Do riso à revolta, os memes tomaram o lugar dos panfletos e tornaram-se a forma mais eficaz de fazer política na internet. Há quem diga que a política morreu nas redes. Talvez. No entanto, se morreu, os memes fizeram-lhe o funeral (com música, filtros e um toque de ironia).
Nos nossos feeds, a sátira política já não vem em editoriais: vem em formato jpeg, com legenda em letra branca e fundo pixelizado. Um ministro tropeça nas palavras? Meme. Um candidato promete resolver a habitação? Meme. Um estudante paga 600 euros por um quarto sem janela? Meme (e viral).
O humor, que antes era distração, virou discurso. Entre emojis e sarcasmo, encontrámos uma forma de fazer política que fala a sua língua: rápida, irónica e partilhável.
Da praça pública ao grupo de memes
Se, no século XIX, a praça era o lugar da política, hoje é o feed do Instagram. Os novos cartazes são digitais e, em vez de slogans gritados, temos frases irónicas que correm de story em story.
Os sociólogos chamam-lhe “dialeto digital”: um idioma feito de imagens, trocadilhos e referências que só quem vive online entende. Os memes permitem que se comente a atualidade, sem precisar de filiação partidária nem de um microfone.
Em 2024, durante as legislativas, várias páginas de memes transformaram debates em piadas, candidatos em personagens e programas eleitorais em punchlines.
Nas timelines, a disputa política foi mais intensa, e mais criativa, do que nos palcos televisivos.
O poder de um bom meme
Um bom meme tem tudo: síntese, humor e timing. É o equivalente digital a um grito bem dado.
Quando o tema da habitação explodiu, as redes encheram-se de imagens de apartamentos minúsculos com legendas como “T1 com vista para o desespero”. Outros mostravam políticos sorridentes com frases tipo “Prometi casas, trouxe esperança (em segunda mão)”.
Por de trás da piada, há crítica. É o humor a fazer o trabalho que a política evita. “Rimo-nos porque é trágico, mas rir é também resistir”, diz Mariana André, 19 anos, estudante de Psicologia. “Um meme não muda o mundo, mas ajuda-nos a suportá-lo”.
Tal como nos Estados Unidos em 2016, quando os memes ajudaram a construir candidatos e a destruir reputações, também em Portugal a ironia virou ferramenta política.
A diferença? Aqui, o sarcasmo é mais subtil e menos partidário. O meme português é mais “auto gozo” do que propaganda… mais café de manhã do que comício.
Contudo, há um risco: o da manipulação. Alguns memes, partilhados milhares de vezes, distorcem informação ou reforçam preconceitos. A estética do humor mascara a intenção política.
Ainda assim, a força simbólica é inegável. O meme é curto, visual e carregado de emoção, tudo o que a política tradicional não é.
Aprendemos mais sobre ideologias políticas nas páginas de memes do que nas aulas de Cidadania… e não é exagero. Já não nos informamos só em jornais, informamos-nos por humor.
O futuro é um feed
A política já não se discute em cafés, mas em comentários. Os memes são o ponto de encontro de uma geração que desconfia das instituições, mas confia no share.
Talvez a grande mudança esteja aqui: a política deixou de ser um ato solene e passou a ser uma conversa com piadas internas. No riso coletivo há mais reconhecimento do que cinismo, pois rir juntos, mesmo de desespero, ainda é uma forma de comunidade.
“Se o meme é o novo dialeto digital”, escreve Limor Shifman, autora de Memes in Digital Culture, “então a política tornou-se uma conversa feita de imagens, ironias e significados partilhados”.
No fim, o meme é mais do que humor: é linguagem, protesto e desabafo. Enquanto houver injustiça, internet e criatividade, haverá sempre alguém a responder com uma imagem e uma legenda.
Por vezes, esta é a forma mais próxima de um grito moderno de quem ainda acredita que rir é a fuga para não desistir.
Este artigo de opinião é da pura responsabilidade da autora, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.
Escrito por: Matilde Lima
Editado por: Rita Luís


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