“E as plantas fosforescentes no fundo do mar”: um mergulho na realidade de ser mulher

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“E as plantas fosforescentes no fundo do mar” é o primeiro livro de Giovanna Rossi. O Jornal desacordo esteve à conversa com a autora brasileira.

Como surgiu a escrita na tua vida?

Eu acho que eu sempre me envolvi com escrever porque era uma forma de me entender, não só me entender, mas entender também o mundo que me cerca. Então, escrever para mim era uma forma de me traduzir, de me colocar no lugar, de me organizar. E começou contando histórias, na verdade. Antes de começar a escrever, eu contava meus sonhos, eu falava sozinha, com as paredes. E aí, com o processo de aprender a escrever, eu passei a escrever diários, cartas, enfim, histórias. Mas foi sempre para tentar traduzir o que eu estava experienciando, o que eu estava sentindo. Sempre me ajudou muito. No caso, escrever para mim é meu processo terapêutico. 

Como foi construir este livro?

Eu sou graduada em História, fiz mestrado em História também. Então, eu comecei a ler muitas histórias de pessoas, histórias de comunidades, de culturas. E eu sentia vontade de escrever sobre isso. Então, eu passei a escrever histórias que não eram sobre mim, mas que se comunicavam comigo. No caso, são basicamente histórias sobre mulheres, a experiência da mulher no mundo. Então, eu passei a escrever histórias de pessoas perto de mim, pessoas da História, culturas diferentes, mas que me afetam, né? Como é ser mulher no mundo. Eu sentia vontade de comunicar isso da forma como eu escrevo. Eu tinha uma série de textos já escritos, espalhados pelo meu computador, pelas minhas agendas. E eu me mudei para Berlim. Nesse processo de me mudar para Berlim, eu organizei todas as minhas coisas, porque elas tinham que ficar em algum lugar. E eu acabei lendo muitos desses textos e gostando muito do material. São textos que eu leria, sabe? Então, eu pensei, por que não reunir todos eles e fazer uma autopublicação para me desbloquear criativamente? Futuramente procurar uma editora, fazer desse hobby algo produtivo… Então, nesse processo de me mudar do Brasil para Berlim, eu organizei todas as minhas agendas, meu computador, enfim, e reuni os textos que eu já tinha escrito e resolvi publicar.

São textos escritos em diferentes épocas que comunicam basicamente a mesma coisa. São sensações de mulheres que se sentem tristes, que se sentem raivosas, que se sentem insatisfeitas, que estão em busca de si mesmas. São textos que comunicam isso, que eu escrevi em diferentes épocas da minha vida e que eu acho que compõem um bom conjunto. Então, eu não sei como aconteceu para que eu tenha escrito todos esses textos com o mesmo tema, mas acabou que em várias épocas da minha vida foi um tema recorrente. Essa raiva que a gente sente, mas não demonstra, sabe? Sendo mulher, as pequenas coisas que nos atravessam e a gente não pode fazer nada com isso.

Alguma destas histórias é escrita na primeira pessoa?

Nestes textos, apenas um personagem, na verdade, sou eu, que é o texto da Maristela, que eu considero uma crónica. O único texto que é autobiográfico é o Maristela. Maristela era uma amiga minha, ela era um pouco mais velha que eu e ela me ajudou muito, ela fez um personagem muito materno para mim enquanto eu estava no intercâmbio, num momento difícil da minha vida e ela acabou tendo um câncer e ela faleceu. E aí, eu escrevi sobre isso e essa é a única crónica autobiográfica que tem no texto. Mas os outros textos, obviamente, alguma parte dos personagens reflete um pouco também sentimentos que eu tive, só que não sou eu.Como eu escrevo muito com flows de consciência, acaba passando muito como eu percebo o mundo. Mas não sou eu. São amigas, são mulheres mais velhas que eu conheci, são histórias que eu li.

A capa do livro trata-se de uma pintura feita por uma amiga da autora.

Ela é artista, ela pinta, é formada em design de cenário de filmes. Eu falei para ela que eu ia publicar esse livro, que eu estava em busca de uma capa e ela me perguntou sobre o que é e eu meio que traduzi para ela, conversando com ela sobre o que era cada texto. E ela falou assim “eu vou pintar um quadro sobre o que você me falou”. Mas ela não sabia título, ela não sabia nada, e acabou que ficou perfeito. É uma mulher: eu encaro como se fosse uma mulher caminhando nesse caminho de sangue, num cenário que é meio que o fundo do mar, onde ela vai encontrando identidades dela. Ela tá num cenário meio caótico, tem duas luas. Então, eu achei que encaixou perfeitamente.

Fonte: Amazon

Tens algum texto favorito?

Olha, tem muitos textos que eu gosto aí, mas um dos textos que mais me deu emoção de ter escrito foi o “Recipiência”. Não é o texto que as pessoas mais gostaram, mas é porque recipiência é uma palavra que não existe, né? A palavra recipiência é recepção, que é o lugar onde ela trabalhava, e resiliência, que é essa coisa de ter paciência, ter calma. E esse texto eu escrevi de uma maneira muito, foi muito entregue a esse texto, e essa personagem ela me encanta porque eu já vi muito ela no mundo. Já vi muita gente assim, trabalhando com quem não gosta, todos os dias, no lugar que não gosta, com pessoas que não a entendem, e ela ali encenando um papel de alô, bom dia, recepção, tá tudo bem comigo, o que você deseja, e aí aos poucos ela vai se desenrolando numa raiva, numa frustração, e eu achei muito legal que ele tem esse tom de conto de fadas, que você não sabe no final se ela foi feliz para sempre, se vai ter uma continuação, se ela foi embora para sempre…

A autora partilhou um excerto de “Recipiência” nas suas redes sociais:

“E as plantas fosforescentes no fundo do mar” é um conjunto de 23 narrativas que são espelho da nossa sociedade. Fala de mulheres e para mulheres, mas também fala aos homens que, embora cada vez mais conscientes do que é ser mulher, desconhecem os nossos pensamentos e vivências mais sombrias.

O livro de Giovana Rossi está disponível somente em formato digital. Podes aquirí-lo na Amazon para ler no teu kindle!

Fotografia de Capa por Giovana Rossi

Escrito por: Marta Ricardo

Editado por: José Pereira

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