Amizade: uma vantagem evolutiva?
O ser humano é, por natureza, um ser social. A empatia, a cooperação e o apoio mútuo foram as ferramentas que nos permitiram evoluir e prosperar como espécie. Hoje, confrontamo-nos com uma sociedade desconectada e separada entre si. Estaremos a subestimar o poder das amizades na nossa sobrevivência?

Quando vivíamos em pequenos grupos nómadas, não pertencer a um grupo significava quase certamente a nossa morte. Assim sendo, as capacidades sociais foram tão importantes quanto saber caçar ou comer as bagas certas.
Como Michael R. Kauth escreve: “Muito possivelmente, o nosso forte desejo de amigos íntimos evoluiu entre nossos primeiros ancestrais porque ter um amigo próximo melhorou as chances de sobrevivência e a sobrevivência dos nossos filhos”.
Devido à proteção acrescida aprendemos a viver em comunidade. Melhoramos a nossa capacidade de interpretar as intenções dos outros e aprendemos a adaptar-nos, garantindo a nossa permanência no grupo. Mas até que ponto esta necessidade de pertença e aceitação nos afeta?
Uma experiência, realizada pelo psicólogo Solomon Asch, mostrou como as pessoas são influenciadas pela opinião do grupo: o desafio era indicar qual das três linhas desenhadas em cartões tinha o mesmo comprimento que uma linha-padrão. Todavia, o verdadeiro participante não sabia que o resto dos elementos do grupo tinham sido instruídos a dar respostas erradas em determinadas rondas.
Concluiu-se que 75% dos participantes cederam à pressão de grupo pelo menos uma vez. Asch demonstrou que tendemos a seguir o que os outros dizem para evitar o desconforto de estar em discordância, mesmo que isso signifique negar aquilo que compreendemos como verdade.
Consequentemente, ao dar as “respostas erradas” para nos integrarmos mais agilmente, corremos o risco de as interiorizar. Sendo por isso importante escolher com atenção quem queremos ter ao nosso redor: se são esforçados, se fumam, se são vegetarianos, pessimistas, de esquerda ou de direita, se andam no ginásio, se valorizam a sustentabilidade, etc.
Um estudo publicado na revista Nature Communications teve como objetivo mostrar um conjunto de vídeos sobre política, ciência, comédia e música a 42 participantes, enquanto vigiam a reação dos seus cérebros através de ressonâncias magnéticas. Concluíram que os amigos poderiam ser muito parecidos na forma como reagem emocionalmente aos vídeos.
Ou seja, amizades verdadeiramente próximas não se limitam a gostos em comum, se frequentaram a mesma escola ou se vão às mesmas festas. Possuem um papel ativo na nossa própria identidade, forma de pensar e reagir às experiências. Ajudando a explicar porque muitos grupos próximos desenvolvem crenças, hábitos, valores e até percursos de vida semelhantes.
Se somos moldados pelas opiniões e maneiras de ver o mundo dos nossos amigos, escolher a roda correta é uma decisão fundamental no nosso percurso de vida. Cercarmo-nos por quem nos compreende e apoia pode traduzir-se no nosso equilíbrio emocional, bem-estar e até sucesso. Além de muita felicidade e diversão, claro.

Apesar de todo o individualismo e desunião que enfrentamos como sociedade pós-moderna, acho mesmo que o que dá sentido à nossa existência são os amigos que fazemos ao longo do caminho. Porque se uma laranja podre tem o poder de apodrecer as outras, o nosso meio também importa.
“O melhor indicador da sua saúde e bem-estar psicológico, e até mesmo de quanto tempo viveremos, é simplesmente o número e a qualidade das amizades próximas que temos.”
Robin Dunbar
Este artigo de opinião é da pura responsabilidade da autora, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.
Escrito por: Sara Reis
Editado por: Matilde Bruno


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