A poesia do rap dos Alcool Club: o melhor vinho do Alentejo

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Se ainda não ouviste falar dos Alcool Club, relaxa, estás prestes a conhecer o melhor grupo de hip hop do país. Originário de Sines, formado em meados de 2004, chegaram aos meus ouvidos através do barulho das colunas do meu irmão mais velho. Dessa forma, pretendo passar o legado, projetando uma breve carta de vinhos para vocês.

Concerto dos Alcool Club, Bang Venue (Torres Vedras), 21 de março 2025 (Fonte: Sara Reis)

O grupo é constituído por Praso, Montana, e Sanguibom, contando também com o apoio do DJ Tommy El Finger e da voz melodiosa de Sara D’Francisco. Desde a sua formação apresentam uma estética bem definida, explorando temas do quotidiano através de rimas cativantes e flows versáteis. 

O seu estilo musical funde rap com jazz e elementos de blues, algo único no panorama português. Como os próprios escrevem: “Mete-me jazz nesse copo que eu ponho rap no micro” (Manhãs de Lata). Originando uma mistura linda entre a dureza dos temas do rap com o abraço quente da melodia do jazz. Contam já com quatro álbuns e alguns singles, “Artesanacto” de 2007, “Club 120” de 2014, “Rap Proibido” de 2016, e “Último a Sair” de 2021.

No concerto em Torres Vedras, no Bang Venue, eu e o meu irmão ficámos impressionados com a diversidade de pessoas: havia de tudo. Como no Spotify, onde já somam mais de 68 mil ouvintes mensais. Mas o que mais me cativa é a autenticidade e paixão que os Alcool Club colocam nas suas músicas. Construindo assim, uma base de ouvintes que sabe as suas letras de cor (e eu sei bem disso, não fui a única que saiu rouca do concerto).

Por exemplo, na música “Último a Sair”, do álbum “Último a Sair”, Praso cuidadosamente propõe uma filosofia, que sigo rigorosamente: “Não acredito em Deus, acredito nos meus/ Desconfio dos teus, assim evito o banco dos réus/ Aqui o último a sair deixa a luz acеsa/ Para o próximo não viver ao escuro e na incеrteza/ Todos à mesa, o mesmo copo, o mesmo prato, de certeza/ O mesmo foco, e a rimar p’ra o mesmo lado”. Trazendo para cima da mesa a importância da preocupação com o próximo, da lealdade e do valor da partilha. 

Ao não cederem aos caprichos do público mainstream, o grupo preserva a sua verdade, desabafando, nua e cruamente, sobre as suas próprias vivências. Como na música “Lei da Atração”, do álbum Último a Sair: “Queres uma bolsa cheia de ouro/ Sem suor tens que entender/ Dinheiro fácil é difícil fazer/ Não te iludas com o superficial, atenção/ Tudo é especial até estar na tua mão/ Dizem que tudo que tu pensas, tu atrais/ É verdade/ Se só pensarеs em me*** não sais dessе estado”.

Ao falar sobre a sua música, o amor à camisola é obrigatório salientar. Curiosamente, é um grupo que lança sempre músicas em português, algo não muito comum no nosso país. Como um sábio poeta em tempos escreveu: “Isto é para Tugas que nunca escrevem na língua raiz/ Querem ser internacionais mas tão cá no país/ E nunca são originais são Nova Iorque ou Paris” (Sam the Kid, 2006).

Todavia, as críticas sociais não ignoram a corrupção e ignorância do povo: “Ele tentou ser honesto pôr o crime de lado/ Arranjou um trabalho/ Primeira vez que foi roubado/ Por esse grupo de chulos que/ Rouba o país todo mas o povo só se interessa/ Se hoje à noite há jogo” (Honesto, do álbum “Rap Proibido”).

A complexidade do que escrevem, e a mensagem que transmitem, emprega um valor valioso e singular a este grupo. A música Sério, do álbum Club 120, é uma das que mais me comove, por elaborar uma crítica tão simples à violência doméstica: “Homem que bate em mulheres, eu já conheci/ Mas quando há me*** a sério/ São os primeiros a fugir”. 

Concerto dos Alcool Club, Bang Venue (Torres Vedras), 21 de março 2025 (Fonte: Sara Reis)

Ser fã dos Alcool Club não é para todos, como até estes escrevem: “A minha música não é fácil de ouvir/ Também não foi fácil sentir” (“Mudar”, álbum Último a Sair). Todavia, para quem ouve pela primeira vez, é como encontrar algo que sempre procurou. 

Há quem faça vinho industrialmente em largos tanques de inox, comprimidos por pesos exercidos por máquinas, mas se quiseres um bom vinho alentejano esmagado “à mão”, autêntico, pesquisa por Alcool Club em qualquer plataforma, dá uns rodopios ao copo e aproveita. Bons brindes!

“Porque o dono do saber sempre/ Foi escravo do império”, Sério, 2014.

“A caridade começa em casa/ E a família é a base do sucesso”, Atlantis, 2014.

“Fazer parecer fácil é difícil de fazer”, Equilíbrio, 2016.

“Se for por amor/ Será sempre uma causa justa”, Cem anos, 2024.

“Amor durava uma vida, hoje dura uma bateria”, Lei da Atração, 2021.

“Comecei de trás, não tive tudo como tu/ E mesmo sem futuro, hoje faturo mais que tu”, Último a sair, 2021.

Este artigo de opinião é da pura responsabilidade da autora, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.

Escrito por: Sara Reis

Editado por: Teresa Veiga

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