Inês Marinho: a cabeça do “Não Partilhes” e uma ativista desta geração.

Escrito por

No passado sábado, dia 5 de abril de 2025, várias pessoas manifestaram-se, em frente à Assembleia da República, contra qualquer tipo de violência sexual perpetrada contra as mulheres. Foi uma espécie de catarse, resposta, reação coletiva da sociedade, perante as últimas notícias que protagonizam os nossos telejornais. Desde uma violação e consequente gravação da mesma, de uma menor, em Loures, até à partilha de conteúdo sexual não consentido por alunos da FEUP. Enquanto não há uma resposta legal satisfatória por parte dos tribunais, a sociedade reúne-se e mostra às vítimas que estão do lado delas.

Tive o prazer de conhecer a Inês Marinho, entrevistada deste artigo e cabeça da associação “Não Partilhes”, no ano de 2019. Mais tarde, reencontrei-me com a Inês, seis anos depois. Tenho o prazer de poder chamá-la de amiga. A Inês é um modelo de mulher, uma ativista e parceira de luta feminista que merece ter o megafone nas mãos. É acima de tudo um exemplo, que gostava que a geração de raparigas da minha irmã mais nova, seguisse e ouvisse. Por isto, deixo aqui o testemunho que merece chegar a todos nós.

Inês, é público que começaste a associação “Não Partilhes”, porque tu própria, no passado, foste a vítima num crime de teor sexual (do mesmo tipo e muito parecidos com aqueles que tu tratas e lidas). No momento, em que procuras ajuda através do contacto com advogados, etc., apercebes-te da enorme lacuna existente no sistema penal português, quanto à partilha de conteúdo de teor sexual não consentido. Por isso começo por perguntar: como é o processo de nos levantarmos de uma situação pessoal (difícil e dolorosa), e passarmos de uma experiência que é traumática e marcante na vida de uma mulher, para toda uma missão e movimento de ativismo em torno de uma problemática que tinha pouco palco na sociedade portuguesa?

Primeiro, acho que já tive bases educativas da minha mãe, do meu pai, dos meus avós bastante direcionadas para a igualdade de género. E isso já me fez ter uma perceção diferente da minha sexualidade: como é que a sociedade me vê; o que é que é certo que é errado; como é que os homens são vistos; como é que as mulheres são vistas.

Na altura que isto me aconteceu, obviamente, fiquei nervosa e em pânico. Contei à minha família. E, novamente, a minha família, os meus amigos e os meus colegas fizeram-me perceber que o que eu estava a passar não era normal. Era um crime. A única coisa que me causou ansiedade foi a reação da sociedade. Eu não tenho vergonha do meu corpo. Não tenho vergonha em ser um ser sexual. A única questão foi, quando saí da minha bolha, e comecei a ver a reação das pessoas (que já sabia que iria ser essa) era “apontar o dedo”. Tudo o que eu dizia, mesmo que não fosse relacionado com os direitos das mulheres, havia sempre comentários sobre a partilha das minhas “nudes”.(…) Ainda era pior, estes argumentos estarem a ser usados em tom de descredibilização. Como se, o facto de ter sido um vítima de um crime, me descredibilizasse de alguma maneira. Isso não me deixava com vergonha, deixava-me irritada. E eu percebi que era um privilégio eu consegui ficar irritada, porque, à minha volta, as pessoas pensavam como eu. Contrariamente à maior parte das pessoas que passam por isto, que sentem vergonha e irritação, porque as pessoas à sua volta não sabem, ou apontam o dedo.

Então, foi aí que eu percebi que, realmente, havia um problema. O problema também era toda sociedade. E que tinha que se fazer alguma coisa para que as pessoas tivessem noção do impacto que isto tem nas vítimas. Se quisessem julgar alguém, julgassem o criminoso.

Essas reações que recebias eram cara a cara? Ou ocultas através de um perfil da internet?

Foi sempre online. O único comentário mais estranho que recebi, em relação a isto, não era de um amigo próximo sequer. Ele disse-me que gostava do meu trabalho, mas que já tinha visto as fotos onde aparecia, e que aquele conteúdo já lhe tinha passado pelas mãos. Respondi-lhe que nunca me conseguiria ver nua de forma consentida, por isso aquela foi mesmo a única maneira de o fazer.

Estas reações eram de um público mais masculino ou feminino?

Quase sempre por parte de homens. Houve algumas mulheres que tentaram descredibilizar-me de alguma maneira. Quando estas situações acontecem, situações em que a tua intimidade é exposta, aparecem boatos sobre tudo. Ouvi que me drogava, que me prostituía, que tenho grupos onde partilho “nudes” de homens. Não é só um ataque à minha sexualidade, passou a ser também um ataque ao meu ativismo, ataques pessoais, ataques relacionados com o facto de eu ter sobrevivido a um cancro. São sempre coisas muito pessoais.

