“Fátima”: do palco para o livro

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“Os olhos das crianças atravessam o invisível” – É esta a frase que se pode ler na contracapa do livro FÁTIMA, publicado pela Atlantic Books, que reúne o libreto completo e fotografias de cena da ópera-rock de Filipe La Féria que se estreou dia 5 de dezembro de 2024, no Teatro Politeama.

Não conhecia muito bem esta figura do teatro português, sabia apenas que tinha feito alguns dos musicais mais conhecidos em Portugal. Mas quando soube que, dia 16 de junho de 2025, Filipe La Féria ia estar na Feira do Livro de Lisboa, tive curiosidade em ouvir o que este autor tinha para dizer sobre a sua mais recente obra, que por acaso é sobre a história da minha cidade e também do meu país.

E não fiquei desiludido. Este grande criador de cultura portuguesa mostrou a sua imensa sabedoria através de algumas ideias que gostaria que ficassem aqui registadas.

Fotografia tirada por Alexandre Prazeres

“A nossa história é uma história mística portuguesa!”

Fazem parte da história de Portugal as crenças do povo, criaturas mitológicas e lendas. O sobrenatural moldou a identidade nacional e este musical pretende transmitir que nós não podemos analisar o que se passou há 100 anos com os olhos de hoje, porque se mudaram costumes, valores e verdades.

“Y es que en el mundo traidor
Nada hay verdad ni mentira:
Todo es según el color
Del cristal con que se mira.”

E foi citando este excerto de um poema de Ramón de Campoamor, que Filipe La Féria conclui esta sua reflexão.

“Os olhos das crianças atravessam o invisível.”

Em 1917, Portugal atravessava um período de “pobreza aflitiva” devido, em grande parte, à guerra. As pessoas agarravam-se à espiritualidade e à crença no sobrenatural que, por sua vez, era muito alimentada pelos mistérios religiosos.

O ser humano tem esta capacidade de acreditar na irrealidade, de ver para além daquilo que é real e de acreditar no impossível mas, a história de Fátima mostra-nos que as crianças o fazem de uma maneira muito mais autêntica, com o seu olhar ainda em estado de pureza, criam uma verdade própria e uma maneira única de ver o mundo, que se vai perdendo com o mergulhar na vida adulta.

Têm assim o dom de materializar o fantástico, que também faz parte da vida, e é este olhar de esperança que “Fátima” nos dá como exemplo. Lúcia, a personagem principal, mostra-nos que há sempre uma palavra a dizer aos outros e que não podemos desistir.

“A história de Fátima é uma Ode à mulher!”

Arranjar a maneira certa de representar Nossa Senhora foi desafiante, porque por muito real que Ela fosse, para La Féria sempre foi muito mais real na cabeça da Lúcia e nos olhos das crianças e, por isso, decidiu-se que a maneira mais bonita seria representá-la apenas como uma voz.

Contudo, o que mais apaixonou o autor nesta peça foi a relação que se criou entre uma filha e uma mãe. Por um lado, a relação de incompreensão entre Lúcia e sua mãe, que nunca acreditou nas suas histórias. Por outro lado, a relação entre Lúcia e Nossa Senhora, a mãe do Céu que Lúcia procurava compreender cada vez melhor.

Então, há esta dualidade que se passa na alma e na cabeça de Lúcia. Como o próprio autor refere, “a história de Fátima é, no fundo, uma Ode à mulher, à mãe, ao ventre”. À mãe da terra e à mãe do céu.

“O que nos faz viver é a Fé na vida.”

Durante as poucas visitas que La Féria fez a Fátima quando era criança, durante as quais passava as noites a dormir no carro, impressionava-lhe sempre a fé das pessoas e, principalmente, a fé no milagre da vida. Ao conhecer melhor a história de Fátima, percebe que é isso que, ao longo dos tempos, nos faz aguentar e que nos prende à vontade de viver.

As pessoas precisam sempre de acreditar em algo que dê sentido à vida, daí a importância da Fé, que nos faz transportar para um mundo melhor e acreditar que podemos atingir o céu.

O musical realça esta ideia de que a Fé é acreditar sem garantias, comparando-a à arte: “a arte é tornar possível o impossível”.

O espetáculo “FÁTIMA: Ópera-Rock”, que estará em cena até ao dia 13 de julho de 2025, no Teatro Politeama, mostra assim que, mais do que um relato de um acontecimento histórico, é uma obra de arte, uma homenagem á cultura portuguesa e uma reflexão sobre um povo e um país de Fé.

Este artigo de opinião é da pura responsabilidade do autor, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.

Escrito por: Alexandre Prazeres

Editado por: Matilde Bruno

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