Guerras santas de opinião: likes, certezas e armas

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Já não sei quando foi a última vez que discordei de alguém sem sentir que estava a declarar guerra. No espaço digital, uma opinião diferente é quase um ato hostil. Escreves “acho que não é bem assim” e, de repente, há uma multidão de perfis pronta para te corrigir, cancelar ou converter. Não se debate, combate-se.

As redes sociais deram-nos uma voz, mas esqueceram-se de incluir o botão “ouvir”. Cada um fala da sua montanha, apontando o dedo às outras. Já não procuramos compreender, procuramos comprovar.

Seguimos quem pensa igual, bloqueamos quem pensa diferente e chamamos a isso “comunidade”. É confortável, é reconfortante, e é exatamente assim que o tribalismo digital se instala.

O algoritmo adora emoção forte: indignação, raiva, sarcasmo, tudo o que nos faz reagir rápido. A moderação, a dúvida e o “depende” não rendem cliques e, como bons filhos do feed, aprendemos que pensar devagar é perder relevância. Publicamos primeiro, refletimos depois… mas só se sobrar tempo.

Dentro da nossa bolha, sentimos uma estranha sensação de paz. É o sossego de quem não precisa de pensar muito. Estamos do lado certo da história, cercados de gente que confirma as nossas certezas. Do outro lado, estão os “ignorantes” e os “radicais”. A verdade já não é procura, é pertença.

O curioso é que todos achamos que somos os racionais. No entanto, basta um comentário fora de tom para percebermos o quanto o nosso ego se confunde com as nossas ideias.

Quando alguém discorda de mim, não sinto que esteja a criticar o meu argumento. Sinto que me está a criticar a mim. Nesse instante, deixo de querer compreender e começo a querer vencer.

Talvez, por isso, o diálogo esteja a desaparecer. Falta-nos o espaço do “talvez”, o silêncio que precede a escuta e a humildade de reconhecer que podemos estar errados. A internet ensinou-nos a falar alto, mas desensinou-nos a conversar.

Por vezes, desligo o ecrã e penso “Será que ainda sabemos discordar com ternura?”. Talvez a coragem, hoje, não esteja em ter uma opinião, mas em admitir dúvida. No meio do ruído das certezas, é o “não sei” que soa mais honesto.

Este artigo de opinião é da pura responsabilidade da autora, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.

Fonte da imagem de capa: Pinterest

Escrito por: Matilde Lima

Editado por: Cristina Barradas

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