É por eu ter uma rede tão grande de apoio que consigo continuar. Eu sei que é muito complicado para alguém continuar a falar sobre estas coisas, e ter constantemente pessoas a atacar-nos, apenas pelo facto de termos sido vítimas de um crime.

Podias definir, de forma muito geral, como se caracteriza o processo desde o primeiro contacto com a vítima até à ação jurídica/penal que a “Não Partilhes” pode/acaba por tomar, na defesa das vítimas?

Qualquer pessoa que nos mande mensagem, respondemos e pergunto-lhe mais pormenores sobre o caso. Primeiro, tento perceber em que nível de trauma é que a pessoa está, tento perceber se é uma situação de emergência ou não. Se for esse o caso, encaminho logo para apoio psicológico. Não sou psicóloga, tento só ser essa ponte que encaminha. E dar apoio emocional. Mantenho-me sempre lá, e vou perguntando se está tudo bem com a vítima. Se quiser fazer uma chamada, áudio, mensagem – o que a pessoa preferir. Se quiser encontrar-se comigo, também tenho todo o gosto em fazê-lo.

Para além disso, tento explicar o que é que esta pode fazer, legalmente. Sem pressionar sempre. Sem dizer à pessoa “deves fazer isto”, mas sim, “podes fazer isto”. Informo-me com a nossa equipa jurídica, de forma a apoiar a vítima com todo o tipo de esclarecimentos que precisa, por exemplo, como se enquadra o crime, como é que pode agir legalmente neste sentido, e eu falo com a minha equipa jurídica (também, para que a vítima não tenha que se expor perante trinta pessoas diferentes).

(…) O que é engraçado é que, nós, recentemente, tivemos a fazer uma tabela para organizar todos os casos que já recebemos. Uma das partes da tabela era se o caso já estava fechado ou não. E não existem casos fechados. Isto porque, mesmo que se faça queixa, as fotos, na altura, são eliminadas, mas podem voltar a aparecer. E a vítima continua com impactos sobre o que se passou. Por isso, o caso até pode estar fechado, pelo menos, legalmente. Na prática, não fecha.

Quanto à vossa equipa jurídica, imagina que a vítima quer, de facto, avançar para tribunal. A equipa jurídica dá-lhe esse apoio? Ou auxilia apenas na parte do aconselhamento?

Fazemos a preparação pré-queixa. Nós não temos uma equipa pro bono. Temos advogadas e mulheres profissionais da área do Direito que aconselham e também nos auxiliam nas burocracias, como: preencher uma baixa para o trabalho, ou dúvidas quanto àqueles que são os direitos das vítimas, como o direito ao estatuto da vítima. Respondemos a estas perguntas, damos apoio, e encaminhamos para a Aliança Pro Bono.

Num primeiro contacto com as vítimas, imagino que o sentimento de culpa vergonha derivados de um certo “slut-shaming” esteja bastante vincado nas mulheres e meninas que recorrem ao apoio da “Não partilhes”. Como é que, num primeiro diálogo com as vítimas, as consciencializas de que, primeiro, e acima de tudo, não são culpadas nem devem sentir vergonha por se encontrarem “apanhadas” numa situação deste cariz? Como é que as retiras deste “buraco”/ciclo que é perigoso e martirizante para as próprias vítimas, que advém da reprodução de um discurso altamente culpabilizante para a vitima? Ás vezes até temos este discurso empático para a amiga ao nosso lado, mas connosco somos as primeiras pessoas a apontar o dedo.

É um bocadinho isso que tentamos fazer: que a vítima se coloque numa posição “de fora” da situação dela. Isto não resulta com todas as pessoas. Há pessoas que têm pensamentos bastante conservadores ou sexistas, que não são apenas para elas mesmas, mas para toda a gente. O que costumo dizer é que as mulheres que são sexistas são as maiores vítimas das suas próprias palavras, porque o que elas acham das outras, elas também acham delas mesmas. Se acham que as outras merecem e que se metem a jeito, elas também acham isso delas próprias, se forem as vítimas. Nestes casos, que não são raros, porque muitas mulheres têm pensamentos machistas, que não tem que passar obrigatoriamente pelo “as mulheres devem estar na cozinha”, mas sim, um “eu fui porque quis”. (…) Quando vejo que as vítimas são pessoas que têm pensamentos mais progressistas, tento colocá-las numa posição de fora da situação delas: se alguém estivesse a passar exatamente pelo mesmo que ela, passarias esse discurso de vergonha e culpa? Se não o dirias a ninguém, porque é que o dizes a ti própria?

Sei que a tendência é arranjar sempre justificações que desculpabilizam o agressor, mas não há qualquer justificação para alguém cometer esse crime. (…) Há coisas que nós não podemos prever. (…) Não interessa o que é que nos meteu naquela posição, o que interessa é que nós fomos vítimas de um crime. Acho que todas as pessoas, não só mulheres, se realmente puserem os pés no chão, sabem que nenhuma circunstância é uma desculpa. Se foste violada, foste violada. Não interessa se eras prostituta, freira, se eras uma mulher que já se casou cinco vezes, se tinhas cinco filhos, se não tinhas filho nenhum, se eras uma velha, se eras uma jovem. O que interessa é que foste violada. Eu não quero saber, e a lei também não quer. O que interessa é que foi vítima de um crime (…).

