes fatores tornam, de certo modo, o discurso brasileiro mais cativante aos ouvidos infantis.

Apesar de parecer inofensiva, a verdade é que esta exposição constante ao português do Brasil gera efeitos no comportamento linguístico das crianças, acabando por afetar a identidade cultural portuguesa.

O idioma é muito mais do que apenas um meio de comunicação, é o espelho de um povo. A língua carrega consigo séculos de história, e cada palavra ou expressão típica é um pequeno fragmento do país. Assim, quando expressões e sotaques provenientes de outros países começam a substituir as formas tradicionais, não se está a mudar apenas a maneira de comunicar, mas sim a forma de ver o mundo.

O português de Portugal adotou palavras e expressões que espelhassem o seu modo de viver e de pensar, e se estas particularidades se díluirem, perde-se uma herança imaterial que liga gerações.

Apesar de todas estas preocupações, há quem veja este fenómeno como uma oportunidade. Vários linguistas e educadores defendem que o contacto constante com o português do Brasil, ou com qualquer outra língua pode melhorar a adaptação linguística, ao mesmo tempo que desperta curiosidade por outras culturas. No fundo, olham para este fenómeno como uma forma de ampliar horizontes, até porque é esta convivência entre variantes linguísticas que mantém a ideia de comunidade lusófona.

Pessoalmente considero que é necessário um equilíbrio. É importante valorizar a diversidade e reconhecer que o contacto com diferentes variantes do português pode enriquecer o vocabulário e a forma de expressão das crianças, no entanto é crucial preservar a nossa identidade linguística, pois é nela que se reflete parte da nossa história e cultura. Cabe às famílias e às escolas ensinar as crianças a distinguir as diferenças entre o português de Portugal e o português do Brasil. Devemos ajudá-las a compreender que o “tu” e o “você” coexistem, mas não se confundem. Só assim podemos garantir que a língua evolui, sem perder o som que nos pertence.

As crianças são o futuro de Portugal, e é na sua voz que ecoa o país que seremos amanhã. O modo como comunicam reflete o mundo que nos rodeia, um mundo mais globalizado e dominado pelos ecrãs. É natural que absorvam e adotem expressões e sotaques do que veem e ouvem diariamente, mas ainda assim é essencial que saibamos orientá-las. Corrigir não implica limitar, mas sim guiar. Apenas as ajuda a compreender que a língua portuguesa tem muitas formas e sonoridades, e que todas são válidas, mas diferentes.

Ao ensinar esta diferença, estamos a transmitir um valor de pertença. A língua, como referi anteriormente, é mais do que um meio de comunicação, é o espelho da nossa cultura.

No fundo, o importante é que as novas gerações cresçam com consciência linguística, reconhecendo a riqueza que partilham com milhões de falantes, mas também a singularidade que as distingue como portuguesas, até porque preservar a língua, é nada mais nada menos do que preservar Portugal.

Importância da língua portuguesa. Fonte: https://pin.it/70KCcusC8

Este artigo de opinião é da pura responsabilidade da autora, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.

Fonte da imagem de capa: https://pin.it/3kHqGh1gE

Escrito por: Francisca Lousada Silva

Editado por: Rodrigo Caeiro

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