Amimut: A história da dúvida nuclear de Israel

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A 22 de Setembro de 1979, o satélite norte-americano Vela 6911 – cujo objetivo era identificar e revelar testes nucleares num período de tensão global – detetou um “duplo-flash” característico de explosões da classe mencionada nas Ilhas do Príncipe Eduardo, território da África do Sul situado no Oceano Índico. Embora o Painel de Inteligência Militar norte-americano tenha concluído que a probabilidade do incidente se tratar efetivamente de um teste nuclear fosse de 90%, a investigação não chegou a qualquer resultado comprovado e permanece até hoje um mistério.

Mordechai Vanunu, ex-técnico nuclear, revela o artigo original no qual expôs os segredos nucleares de Israel.
Fonte: msn.com.

O acontecimento descrito é denominado Incidente Vela, possuidor do nome da família de satélites que o detetou, tratando-se do alegado primeiro e único teste nuclear levado a cabo por Israel. A África do Sul, isolada pelo Apartheid e próxima territorialmente de países com influência soviética, como a Namíbia e a Angola, possuía benefícios numa cooperação com Israel. O que o país africano carecia em conhecimento e tecnologia nuclear, esbanjava em reservas de urânio que exportava ativamente para outras potências nucleares.

Embora Israel tenha votado consistentemente contra o regime do Apartheid como membro da ONU, o seu isolamento regional após a Guerra de Yom Kippur fê-lo procurar novos parceiros estratégicos, por mais controversos que fossem, como a própria África do Sul. Inicia-se, assim, uma cooperação militar e nuclear comprovada por documentos desclassificados que mencionam a troca de tecnologia nuclear e mísseis, essenciais para o avanço do programa africano.

A “ambiguidade deliberada” (Amimut)

Não serão “nem os primeiros a produzir e possuir armamento nuclear no Oriente Médio, nem os segundos”. É desta forma resumida e propositalmente oximórica que os primeiros-ministros israelitas, desde David Ben Gurion, o chefe de governo que considerava as armas nucleares essenciais para proteger os judeus na sua terra natal, têm descrito o programa nuclear do seu país. Deixando a comunidade internacional no limbo sobre a sua capacidade armamentista, transformam a dúvida em arma estratégica.

A incógnita oferece margem para a deliberação, e, por sua vez, a deliberação abre caminho para múltiplas respostas. Estima-se que o seu programa tenha sido concluído com resultados frutíferos em 1967, seguindo-se o teste do Incidente Vela e as informações reveladas, em 1986, pelo técnico nuclear israelita, Mordechai Vanunu, que confirmou, definitivamente, o programa nuclear mencionado. Entre fotografias e informações confidenciais fornecidas pelo mesmo, a imprensa britânica publicou um artigo que mudou e moldou a perspetiva global: a disposição de armas nucleares por Israel já não era uma questão, mas sim uma afirmação.

No entanto, este envolvimento é, até hoje, negado ou respondido com a ambiguidade mencionada. Isto permite que Israel possa dispor de armas nucleares sem ativar, imediatamente, uma corrida armamentista no Oriente Médio, mas também torna plausível que este escape a sanções ou investigações internacionais. Apesar da ambiguidade oficial, o país adota uma política prática de prevenção ativa contra a proliferação nuclear na vizinhança, recorrendo inclusive a ataques militares preventivos, dos quais são exemplo a Operação Ópera, no Iraque, e a Operação Pomar, na Síria.

Embora por vezes omissa, nesta discussão entra também uma questão curiosa: o Symington Amendment norte-americano, que impede que a potência preste auxílio a nações com programas nucleares que negam inspeção regular das suas instalações e/ou não assinem o Tratado de Não-Proliferação Nuclear. Israel não cumpre com nenhuma destas medidas, o que levaria a uma violação da legislação dos Estados Unidos. No entanto, sucessivas administrações norte-americanas contornam esta emenda em nome do “interesse nacional” ou da manutenção do estatuto de ambiguidade israelita, o que evita o constrangimento diplomático que seria um reconhecimento formal deste programa nuclear.

O silêncio estratégico de Israel contrasta com o ambiente geral da comunidade internacional, que revela a tendência de criar tratados de não-proliferação regionais ou continentais, complementares ao TNP, em vigor desde 1970 e aderido por 189 países. São destes exemplos os Tratados de Tlatelolco – América Latina e Caraíbas -, de Pelindaba – África, com exceção do Sudão do Sul – ou de Bangkok – Sudeste Asiático – que estabeleceram zonas livres de armamento nuclear em áreas que possuem uma história vincada por conflitos e instabilidade.

Escrito por: Raquel Pedroso

Editado por: Matilde Bruno

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