Marcelo Paganini está pela primeira vez em Portugal. O guitarrista franco-brasileiro deveria ter-se apresentado ao vivo em Portugal no Sala 6, no Barreiro, no dia 16 de maio de 2025, contudo, o espetáculo acabou por ser cancelado.
O artista de rock progressivo está a trabalhar com músicos portugueses no sentido de poder tocar ao vivo o seu mais recente álbum “Identity Crisis” em terras lusitanas. Contudo, os detalhes do seu próximo concerto ainda estão por ser definidos. Daniel Constantino e Francisco Nogueira ensaiam com o músico franco-brasileiro nos teclados e baixo, respetivamente, para uma eventual atuação.
O novo projeto de Marcelo Paganini foi aclamado pela crítica internacional e amplamente difundido em rádios e programas especializados nos Estados Unidos e na Europa Central, como se lê em comunicado de imprensa enviado pela assessoria do músico. O guitarrista e compositor movimenta-se entre o rock progressivo e o Jazz-Fusão.
Entrevistámos o músico franco-brasileiro para entender como chega às sonoridades arrojadas que se pode ouvir no seu repertório e o percurso de vida de alguém que já chamou casa a cidades como Paris, Nova Iorque, Miami e Budapeste, para mencionar algumas em que esteve bem longe do seu berço em Belo Horizonte, no Brasil.

O que é que o inspira musicalmente?
Eu tenho uma insatisfação com a música que já existe. Porque tem muita música boa no mundo, mas quando eu escuto as músicas que já estão feitas, está faltando alguma coisa para mim. Eu tento colocar na música o que não tem na música que está chegando em mim. [Falta] o meu ponto de vista, a minha sensibilidade.
A música vem, passa por cima de mim, feito um camião. Depois eu estou lá todo esburacado, todo ensanguentado, todo quebrado e tudo. Aí depois, quando a música nasce, você tem o baby blues, que eles falam. Aquele tristeza de pós-parto. “O que é que eu fiz? Eu fiz o Frankenstein, agora o Frankenstein está vivo, o Frankenstein está andando por aí.”
Como é que chegou ao nome do seu disco mais recente “Identity Crisis”?
É justamente a história da minha vida, né? Do fato que eu sou brasileiro, que eu nasci durante a ditadura, que fui educado durante a ditadura. Então eu não tinha a mínima ideia, por exemplo, que três quartos da população brasileira era formada de afrodescendentes. O Brasil visto de fora é visto como um país em que a maioria da população é afrodescendente. Então já aconteceu de eu ir tocar em algum lugar, a pessoa não queria me contratar, porque eu não correspondia à imagem dos brasileiros que eles faziam.

Eu sou brasileiro, fui morar na França, depois eu me tornei cidadão francês, depois eu fui morar nos Estados Unidos, e depois eu me sinto nova-iorquino, e depois eu fui morar na Catalunha – me sinto um pouco catalão. Quando eu cheguei aqui em Lisboa, eu descobri a minha alma lusitana. Justamente que Portugal é essa potência que colocou semente no mundo inteiro, e que hoje o português é a quinta língua mais falada no mundo. Esse é um universo cultural que eu quero conhecer melhor.
Portugal é uma parte importante da minha identidade, justamente. Eu precisei de fazer esse percurso todo, de morar em todos esses lugares. Eu ainda estou procurando a minha identidade.
Que mensagem quer passar com a sua música?
Esse disco, Identity Crisis, tem seis músicas. Eu lancei só um single que chama “Circus is Empty”. “O circo está vazio”. Eu estava fazendo uma paródia de uma citação de Shakespeare, que tem numa peça de teatro, ele fala, “o inferno está vazio, todos os diabos estão aqui”. Então eu fiz a minha música, “o circo está vazio, todos os palhaços estão no poder”.
O Marcelo viveu e tocou em várias cidades europeias e norte-americanas ao longo do seu percurso de carreira. O que é que o motivou a tomar essas opções para mudar de ares?
Eu estou tentando ir na fonte das músicas para chegar o mais perto de onde essas músicas foram criadas. E justamente eu tenho essa alma cosmopolita, esse espírito universal, mas sem ser um negócio dominador, porque todos os países que se pretendem universais – Estados Unidos, a França, o Império Romano, ou o que seja – tem essa pretensão de transformar tudo à sua imagem e semelhança. E eu não. Ao contrário, eu sou uma espécie de esponja. Vou nos lugares e vou captando.

