Há uma nova forma de identidade coletiva e chama-se exaustão. Não dormimos, não paramos e, se paramos, sentimos culpa. Crescemos a ouvir que o futuro é de quem trabalha mais e acreditámos. Tornámo-nos atletas de maratonas invisíveis, com cronómetros mentais a medir produtividade e sucesso.
A verdade é que estamos sempre cansados. Não de carregar sacos de cimento, mas de carregar expectativas. Vivemos entre prazos, notificações e a ansiedade de parecer que estamos a fazer o suficiente. Trabalhar, estudar, estagiar, fazer voluntariado, manter uma rotina saudável, socializar e ainda ter tempo para “cuidar da saúde mental”. Um paradoxo que só nós conseguiríamos transformar em mais uma tarefa da lista.
O cansaço tornou-se uma linguagem comum. Quando alguém diz “estou de rastos”, não é um pedido de ajuda, mas uma saudação. Quase um “bom dia” pós-moderno. Dormir oito horas é luxo, ter tempo livre é suspeito. A ideia de descansar provoca estranheza: “Não tens nada para fazer?”, como se o ócio fosse pecado e o burnout uma medalha de mérito.
No fundo, confundimos estar ocupados com ter propósito. Alimentamos o mito da produtividade contínua, embalados por gurus do LinkedIn e vídeos motivacionais de quem acorda às 5 da manhã para “vencer o dia”. Vencer o quê, exatamente? O sono? O corpo? A sanidade?
A verdade desconfortável é que nos ensinámos a sentir culpa por descansar. Um dia sem fazer nada é um dia perdido, mesmo que seja o único dia em que nos sentimos humanos. Quando o corpo finalmente pede pausa (na forma de ansiedade, dores ou vazio) dizemos “é só uma má fase” e prometemos voltar mais fortes. Como se o colapso fosse apenas uma falha técnica.
O cansaço deixou de ser sinal de esforço e passou a ser símbolo de rotina. Dizemos “não paro um segundo” com o mesmo orgulho com que, noutra era, se dizia “tenho casa própria”.
Talvez o verdadeiro ato de rebeldia da nossa geração não seja criar start-ups ou mudar o mundo, seja dormir uma sesta sem culpa. Fechar o computador às seis. Não responder a e-mails ao sábado. Escolher o silêncio em vez do scroll infinito.
Sim, estamos cansados. Contudo, talvez este cansaço seja também um convite a parar, pensar e a perguntar: se a exaustão é o preço da produtividade, será que o sucesso ainda vale tanto assim?
Este artigo de opinião é da pura responsabilidade da autora, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.
Fonte da imagem de capa: ABC News
Escrito por: Matilde Lima
Editado por: Margarida Simões


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