Na tarde de 3 de setembro, Lisboa anoiteceu em choque com o trágico acidente no Elevador da Glória, um ascensor centenário e cartão-postal incontornável da capital portuguesa. Segundo as autoridades, a composição que descia a Calçada da Glória descarrilou subitamente, ganhou velocidade descontrolada e acabou por tombar numa curva e embater com violência contra um edifício, resultando num balanço devastador de 16 mortos confirmados, dezenas de feridos e uma cidade em luto.
Para responder às principais dúvidas, reuni aqui um conjunto de perguntas e respostas que condensam os factos conhecidos até agora.
1. O que aconteceu no dia do acidente?
Pelas 18h04 do dia 3 de setembro de 2025, uma das composições do histórico Elevador da Glória descarrilou dos carris e deslizou descontroladamente pela íngreme Calçada da Glória até tombar e, posteriormente, colidir com um edifício, resultando em várias vítimas mortais e feridos.
2. Qual foi o número de vítimas?
Segundo as autoridades, as informações mais recentes apontam para 16 mortos e cerca de 21 feridos, incluindo um menino de 3 anos que foi encontrado ensanguentado e a chorar no meio de ferro amarfanhado.
3. Quem eram as vítimas mortais?
Entre as vítimas mortais estão portugueses e turistas estrangeiros, totalizando 16 nacionalidades. Destacam-se quatro funcionários da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e André Marques, de 40 anos, guarda-freios com 15 anos de experiência e condutor da composição da Carris destruída no acidente.
4. Como estão os feridos?
Há informações de feridos em estado grave, designadamente o pai do menino de 3 anos, resgatado com vida, que está hospitalizado no Hospital de São José, em estado crítico. Dos restantes 21 feridos, vários continuam hospitalizados em diferentes unidades da capital, com fontes hospitalares a sublinhar que alguns apresentam traumatismos graves e fraturas múltiplas, enquanto outros sofreram lesões menos severas, estando fora de perigo. Entre os sobreviventes contam-se ainda turistas estrangeiros, cujas identidades não foram totalmente reveladas pelas autoridades.
5. O que poderá ter causado o acidente?
Há várias hipóteses em cima da mesa a ser investigadas pelas autoridades competentes. A principal suspeita recai sobre a rotura de um cabo de segurança que faz a ligação entre as duas composições e assegura o contrapeso entre ambas, ainda que o ascensor tivesse sido submetido a uma inspeção técnica poucas horas antes, sem que fossem detetadas anomalias. Contudo, pairam dúvidas, com denúncias anteriores a apontar para falhas recorrentes nos travões, relacionadas com a tensão dos cabos. Acresce ainda o registo de um descarrilamento em 2018, que não provocou vítimas, mas que já então levantava alertas sobre a segurança do Elevador da Glória.

