Catarina chega e senta-se devagar. Disseram-lhe que não voltaria a andar. No entanto, há vinte e dois anos que monta a cavalo. Em Portugal, centenas de pessoas encontram nestes amigos de crina uma forma de comunicar e coordenar o corpo. Entre o som dos cascos e o cheiro da terra, há algo que muda.
“Conta lá as novidades”, diz Paula Caniça, terapeuta no Centro de Terapias Assistidas com Equinos da APCL. Dirige-se ao primeiro paciente com um sorriso no rosto. É assim que a manhã começa. Dentro de uma tenda branca o espaço é simples: cadeiras de plástico, uma arena pequena delimitada por cercas castanhas e uma luz suave.
Santiago tem três anos e um diagnóstico de Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção. No mundo lá fora, tudo é ruído e pressa. Aqui dentro, é diferente. O seu cavalo chama-se Benny. É grande, calmo e atento. As terapeutas — Paula e Sara — organizam a sessão. Um jogo de números, depois outro de cores. Santiago responde, hesita, volta a tentar… Ouve-se “Anda, Benny“, “Para, Benny” e o cavalo obedece sempre. No final da sessão, Santiago desmonta sozinho. Guarda o material, bate palmas e sai com um sorriso. O cavalo fica quieto, como quem sabe que cumpriu a tarefa.
Pouco depois chega Matilde. Tem dezoito anos e é diagnosticada com síndrome de Pitt Hopkins, uma doença rara. Não fala, mas comunica. Do outro lado, a égua Fisga com um pelo castanho-claro, crina escura e um olhar paciente.
Quando a Fisga se move, o rosto de Matilde abre-se e o corpo acompanha. A mãe, Cláudia, observa. Diz que foi “amor à primeira vista” e que nada resulta como o cavalo. A sessão dura meia hora. No fim, Matilde encosta-se à égua, como quem se despede de um amigo. Durante alguns segundos, o silêncio é mais eloquente do que qualquer palavra.
Catarina chega amparada. Tem 27 anos e síndrome de Rett, que a faz andar em bicos de pés. Contudo, não se recusa ao movimento. Fisga, a mesma égua, espera por ela. Catarina sobe com ajuda. É a primeira vez que faz equitação terapêutica com esta associação, mas não é a primeira vez que monta. A mãe chama-se Cristina e está aqui. Recorda: “Ela começou aos cinco. Faz isto há 22 anos“. Continua a falar enquanto observa: “Diziam que ela ia acabar numa cadeira de rodas. Não anda perfeita, mas anda”.
A sessão avança em silêncio. A égua move-se devagar e Catarina solta uma gargalhada breve. “Com este tipo de terapia, sinto que a diferença é que não regrediu no desenvolvimento. E isso já é muito”, partilha a mãe. “Ela não tem escoliose, não tem nada do que os médicos diziam que ela teria. Nem uma constipação apanha. Eu digo sempre: nós lá em casa adoecemos mais do que ela”. Durante a sessão, Paula ajuda a ajustar o tronco, a distribuir o peso. Catarina segura-se com as pernas, as expressões vão mudando. Ri e solta-se. No final da sessão, o corpo quer ficar. Encosta a cabeça ao pescoço do animal.
Por de trás das cenas há método, há ciência. “A grande diferença da nossa abordagem”, explica Paula, “é que não fazemos apenas atividades com cavalos. Fazemos terapia. Com metas definidas. Com rigor. E com o cavalo como verdadeiro co-terapeuta”.
Criado em 2001 numa parceria com a Sociedade Hípica Portuguesa, o Centro recebe crianças, jovens e adultos com diagnósticos diversos. Cada entrada é preparada ao detalhe: há relatórios médicos, perfis escolares, entrevistas e planos individuais.
Tudo começa com o movimento. O passo do cavalo é simétrico, tridimensional, ritmado. A cada minuto, o praticante recebe entre 60 a 75 impulsos motores, semelhantes ao andar humano. É isto que se chama hipoterapia — uma vertente focada na reabilitação neuromotora, aplicada por fisioterapeutas, psicomoticistas e terapeutas ocupacionais com formação específica.
Ainda há outra dimensão que não se mede apenas com marcadores clínicos: a Terapia Assistida por Equinos propriamente dita, que atua nos domínios emocional, educacional e relacional. “O cavalo, neste contexto, deixa de ser apenas instrumento físico: torna-se elo afetivo, motivador de respostas que muitas vezes não emergem em contexto clínico tradicional”, conta Paula.
Antes de se montar qualquer cavalo, há um processo minucioso: “é escolhido o animal certo. Tudo é calculado para aquela sessão”, reforça a terapeuta.
E isto tudo não se rege apenas a terapias ou a tratamentos. Falam de algo muito maior: de amor, de coragem e de força. Para Santiago, para Matilde, para Catarina, e para tantos outros jovens, os cavalos não são apenas terapeutas. São uma fonte de apoio.
E ajudar não custa (mesmo). Pode, ao fazer o seu IRS, escrever o NIF 505 945 401 da APCL. Assim, 0,5% do seu imposto vai direto para a Associação de Paralisia Cerebral de Lisboa.
Fonte da imagem de capa: Associação de Paralisia Cerebral de Lisboa
Escrito por: Matilde Lima
Editado por: Margarida Simões


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