Portugal, S.A.S.: Sociedade Anónima e Sentada

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Há um traço genético que une o português de Norte a Sul: a capacidade quase artística de se acomodar. Observa o caos, dá um suspiro filosófico e conclui: “Isto há de se resolver”. De facto, resolve-se quase sempre, por milagre ou por alguém que teve menos paciência para esperar.

O português não é preguiçoso, é estratega. É o mestre do “amanhã vejo isso”, do “logo se faz” e do “não vale a pena stressar”. Se a ponte cai, a culpa é da chuva. Se o autocarro se atrasa, é do trânsito. Se o país não anda, é dos políticos. O “eu” raramente entra na equação. O “eles” é que mandam, decidem e, de preferência, trabalham por nós.

Somos um povo de comentadores de bancada. Opinamos com paixão, indignamo-nos no café, mas o sofá continua a ser a nossa trincheira favorita.

Na faculdade, este talento floresce em todo o esplendor. Trabalhos de grupo onde um faz tudo e três “supervisionam”. Emails que começam com “Desculpe o atraso” e acabam com “Obrigado pela compreensão”. E aquela fé inabalável no poder do prazo final, porque nada inspira tanto como o pânico da véspera.

O português não procrastina, amadurece ideias. O problema é que, muitas vezes, a ideia amadurece tanto que apodrece.

No entanto, vamos ter atenção… este comodismo tem o seu encanto. Há algo de poético na forma como conseguimos encontrar descanso em qualquer adversidade.

Enquanto outros povos marcham, planeiam e exigem, nós tomamos um café, respiramos fundo e dizemos “deixa andar”. E, de alguma forma, andamos. Devagar, mas andamos. É o nosso Fado.

O perigo é quando o “deixa andar” vira “já nem vale a pena”. Quando a calma se transforma em conformismo e a ironia em desistência. Claro que o conforto é bom, mas o excesso de conforto é uma anestesia. O país, às vezes, parece viver eternamente sob um leve efeito sedativo.

Ainda assim, continuamos a rir, a criticar e a viver “como Deus quiser”. Talvez um dia o português acorde e perceba que também pode ser agente e não apenas paciente. Até lá, continuamos sentados, à sombra do improviso, a ver o mundo correr (devagarinho, como nós gostamos).

Este artigo de opinião é da pura responsabilidade da autora, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.

Fonte da imagem de capa: Rare Gallery

Escrito por: Matilde Lima

Editado por: Íngride Pais

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