Rui Taipa: O medo somos nós com a alma turva

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Rui Taipa apresenta o seu mais recente single “Quando eu me for“,  uma canção que surge do impasse de trazer ou não uma criança para um mundo tão catastrófico e em declínio como o nosso.

Este é um tema que nasceu de todas as questões que assolam os jovens, nomeadamente os jovens portugueses. Questões que são por muitos nós colocadas: “Como é que vai ser agora? Tenho uma filha? Ou não tenho? Trazer uma filha para este mundo, será que vale a pena? Sou jovem, não consigo comprar casa, se calhar tenho que migrar.” Assim, escreve um disco que reflete apenas aquilo que verdadeiramente lhe interessa dizer. Neste momento, o seu foco está em questões que considera pertinentes e com as quais se identifica.

Fonte: Bafo de Peixe

Em 2021, atuaste no The Voice Portugal com a música “Dancing in the dark“. Foi sem dúvida uma experiência marcante, o que é que ainda hoje carregas contigo desta aventura?

Fiz amizades muito boas e muito fortes. Costumo brincar e dizer que posso ir para qualquer lado do país que eu sei que tem um sofá nos pés, porque era mesmo gente de todo lado e ficámos com um contacto muito bom. Mas aconselho toda a gente que tem a curiosidade de participar. Primeiro, é um formato totalmente diferente. Ali as pessoas primeiro ouvem e depois veem-te. Eu acho sempre interessante isso da música primeiro, os ouvidos primeiro. Nunca fui muito adepto de programas de televisão. Nem fui muito iludido com a ideia de que aquilo poderia abrir portas. 

O cantor acrescenta ainda que “O single que nos traz aqui hoje prova que eu estou-me a borrifar para o que é que vende, para o que é que deixa de vender. Eu faço a música que eu acredito.

Neste momento, apresentas um estilo musical com influência tradicional portuguesa e do indie rock. O que te levou a explorar este cruzamento?

Eu ainda apresentei pouquíssimo da vertente tradicional portuguesa. Ao ouvirmos os singles que saíram, nomeadamente os dois últimos, pouco se nota. Tem mais a ver com as percussões que nós usamos, a portugalidade tem que estar inserida porque também faz parte do meu percurso. Na verdade, a bateria que nós usamos em palco é mais à base das percussões  e, se calhar, um pouco de coros que vamos fazendo. São pequenos pormenores que fazem sentido para o meu percurso. Fazem sentido porque isto é rock português e nós temos que colocar tudo o que conseguirmos que seja nosso. Portanto, foi muito fácil juntar porque são só pitadas. No fundo, isto é indie rock. Mas tem depois umas pitadas de percussão e vozes.

O foco é mais o indie rock, sem nunca perder o toque da portugalidade. 

Os singles “Gente” e “Pássaros” marcam o início de uma escrita de música sobre e para as pessoas. Consideras que as histórias humanas são a tua maior inspiração?

Há vários métodos de escrever canções. Há pessoal que se sente em frente a nada, vai para a beira do mar e tenta que as coisas surjam. Eu, sinceramente, comecei nisto há tanto tempo e já fiz bastante coisas, a força e a motivação vão-se esgotando. E por isso, é cada vez menos que te preocupas em fazer porque, na verdade, eu não preciso disto.  Não é o meu ganha pão. Tento ser o mais profissional possível mas espero nunca depender da música que faço para viver, porque aí vou fazer a pior música que já algumas vezes fiz. E é não querendo saber, com todo respeito da opinião do público, que eu acabo por fazer canções. 

“Quando eu me for”, é o single que dá voz ao dilema entre trazer ou não uma criança a este mundo tão caótico e frágil em que vivemos hoje. Como foi o processo de dares voz aos teus medos e transformá-los num canção?

É curioso porque uma coisa é falar agora como pai, mas na altura nem sequer estava a pensar no assunto. Fiz só a canção, tipo, havia uma frase que está na canção “Ainda nem te conheci e já te pedi desculpa”, essa frase  estava noutra canção muito mais cor-de-rosa. Tinha um título super estúpido: “Para a minha futura ex” e eu pensei que tinha que se tornar um pouco mais sério. Foi aí que eu comecei a escrever sobre outras coisas, mas essa frase eu gostava muito dela  então a canção surgiu ou renovou-se  a partir dela.  Então eu pus-me a pensar a quem é que eu tenho que pedir desculpa. Quem ainda não tenha conhecido? Enfim, depois comecei a desfiar o novelo  e as coisas começaram a surgir.

Fonte: Rui Taipa – Quando eu me for (lyric visualizer) – YouTube

Meses depois de teres escrito esta canção, soubeste que a tua filha vinha a caminho. Esta grande notícia deu um novo significado a esta música?