6. Que declarações foram dadas pelas autoridades políticas e pelo Presidente da Carris?
O Primeiro-Ministro e o Presidente da República garantiram uma investigação “rápida, rigorosa e transparente”, sublinhando que a prioridade é apoiar as famílias das vítimas e apurar responsabilidades “o mais breve possível”. O Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, que tutela a Carris, decretou luto municipal e suspendeu preventivamente todos os elevadores e ascensores da cidade. Já o Presidente da Carris assegurou que a manutenção do Elevador da Glória estava “em dia” e que a revisão técnica tinha sido concluída poucas horas antes do acidente, durante a manhã. Reconheceu, no entanto, que a empresa enfrenta “uma pressão constante” devido ao elevado número de turistas que utilizam diariamente os ascensores históricos. A promessa é de total colaboração com as autoridades judiciais e de uma auditoria independente às práticas de manutenção, realçando-se ainda a abertura de um inquérito ao descarrilamento por parte do Ministério Público.
7. Há testemunhos sobre o sucedido?
Várias testemunhas descreveram aos meios de comunicação social e às autoridades judiciais que a composição descendente circulava “completamente desgovernada” pela ladeira abaixo e tombou “como uma caixa de papelão”, espedaçando-se, em seguida, após o embate na calçada e no edifício lateral da Calçada da Glória. O ambiente no local foi de horror, com o surgimento de uma nuvem de fumo e uma multidão de transeuntes em choque que tentou socorrer as vítimas logo após o acidente.
8. O que nos dizem os vários registos de manutenção do Elevador da Glória?
Os registos disponíveis indicam que o Elevador da Glória cumpria revisões periódicas e que a última inspeção técnica ocorreu poucas horas antes da tragédia, sem deteção de falhas. Ainda assim, documentos e denúncias anteriores revelam uma realidade mais complexa, com técnicos e sindicatos a alertarem para anomalias recorrentes nos travões e desgaste nos cabos, muitas vezes resolvidas com intervenções de caráter paliativo em vez de substituições estruturais. O descarrilamento de 2018, sem vítimas, já tinha exposto vulnerabilidades no sistema, existindo também registo de interrupções ocasionais do serviço nos últimos anos, oficialmente atribuídas a “ajustes técnicos”, como a que ocorreu em 2024. Esta discrepância entre registos formais e alertas técnicos levanta agora a suspeita de que a manutenção, embora regular no papel, possa ter sido insuficiente face à idade e ao desgaste diário deste equipamento com mais de 140 anos.
9. Existe responsabilidade política por falta de investimento no Elevador da Glória?
Esta tragédia trouxe à tona um debate antigo: o subfinanciamento crónico dos transportes em Lisboa (e em Portugal). Embora a Carris afirme que a manutenção estava em dia, técnicos e sindicatos têm vindo a alertar para a falta de investimento estrutural, substituído por reparações paliativas e externalizado para a competência de empresas privadas, que passaram a realizar vistorias diárias com duração de 30 minutos em detrimento dos dois operários permanentes. A Câmara Municipal de Lisboa, enquanto detentora da Carris, enfrenta agora pressão para explicar se privilegiou a exploração turística do ascensor em detrimento de uma manutenção mais permanente ou de uma redução do seu desgaste diário que pudessem garantir a segurança do equipamento. O próprio governo central, responsável por supervisionar a fiscalização da segurança ferroviária realizada por organismos independentes, não escapa às críticas, colocando-se a pergunta se houve ou não negligência institucional prolongada que terá permitido que falhas conhecidas na manutenção do Elevador da Glória persistissem, contribuindo para esta tragédia. O que está em causa pode não ser apenas um acidente trágico, mas também uma gestão política que pode ter colocado em risco um ícone centenário, explorado intensivamente para fins turísticos, mas sem o investimento correspondente para acompanhar essa pressão exponencial ao longo dos anos.
10. Desde quando a manutenção do equipamento se encontrava externalizada a uma empresa privada?
A manutenção do Elevador da Glória encontra-se externalizada desde 2011, ano em que a Carris transferiu essa responsabilidade para empresas privadas. A mais recente adjudicação ocorreu em 2022, através de concurso público, sendo a empresa MAIN – Serviços Técnicos de Engenharia, Lda. a atual responsável pelo serviço num concurso que teve como único critério o preço mais baixo. Recentemente, a Carris renovou o contrato com esta empresa através de um ajuste direto, realizado dias antes do acidente, depois de não ter aceitado várias propostas submetidas em abril, todas elas superiores ao orçamento proposto pela empresa. O ressurgimento dos vários alertas de técnicos e sindicatos voltam agora ao centro do debate, sugerindo suspeitas de que a externalização poderá ter fragilizado o controlo público sobre a segurança do equipamento, com o jornal Público desta sexta-feira a recordar que, até 2007, a Carris dispunha de uma equipa de 24 trabalhadores dedicados à manutenção dos ascensores. Na época, essa atividade durava 24 horas por dia, com dois técnicos em turnos de 8 horas em cada um dos ascensores, permitindo que até então existia sempre alguém para cuidar do bom funcionamento e manutenção destes equipamentos. Hoje são apenas seis pessoas, que, segundo a reportagem, podem não ter tipo tempo para detetar um problema perante uma peça não inspecionável.
11. O que se segue após o acidente no Elevador da Glória?
As autoridades deram início a uma investigação completa, envolvendo a Polícia Judiciária, o Ministério Público e técnicos especializados em segurança ferroviária do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF), que prevê publicar dentro de 45 dias um relatório preliminar sobre o acidente desta quarta-feira com o Elevador da Glória. O objetivo é apurar as causas exatas do descarrilamento, avaliar possíveis responsabilidades criminais e identificar eventuais falhas na manutenção, tanto por parte da Carris como da empresa MAIN. Paralelamente, com a suspensão preventiva de todos os elevadores e ascensores históricos de Lisboa, serão realizadas inspeções aprofundadas a cada equipamento, com a Carris a comprometer-se igualmente a colaborar com as autoridades e a fornecer todas as informações necessárias. O governo português decretou luto nacional, sublinhando a gravidade do acidente, e prometeu apoiar as famílias das vítimas. Trabalhadores e especialistas do setor defendem que a tragédia deve levar a uma revisão estrutural da manutenção e fiscalização de todos os transportes da cidade, questionando ainda a prática de externalização e os cortes nos recursos humanos, que podem ter contribuído para a catástrofe.

A meu ver, o acidente no Elevador da Glória não deve ser visto apenas como uma tragédia isolada. É um alerta sobre a importância da manutenção rigorosa, da fiscalização efetiva e da valorização dos recursos humanos na gestão de património histórico e transportes públicos. À medida que a cidade e o país esperam respostas e justiça, Lisboa confronta-se com a necessidade de reavaliar prioridades, garantindo que segurança, mobilidade e turismo coexistam sem pôr em risco vidas humanas.
A investigação seguirá o seu curso, e as próximas semanas serão decisivas para apurar responsabilidades. Até lá, a memória das vítimas e a segurança de todos os que dependem destes equipamentos de transportes coletivos devem permanecer no centro das nossas atenções.
Este artigo de opinião é da pura responsabilidade do autor, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.
Escrito por: Tomás Batista
Editado por: Leonor Oliveira


Deixe um comentário