Semear Resistências, Cultivar Utopias: Entrevista a Silvia di Marco

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Silvia di Marco revela o que esperar da 12.ª edição de “Olhares do Mediterrâneo- Women´s Film Festival”.

No contexto do warm-up para o “Olhares do Mediterrâneo – Women’s Film Festival”, o jornal desacordo teve a oportunidade de conversar com Silvia Di Marco, uma das diretoras deste que foi o primeiro festival em Portugal dedicado ao cinema feito por mulheres, um espaço que dá visibilidade a histórias contadas pelas mesmas. Doutorada em História e Filosofia da Ciência pela Universidade de Lisboa e em Filosofia pela Universidade de Milão, Silvia tem dedicado parte da sua carreira ao estudo das imagens e das suas dimensões sociais e culturais. Nesta entrevista, falámos sobre a edição deste ano, a importância de levar narrativas femininas às salas de cinema e sobre a sua própria experiência no festival.

O que é que a atraiu inicialmente para fazer parte do Olhares do Mediterrâneo e como é que essa experiência mudou a sua visão sobre o Cinema e sobre a representação das mulheres e das suas histórias nestes espaços?
Então, a ideia inicial foi mesmo a de ser um festival de cinema feito por mulheres. Foi o primeiro festival em Portugal dedicado exclusivamente ao cinema de mulheres. Agora já existe também o Porto Femme. Foi o que mais me atraiu. Sempre fui muito feminista [risos]. Para mim, sempre foi importante existir um festival que desse espaço aos olhares das mulheres. Os filmes feitos por mulheres nas salas têm vindo a aumentar, hoje são mais do que eram. O festival tem também um foco nas migrações e nos refugiados, temas que sempre considerei fundamentais. É um festival de cinema com um cariz muito engajado, e isso mexe muito comigo. Cresci muito com esta experiência. Aprendi imenso e tive a oportunidade incrível de conhecer diferentes e variadas mulheres, conhecê-las pessoalmente ajudou-me a desconstruir uma série de preconceitos que eu tinha. Uma coisa extraordinária que aconteceu no último ano foi que nós, as quatro diretoras do festival, fomos convidadas a ir à Síria por um grupo de mulheres curdas que organizaram o primeiro festival de cinema feminino no Curdistão. Nesse território está a acontecer uma verdadeira revolução democrática, um movimento que dá grande ênfase à libertação das mulheres. Foi uma experiência única. Para mim, o festival mudou realmente a minha vida.

Este ano o festival expande-se para novos espaços, como o Museu do Aljube e o ISCTE, que já estava familiarizado com o evento. De que forma esta expansão ajuda a criar uma ligação mais próxima com o público e com a comunidade local?
É essa a ideia, ocupar mais espaços, chegar a mais público. No ISCTE já fazemos sessões ao longo do ano, mas achamos importante levar também os filmes do festival a outros lugares. Com o Museu do Aljube partilhamos uma herança cultural comum, e o mesmo acontece com a Casa do Comum. São espaços diferentes, com pessoas diferentes, e isso é uma oportunidade muito valiosa. É uma oportunidade de atingir públicos diversos, que se interessam pelos temas que o festival toca.

Há algum filme ou convidada desta edição que a tenha chamado particularmente à atenção e que gostaria de destacar?
Sem dúvida nenhuma. No sábado (1 de novembro), às 9h da manhã, no Cinema São Jorge, vamos receber duas convidadas que queremos muito destacar. A primeira é a realizadora do documentário This Home Is Ours, Shayma’ Awawdeh, que vive na Cisjordânia e à qual lhe foi possível conseguir um visto para vir para Lisboa. É uma oportunidade importante para ouvir alguém que sente, na pele, o que está a acontecer na realidade atual. Na mesma sessão, teremos também a realizadora curdo-canadiana Halime Akturk, autora do documentário Ezda, que aborda a história de um sobrevivente do ISIS que se refugia no Canadá. Ter estas duas realizadoras connosco é extremamente importante para o festival.
Outra convidada que gostaria de destacar é a realizadora dos Balcãs, Marjiana Kaganović, conhecida sobretudo como atriz, considerada uma das melhores atrizes de todos os tempos na Sérvia. Começou muito nova a realizar filmes, e será muito interessante conversar com ela sobre o seu percurso.

Evento no Cinema São Jorge

Na sua visão, de que forma o cinema e festivais como este podem ser ferramentas para transformar a consciência social e política do público?
Falamos muito sobre o cinema estar em crise, mas os festivais continuam a ser momentos de encontro. As pessoas não vão ao cinema sozinhas, os festivais são espaços de partilha, de conversas, de encontros. Estamos convencidas de que organizar um festival que não seja apenas de cinema, mas também cultural, com masterclasses, apresentações e debates, é uma forma de criar conversas e diálogos que, de outra forma, não aconteceriam.

Se pudesse deixar uma mensagem aos espectadores que vão assistir os filmes deste ano, qual seria a principal reflexão ou sentimento que gostaria que levassem consigo?
É difícil, porque temos muitos filmes e muito diversos. Temos os mote “Semear Resistências, Cultivar Utopias”, e isto traduz claramente o que o festival quer fazer. No fundo, o que queremos transmitir é que, numa altura em que vemos os fascismos a ganhar força e os retrocessos na liberdade de expressão tornarem-se cada vez mais evidentes, inclusive em Portugal, com a aprovação recente da nova lei sobre imigração, é fundamental resistir ao fechamento da sociedade. Queremos afirmar a importância de continuarmos a viver numa sociedade aberta, inclusiva, baseada no respeito e na justiça social. E é isso que o festival procura fazer, através das suas atividades e dos filmes que apresenta: convidar o público a refletir e a resistir, de forma ampla e comprometida.

Fonte da Imagem de Capa: Assessoria de Imprensa do Festival

Escrito por: Carolina Dinis

Editado por: Leonor Oliveira

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