Os palhaços também são pessoas: os limites do humor
Escrevo este artigo com um apelo simples (e quase infantil): liberdade para rir. Num mundo que aparenta ser cada vez mais sério e burocrático, piadas tornaram-se agressões merecedoras de processos judiciais. Será que este controlo excessivo não coloca a comédia em torpor e, a nós, não nos retira meia dúzia de gargalhadas?

“A rir se castigam os costumes”, frase popularizada em Portugal por Gil Vicente, defende que a melhor maneira de mudar as coisas é mostrando o seu absurdo, rindo-nos dela. No fundo, a comédia e a sátira sempre serviram como motor de mudança da sociedade e dos seus costumes, da forma mais leve e bem humorada que o ser humano inventou.
Porquê rir do infortúnio dos outros? Segundo Peter McGraw, e a sua Teoria da Violação Benigna, o princípio da comédia é o cruzamento entre a transgressão de uma norma e a perceção de que essa transgressão é inofensiva. Algo é engraçado precisamente porque viola uma regra, mas sem causar um dano suficientemente impactante.
Por exemplo, se alguém escorregar numa casca de banana e cair é engraçado. Isto acontece porque sabemos que a violência tem uma conotação social negativa. No entanto, rimos porque a pessoa pouco se magoou. Mas, se esta se magoar seriamente e for preciso chamar o INEM já será complicado sacar uma gargalhada a quem estiver a ouvir a história.

Com esta teoria conseguimos compreender o caráter do processo dos Anjos à humorista Joana Marques: se uma transgressão é percebida como inofensiva, é engraçada; se toca num ponto sensível como o ego dos Anjos pode ser levada a tribunal.
Com isto, o humorista Ricardo Araújo Pereira disse num depoimento dado ao Correio da Manhã que a comédia aparenta ser a única vertente da Arte que sofre de restrições. Ninguém processa um estilista por não gostar de um vestido. E um jogador de futebol não pode ganhar a liberdade de julgar um jornalista desportivo por difamação se comentar que até o seu avô fazia melhor naquele jogo.
O humor é uma arma usada desde os princípios dos tempos. Todos nós já lemos nas aulas de Português as cantigas de maldizer ou de escárnio, composições compostas por críticas diretas e ofensivas. Se os Anjos ganharem o processo, este tipo de Arte começa a ser considerado demasiado violento? Irão retirar essa poesia do plano de estudos?
Acredito que o que esteja em causa é a barreira do benigno.Tudo o que magoe a autoestima de alguém é uma transgressão forte demais. Então, se fazer humor é crime, quem ri é marginal? Foi a questão levantada pelo analista político Gonçalo Sousa. Todos nós vamos ajudar a Joana Marques a pagar o milhão de euros que deve aos cantores?
Ora, dissecar a comédia é como dissecar um sapo: apenas alguns vão gostar, e o sapo morre sempre no processo (E.B. White). Mas é importante perceber a base do problema. Se a comédia for domesticada de forma a nunca pisar a transgressão, como poderemos rir?
“A vida é uma tragédia quando vista de perto, mas uma comédia quando vista de longe.” Charles Chaplin
Este artigo é da pura responsabilidade da autora, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.
Escrito por: Sara Reis
Editado por: Marta Neves


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