A guerra pela localização do novo hospital do Oeste

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O debate em torno da construção do novo Hospital do Oeste está longe de ser recente. Para compreendê-lo em toda a sua dimensão, é necessário recuar quase duas décadas, até à origem de uma discussão que tem atravessado governos.

Atualmente, o Centro Hospitalar do Oeste (CHO) tem a sua sede no Hospital Distrital das Caldas da Rainha, integrando ainda duas outras unidades: Torres Vedras e Peniche, este último limitado a serviços de urgência básica. A história hospitalar da região é, porém, mais vasta. Contou em tempos com o Hospital de Alcobaça (hoje integrado no Centro Hospitalar de Leiria), com o Hospital do Barro (desativado desde 2014), e com o Hospital Termal Rainha Dona Leonor, cedido em 2015 à Câmara Municipal das Caldas da Rainha.

Foi em agosto de 2008 que o Conselho de Ministros aprovou uma resolução que relançava o projeto do novo hospital. A ausência de consenso entre os autarcas da região quanto à localização levou à constituição de uma comissão técnica para avaliar nove terrenos alternativos. O estudo, conduzido pelo Instituto Superior Técnico (IST), concluiu que a melhor localização seria na freguesia de Tornada, a norte da cidade das Caldas da Rainha.

Esta proposta surgiu integrada num pacote de compensações à região Oeste após a decisão de deslocalizar o novo aeroporto da Ota (Oeste) para Alcochete. O plano incluía, além do novo hospital, a modernização da Linha do Oeste e uma nova ligação ferroviária entre Caldas da Rainha, Rio Maior e Santarém. Com a crise de 2010, o projeto foi suspenso e revisto, resultando apenas na ampliação da unidade hospitalar das Caldas da Rainha.

O tema voltou a ganhar destaque em 2021, quando o Governo então em funções incumbiu a Comunidade Intermunicipal do Oeste (OesteCIM) de elaborar um estudo para encontrar uma nova localização adequada para um hospital único que substituísse as três unidades atuais do CHO.

A OesteCIM delegou o estudo à NOVA IMS – Information Management School, que indicou a Quinta do Falcão, na vila do Bombarral, como a melhor localização, destacando a sua centralidade geográfica e a disponibilidade imediata do terreno. Contudo, o estudo gerou forte contestação por parte das autarquias de Óbidos, Caldas da Rainha e Rio Maior, que apresentaram um parecer alternativo, encomendado ao Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa (IST), o Centro de Estudos e Desenvolvimento Regional e Urbano (CEDRU), e a Universidade de Aveiro (UA).

Implantação do futuro hospital do Oeste, segundo a proposta de localização Caldas/Óbidos. Foto: Câmara Municipal das Caldas da Rainha

O parecer crítico ao estudo da NOVA IMS argumentava que os critérios adotados eram simplistas, baseando-se sobretudo na acessibilidade potencial e ignorando fatores como a mobilidade real e a coesão territorial. Sustentava-se que a localização Caldas da Rainha/Óbidos, situada no nó das autoestradas A8 e A15 e ainda o IP6, garantia melhores condições de acessibilidade. A possibilidade de integrar uma nova paragem ferroviária na Linha do Oeste integrada ao hospital foi também destacada, contrastando com a maior distância da linha férrea no caso da localização do Bombarral — um argumento particularmente sensível numa região que luta há décadas pela modernização da sua linha ferroviária.

O parecer técnico adicional apontava ainda problemas como o declive. O terreno proposto no Bombarral apresentaria alternâncias entre os 15% e os 20%, muito acima do limite recomendado de 5% para infraestruturas hospitalares. Acresce, segundo os autores do estudo, uma desconsideração pelos dois maiores centros urbanos da região, Caldas da Rainha e Torres Vedras.

