
A verdade é que já não se aguenta mais ouvir que estamos em uma época de transformações tecnológicas aceleradas. Em pouco tempo, passamos de um mundo onde a escrita era uma atividade inteiramente humana, para um cenário em que inteligências artificiais, como o ChatGPT, produzem textos quase indistinguíveis dos nossos. A promessa? Mais produtividade, menos esforço. Quem não adora não ter de ser escravo da sua própria armadilha? Mas a que custo?
A liberdade, ao menos a compreensão conhecida sempre esteve ligada à possibilidade de expressão, à capacidade de pensar e registrar ideias sem limitações impostas. No entanto, a tecnologia inverteu essa lógica ao associar liberdade à otimização do tempo. Se uma IA pode escrever por nós, maravilha! Somos mais livres para fazer outra coisa – mas o quê, exatamente? A sociedade moderna, marcada pelo consumo compulsivo, nos empurra para um ciclo vicioso: automatizamos tarefas para ganhar tempo, mas preenchemos esse tempo com mais tarefas, alimentando uma espiral sem fim de produção e consumo. E ao final do dia, estamos tão cansados que sentimos mesmo que a nossa mente foi para o espaço.
Antes, o “pai Google” era a grande enciclopédia, o dicionário onde se poderia buscar respostas a tudo e para tudo; agora, é a “mãe GPT” quem me responde de forma espontânea, sem erros de escrita, sem publicidade, sem de se ter de cortar ao que não precisa, auxilia e até escreve por mim. Maravilha! É inegável que a ferramenta se tornou parte do cotidiano e quase uma regra, simplificando processos e acelerando a busca por conhecimento. Mas, ao mesmo tempo, como essa dependência pode transformar a maneira como pensamos e interagimos com o mundo?
A inteligência artificial é vista como uma bênção, mas em um ano, tornou-se também um ponto de reflexão, pois pode ser um veneno, dependendo da dose. Se utilizada em excesso, pode levar à perda da autenticidade e da criatividade. Se usada de menos, talvez não seja eficiente o suficiente para justificar sua existência. Encontrar o equilíbrio entre o real e o digital parece ser o grande desafio dessa era, ou deste ano, porque as tecnologias avançam de meses em meses.
Outro ponto preocupante é a transformação da IA em uma extensão do nosso pensamento. Criamos personas no ChatGPT que refletem nossas próprias características, nossa forma de argumentar, e até nossa personalidade. São manipuladas ao ponto de responderem exatamente o que se diria, se fosse você a pessoa a responder o tal e-mail “chato”. Mas um facto preocupante é: ao transferirmos essa responsabilidade para a máquina, estamos realmente nos libertando ou apenas nos tornando reféns de uma tecnologia que nos poupa do esforço de pensar? Para no fim, colocarmos mais outras coisas, neste tempo supostamente “livre”.
O medo do desconhecido sempre acompanhou o ser humano. Assim como ocorreu com os carros e os primeiros computadores, a inteligência artificial gera desconfiança. No entanto, a diferença crucial está na velocidade das mudanças. Em questão de meses, o que era novidade se torna essencial, e não só, qualquer pessoa, pode ter acesso a estas ferramentas. Acredito que o ponto de ressalva seja a sociedade ter pouco tempo para refletir sobre as consequências desses processos, a única coisa que se pensa é se, ao automatizar uma função longa, se pode fazer outra. Poupamos tempo. “Automatização” é a palavra que mais leio, como “vantagem” para as empresas.
A grande questão é: Poupamos mesmo este tempo ? Poupamos para quem ? Qual a grande vantagem disso tudo?
A escrita sempre foi um desafio para quem ama escrever. É um ponto alto que ao final de muita pesquisa vi em comum entre os escritores. Nunca vi alguém que gosta de escrever, dizer que conseguia escrever um artigo, um texto, uma carta, em perfeita coerência em 5 min ,como o Chat GPT o faz. Escrever é um processo natural, às vezes frustrante. Aliás, grande parte das vezes muito frustrante, porque quem escreve precisa estar atento a diversas coisas desconhecidas a quem lê. É realmente um talento: ou se sabe ou treinamos até o saber fazer bem e sobretudo o fazer de forma genuína, sem muita perfeição, para não o tornar uma escrita “ensaiada”.
E se as inteligências artificiais eliminam essa frustração, é bom não? Será que não estão também eliminando parte do que nos torna humanos, daquilo que nos dá força para sobrepor as dificuldades? E mais, qual será o futuro da informação? Será que ainda haverá espaço para sensibilidade e emoção nos textos produzidos por máquinas e revisados por humanos?
Se a liberdade agora significa apenas ter mais tempo para produzir mais, talvez seja hora de repensar seu verdadeiro significado de “automatizar tarefas” para ” quem ganha com as tarefas que eu automatizei ?”.
É impensável um retrocesso, estão todos falando sobre o mal das redes sociais, o uso indevido da nossa atenção. Julgo que faz parte da evolução humana. E que bom que há quem o faça, o senso critico ainda vive! Porém, vivemos nesta altura de conflitos com o real e digital aqui e agora e nas redes, e é inevitável.
Diria que, para nos tornamos revisores dos nossos próprios pensamentos, temos de ter a noção do que fazemos com este tempo, do que fazemos com a produtividade acelerada. A consciência não é algo exclusivo dos seres humanos, mas a forma como ela se manifesta pode ser mais desenvolvida e complexa em nós, façamos jus a isto!
Nota: A autora escreve em português do Brasil.
Este artigo de opinião é da pura responsabilidade da autora, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.
Escrito por: Amanda Borges
Editado por: Sofia Isidoro


Deixe um comentário