Worten Mock Fest 2025: As confissões de um animador

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No passado dia 30 de agosto ocorreu o último dia do Worten Mock Fest e, como tal, o Jornal desacordo não poderia faltar à sessão de Ciclo de Cinema com o Guilherme Geirinhas e o convidado João Gonzalez. Uma conversa carismática entre o vencedor dos Globos de Ouro 2025 e o nomeado aos Óscares de 2023.

A sessão teve início com a visualização das duas obras do ilustrador João Gonzalez: “Nestor”, que estreou em 2019 e “Ice Merchants”, inaugurada em 2022. A primeira curta-metragem aborda a vida de Nestor, um homem que é controlado pelos seus diversos comportamentos obsessivo-compulsivos, e que tem a peculiaridade de viver num barco em alto mar, fazendo assim com que a sua casa seja bastante instável e nunca pare de oscilar. Como podem imaginar, Nestor vive um verdadeiro pesadelo entre tentar manter tudo sob o seu controle e travar uma batalha sem fim contra as ondas do mar.

Fonte: Programa – Luas Novas: João Gonzalez

Tanto Nestor como o seu realizador, e ainda Geirinhas, compartilham este transtorno obsessivo-compulsivo, tal que também foi retratado e explorado na série realizada por Guilherme “Vai correr tudo bem”, lançada em 2023. Ao longo dos episódios, é possível perceber como estes comportamentos impactam as tarefas diárias das pessoas que são afetadas por este tipo de transtorno. No passado, o comediante mencionou que já chegou a demorar uma hora de carro a fazer uma viagem que apenas deveria ser feita em 20 minutos, devido ao seu receio de ter perdido o controlo e ter feito algo de “errado”. Gonzalez afirma que o final deste filme (spoiler) aborda uma certa terapia de exposição para Nestor, e para nos fazer perceber que é impossível existir num mundo em que se pode estar constantemente a controlar todos os aspectos ao nosso redor.

A segunda obra visualizada, Ice Merchants, retrata a vida de um homem e o seu filho que vivem numa casa presa no topo de um precipício. Desta forma, para se deslocarem até à aldeia mais próxima, são forçados a saltar de paraquedas todos os dias para a alcançar. Durante as noites geladas produzem gelo, a sua forma de sustento. Este filme foi um sucesso a nível nacional e internacional, foi premiado no Festival de Cannes e tornou-se no primeiro filme português a ser nomeado a um Óscar. Citando Guilherme Geirinhas, “Fomos roubados”, e se ele o diz, está dito.

Fonte:Ice Merchants by João Gonzalez // Oscar Animation // Directors Notes

A criação desta obra desvendou características bastante interessantes sobre João Gonzalez: o ilustrador afirma ter uma grande dificuldade ao nível da escrita de diálogos entre personagens, não saber desenhar certas expressões e emoções nos rostos dos seus protagonistas, e ainda o facto de detestar desenhar cabelos. Confessa que foi assim que nasceu a ideia de ambos usarem chapéus, mal sabia o ilustrador que os chapéus se iriam tornar num símbolo tão importante ao longo do filme. No entanto, com certeza não foram estes os detalhes que impediram com que este filme fosse um grande sucesso, e as nomeações conquistadas falam por si. Esta obra é acompanhada por uma grande trilha musical e a mesma traz um grande orgulho ao animador que esteve por detrás dela, provando que não é necessário a escolha de diálogos para que a mensagem do filme fosse transmitida.

E por falar em mensagem do filme, Gonzalez assume que enquanto criava esta curta-metragem, não tinha o processo totalmente delineado. João sabia que eventualmente a casa em que morava esta dupla de pai e filho se iria desmoronar, mas ainda assim não sabia exatamente como. Acabou por usufruir de um aumento brusco de temperatura que fez a neve derreter e, por fim, a casa desabar. Deste modo, a obra Ice Merchants passou a ser muitas vezes caracterizada como uma obra que fala sobre alterações climáticas. O animador não associa plenamente o seu filme a tal, mas diverte-se a perceber como as pessoas tendem a ter visões tão diferentes acerca dos seus filmes.

Fonte: Imagem própria

Posto isto, Guilherme Geirinhas colocou a questão que causa curiosidade a todos aqueles que não estão ligados ao mundo extraordinário da animação: “Quanto tempo é que demoraste, mais ou menos, a desenhar estes filmes?”. O animador explicou-nos que passou cerca de um ano e meio a trabalhar na obra nomeada aos Óscares, sendo que este filme conta com uma duração de cerca de 15 minutos. “Por segundo, são entre 12 a 24 desenhos. Ou seja, faço cerca de 12 a 24 ilustrações para um segundo de filme”, conta-nos João. Assim, numa conta rápida, e provavelmente nada certeira, o público chegou à conclusão que para uma curta-metragem com duração de 15 minutos seriam necessários cerca de 10 mil desenhos.

O assunto que mais fascinou o comediante foi a descoberta de que Gonzalez se tornou membro da Academia dos Óscares após da sua nomeação em 2023. Não é uma novidade que todos os candidatos nomeados recebem automaticamente um convite para se tornarem membros nos anos posteriores. No entanto, é sempre relevante contar com mais uma opinião portuguesa neste ramo. Gonzalez afirma ainda que para se manter associado como um membro, é necessário pagar um valor anual para tal. “Um bom valor”, acrescenta o jovem, e assim, possui acesso a diversas obras cinematográficas antes que elas venham para o público.

E para os amantes de cinema que mal podem esperar pela próxima obra do realizador, João aproveitou para falar sobre o filme em que está de momento a trabalhar e que sairá para o público no próximo ano de 2026. Sem muitos detalhes desvendados, mas sabemos que podemos contar com mais um filme de animação fantástico por parte do ilustrador em breve.

Este artigo de opinião é da pura responsabilidade da autora, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.

Escrito por: Margarida Simões

Editado por: Maria Francisca Salgueiro

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