Afirmava-se ainda que o Bombarral, enquanto vila com reduzida capacidade de infraestrutura, não garantiria condições para sustentar uma unidade hospitalar de tal dimensão, enquanto que Caldas da Rainha, o maior núcleo urbano da região Oeste, reuniria os requisitos técnicos, urbanos e populacionais adequados para tal investimento.

O anúncio oficial da escolha do Bombarral, feito em 2023 pelo então Ministro da Saúde, Manuel Pizarro, dividiu a região em dois blocos: por um lado, os defensores da Quinta do Falcão, que aceitaram a decisão; por outro, os municípios de Caldas da Rainha, Óbidos, Rio Maior e, ainda, outros presidentes de juntas de freguesia como o de Serra D’el Rey em Peniche, que lideraram a oposição.

Os protestos multiplicaram-se. Uma das ações mais visíveis teve lugar em Lisboa, frente ao Ministério da Saúde, reunindo cerca de duas mil pessoas. Uma petição contra a decisão recolheu mais de 11 mil assinaturas, gerando um debate parlamentar próprio e conduzindo à audição dos autarcas “protestantes” na Comissão de Saúde da Assembleia da República.

Foto: Teresa Serrenho

O conflito pode colocar em causa o papel histórico das Caldas da Rainha, uma cidade com mais de cinco séculos de tradição hospitalar, nascida em torno do mais antigo Hospital Termal do mundo, fundado por D. Leonor em 1452. É também, hoje, a maior entidade empregadora da cidade, com cerca de mil postos de trabalho diretos (Hospital Distrital e Termal). A deslocalização da estrutura hospitalar para uma vila com sete vezes menos população levanta sérias dúvidas sobre os critérios de racionalidade territorial.

Apesar da curta distância física entre as duas propostas (cerca de 15 km), a diferença demográfica é significativa. Numa circunferência de 20 km em redor da localização Caldas-Óbidos, a população é mais do dobro da que habita num raio equivalente em torno da Quinta do Falcão. Para além disso, a cidade das Caldas da Rainha dispõe de uma rede interurbana e suburbana de transportes já consolidada, em comparação à restante região Oeste.

Com a mudança de Governo, cresce a expectativa de que a decisão venha a ser revista. Entre as principais críticas da Câmara Municipal das Caldas da Rainha, destaca-se a alegada fragilidade técnica e científica do processo, marcado segundo por uma escolha política.

Nas últimas eleições legislativas, o tema foi destaque no debate pelo distrito de Leiria. A atual Ministra da Juventude, Cultura e Desporto, Margarida Balseiro Lopes (AD), afirmou publicamente que a decisão “não beneficia o distrito” e que o processo está “a ser reavaliado”, acrescentando ainda que “a decisão não está tomada”. Também Gabriel Mithá Ribeiro (Chega) considerou que o anterior Governo criou uma “divisão desnecessária entre as populações”, defendendo uma solução alternativa baseada na construção de dois hospitais, um nas Caldas e outro em Torres Vedras, proposta igualmente defendida pelo ex-autarca, Fernando Costa, presidente da Câmara das Caldas da Rainha durante 27 anos. Já Eurico Brilhante Dias (PS), foi o único entre os cabeças de lista pelos principais partidos a manifestar-se favorável à escolha do Bombarral.

O futuro do novo Hospital do Oeste permanece em aberto. As recentes declarações da Ministra deixam em aberto a reavaliação, mas tudo indica que o assunto apenas será decidido após as eleições autárquicas, ou seja, para o final de 2025 ou início de 2026.

Resta saber se, desta vez, a decisão será guiada por critérios técnicos e de coesão territorial, ou se continuará refém de lógicas políticas e de rivalidades locais. Seja qual for o desfecho, uma certeza impõe-se: está em jogo não apenas a localização de um hospital, mas o próprio equilíbrio de uma região cronicamente carenciada de investimento público, e que será certamente o principal tema nas próximas autárquicas no Oeste.

Escrito por: Gonçalo Angelino

Editado por: Matilde Bruno

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