Sim, em palco foi totalmente diferente. Lembro-me perfeitamente de sentir este clique, de ser totalmente diferente de tocar a música agora que sou pai. E é engraçado porque de nós os quatro na banda, só um é que ainda não é pai então é um bocadinho geral e nota-se assim uma vibe gira.

No dia 24 de outubro, Rui Taipa esteve numa entrevista no Porto Canal onde foi convidado a tocar a canção “Quando eu me for”, porém apresentada no formato acústico. Conta-nos ainda que “Rita, a minha mulher disse assim: já imaginaste, quando ela tiver idade para perceber e ela estiver no público. Tu não vais chorar?”. Muito provavelmente vai acontecer. (risos)“. O cantor expressa que esta canção vai ser das mais faladas a nível familiar, visto que se trata de algo tão forte e de terem um filho. 

A letra “Ainda nem te conheci e já tenho de te pedir desculpa por ter tido medo de te trazer ao mundo que só pode ficar melhor”. Consideras uma letra esperançosa?

Eu acho que no fundo se eu não acreditasse que valia a pena não teria sido pai. Eu acho mesmo que temos que trazer pessoas educadas e informadas ao mundo, e darmos o nosso melhor para educarmos e informar. Se forem só os idiotas  a terem filhos, os idiotas eram a maioria. É um bocadinho por aí no sentido de as crianças serem o futuro e vale muito a pena arriscar e sacrificar muita coisa, que é preciso sacrificar.

Ainda sobre este tema, que assuntos te inquietam e que talvez venham a marcar as tuas próximas composições?

Eu não quero ser parte de uma frente de cantores de intervenção porque não é esse o meu papel, mas ao mesmo tempo acho que como dizia Nina Simone: um artista tem a obrigação de falar sobre certas coisas. E se nós temos voz  há certos assuntos que temos que falar e, assim, é inevitável que eu vá falar escrever sobre esta subida de ódio e de intolerância. Não podemos ser tolerantes com os intolerantes e a minha parte vai ser feita na música que eu vou escrever. Acho que se calhar eu tenho uma voz diferente, posso usá-la de uma forma mais útil talvez. E eu tenho a certeza que vou acabar por escrever sobre certos assuntos que cada vez são mais sensíveis e mais fraturantes.

Rui afirma que olha para os seus heróis, José Mário Branco e Sérgio Godinho, como uma certa inspiração porque também eles tocam em temas considerados mais delicados. Temas estes que muita gente não quer que se fale sobre e, por isso, cada vez mais é super rebelde ser-se pelas pessoas e pela liberdade, segundo o músico. É super punk ser-se boa pessoa e como se diz: kindness is the new punk.

Por fim, como vês o futuro da música portuguesa, especialmente neste diálogo entre tradição e modernidade?

Noto que se está a ligar muito à tradição, temos exemplos muito fixes, a Yolanda e Cláudia Pascoal, que sempre teve a cena dela de folclore. Esta ideia de juntar modernidade com tradição surgiu há uns cinco ou seis anos, mas só agora foi possível concretizá-la. E agora, com um azar do caraças, virou moda. Portanto, foi bem acontecido. É fixe. Acho que é muito bom para nós, enquanto país, porque chega a um público mais recente e dá a entender um pouco como é.

Acho que só traz coisas boas. Gostava era de ter tido esta ideia e de a ter posto em prática quando me surgiu. Agora sou só mais um. Temos de ser mais rápidos. A ideia estava certa, o timing é que talvez não. Agora temos a certeza de que a ideia era boa e que mais gente a teve.

Fonte: Instagram

O músico compartilha com o público que já tem um auditório agendado para setembro, onde irá apresentar o seu novo disco. Revela ainda a ideia para este disco é que, em fevereiro, será lançado um primeiro EP com metade do título do disco e mais tarde, sairá um segundo lançamento com a outra metade, completando assim o conceito do álbum. Sobre a temática, Rui Taipa explica que a base conceptual gira em torno do medo, da coragem e da superação dos nossos receios. Quer seja o medo de arriscar sozinho, abrir um negócio, sair do país, sair de casa, ou até de ter um filho. O disco pretende explorar estas emoções e desafios.

O título do álbum será uma frase retirada de uma das músicas do primeiro EP: O medo somos nós com a alma turva. Segundo o artista, esta frase representa o sentimento central do projeto. “Sentimos o medo nas mãos”. A frase foi dividida em dois momentos: no primeiro EP intitulado “O medo somos nós”, e mais tarde com o lançamento de mais canções que completam a ideia com “com a alma turva”.

Fonte da imagem de capa: Instagram

Escrito por: Margarida Simões

Editado por: Íngride Pais

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