Como é o seu processo de composição e como é que avalia que uma obra sua está terminada?
Na verdade, as músicas a gente não termina nunca. A gente abandona. O artista, ele precisa de ter um prazo, porque senão fica todo mundo lá na praia tocando violão, paquerando as músicas para fazer a música bonita e ninguém faz nada.
Eu tinha o prazo dia 11 de dezembro de 2020, que é o meu aniversário, para entregar o disco. O disco tinha que ficar pronto. Fui embora para a Catalunha [e depois] foi o confinamento, não podia sair. Foi um processo muito louco, porque eu já tinha gastado a metade do dinheiro e depois começou a fechar tudo. Se eu tivesse parado o disco, eu já tinha perdido a metade do dinheiro, não tinha disco nenhum. Terminei o disco. Não pude fazer show. Só vou lançar o disco agora, cinco anos depois.
Tem várias participações no disco de nomes sonantes do rock e do rock progressivo. Pode falar-nos sobre como foi o processo de gravação com esses artistas?
O primeiro disco oficial que eu fiz, eu fui gravar em Londres e cheguei lá, gravei num estúdio que custava uma fortuna. Por exemplo, o Chad Wackerman gravou na Califórnia, no estúdio dele, o Adam Holzman gravou em Nova Iorque, o Lenny White gravou em Nova Iorque, o Rachel Flowers gravou na Califórnia, eu gravei uma parte na França, outra parte na Catalunha, o disco foi mixado na Islândia, teve uma música masterizada em Los Angeles, enfim. Atualmente, cada um grava no seu próprio estúdio.
Perante o contexto de rápidas transformações tecnológicas, especialmente impulsionadas pela Inteligência Artificial, como observa o papel da humanidade e da criatividade?
Com essa idade digital, a música está morrendo, como atividade. Estou desconfiado que a internet foi inventada só para a gente colocar as músicas lá, para a inteligência artificial chupar tudo.
Quando você chega em uma rede social e você deixa a inteligência artificial escrever no seu lugar, você está renunciando a existir. Então, o que eles [os “poderosos”] estão querendo criar é uma geração de humanos completamente apáticos e que não tem reação nenhuma e que estão apenas obedecendo às marcas.
A gente vive, a gente sente. A experiência humana é única para cada indivíduo. Cada pessoa, mesmo dois irmãos gêmeos, não são idênticos. Essa vivência humana é o que a máquina nunca vai ter. A empatia, a capacidade que a gente tem de se colocar no lugar de uma outra pessoa.
O que é que as pessoas podem esperar de um concerto seu?
Entusiasmo. Coragem.
Podem encontrar os caminhos menos percorridos, soluções harmônicas e melódicas. Se você gosta de tudo que tá aí, não vem, não. Se você faz parte das pessoas que tá procurando diferente, algo que não tá no mainstream, venha. Se você gosta do Yes, do Frank Zappa, do Kim Crimson, do Genesis, entende? Venha.
Por fim, já encontrou a sua identidade?
Eu não encontrei todas as respostas, mas já encontrei algumas. Eu sou latino. Eu sou cosmopolita. Eu não pertenço a um lugar.

O álbum Identity Crisis conta com 6 canções. Desde Bacteria até Captain’s Face, podes esperar encontrar uma identidade única e arrojada que o compositor vem desenvolvendo ao longo da sua longa carreira musical com mais de 50 anos. Em exatamente 38 minutos e 12 segundos vais propor-te a uma viagem por estilos e até géneros musicais que transpõem anos de influências e estilo próprio para um único álbum.
Marcelo Paganini traz-nos esta catarse de identidade sem pudor para com as formas estabelecidas respeitantes à criação artística e, concretamente, musical. As respostas para essa crise, existindo, não serão, com certeza, únicas. Serão, isso sim, um corpo de influências que conflui num artista que não pertence a apenas um lugar.
Este artigo de opinião é da pura responsabilidade do autor, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.
Fonte da imagem da capa: Bandcamp
Escrito por: José Pereira
Editado por: Íngride Pais


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