A tipologia de crimes com maior expressão na sociedade portuguesa são: o crime de violência doméstica, e crimes que atentam contra as mulheres. Contudo, parece que todos os crimes, menos os desta natureza, pedofilia, imigração ilegal, etc. acabam por ser alvo de uma maior preocupação e debate no seio da sociedade portuguesa. Como é que se explica este fenómeno, e falta de empatia na generalidade da população perante um problema tão cruel e animalesco?

A parte positiva é que realmente houve um grande avanço, desde há alguns anos, em relação à violência doméstica. Há mais awareness. A lei portuguesa atual até é completa. Quem a emprega, não a emprega da melhor forma, porque fazemos todos parte de uma sociedade machista. Mas a lei é boa, como o nosso Estatuto de Proteção à Vítima. Nem sempre funciona, por causa das pessoas que o empregam, é bom: desde o botão de pânico, direito à baixa laboral, providencia proteção à vítima, a vítima pedir adiantamentos legais (que não integra o Estatuto de Vitima), e ter outro tipo de proteção também.

(…) Agora, não há preparação nem educação por parte da sociedade no geral, incluindo juízes, advogados, polícias, professores. A sociedade, no geral, acho que não percebe a gravidade da situação. E não só a gravidade como a banalização da mesma.

Há certas coisas que nós nem temos em conta. Como, por exemplo, a partilha de conteúdo sexual não consentido. Há 10 anos, isto nem era tido como violência. Era apenas uma situação, ou até bullying. Não, é um ataque à tua sexualidade. Estão a sexualizar-te, mas agora têm o poder de te tirar uma foto e que este momento de violência permaneça durante tempo indeterminado. Nós não temos os olhos abertos para perceber que há muitos mais tipos de violência do que agredir alguém. (…) Querem sempre falar da violência sexual por imigrantes, mas não querem falar dos homens portugueses e dos problemas que causam. Aliás, não penso que a expressão dos crimes de violência sexual contra as mulheres esteja, de alguma forma, relacionado com o crescimento da imigração.

Ultimamente, qualquer utilizador recorrente das redes sociais depara-se com um feed protagonizado por personagens altamente machistas. Estas disseminam uma espécie de “filosofia” do macho-alfa, e de uma masculinidade tóxica, violenta. Como vemos através das notícias (violação em Loures/consequente monetização das imagens da vítima por parte de colegas dos alegados violadores), já está a ser e será um problema no âmbito criminal para as jovens e os jovens de uma geração mais nova, mas que no futuro serão a sociedade portuguesa. É assustador ver que após décadas de feminismo e várias conquistas das mulheres, estas são as gerações futuras (completamente penetradas e marcadas por um hipermachismo podre, violento e empoeirado). Enquanto ativista e feminista, o que pensas sobre isto?

Vi, ontem, um comentário num post da SIC NOTÍCIAS, no Facebook que dizia que era necessário parar de empoderar as mulheres, porque as mulheres, agora, acham que podem fazer o que querem e não precisam de proteção dos homens. É este pensamento dos “incels” e da cultura “red pill” que é: as mulheres estão a emancipar-se, e nós temos de ter uma frente contra isto. Segundo, o lugar da mulher não é este – de andar aí a fazer o que querem. O lugar da mulher é em casa, ter filhos, ser uma traditional wife e e uma máquina de parir.

Não só existe uma grande representação de influencers dessa filosofia junto dos miúdos. Aliás, são influencers que são jovens, mas também entre os 30 e 40 anos. Muitos deles são acusados de crimes, condenados por crimes sexuais, tráfico sexual, violação, e continuam com estatutos de poder, com representantes com pensamentos muito parecidos, no seio do próprio Estado. Por exemplo, o Presidente dos Estados Unidos, que convida o Conor McGregor, que violou uma mulher, para a White House. Aliás, o Instagram da White House, tem no feed um vídeo do Conor McGregor. Ou seja, violadores condenados têm poderes na sociedade. O que isto pinta para os jovens e até para os outros homens é que, das duas uma, ou ele não é criminoso, ou a acusação não é grave. Mostra que ele é um modelo a seguir.

(…) É normal que com estas representações públicas de poder, estas pessoas que estão a cometer estes crimes se sintam representados. Pensam que as suas ações não são más. Se aquele que foi acusado de violação está na Casa Branca, desculpabilizam-se, porque “só” apalparam uma mulher, só “mandaram” um piropo. Existe uma dessensibilização para este tipo de assuntos. Ora o que estes homens pensam é: se muita gente que é poderosa está envolvida neste tipo de crimes, então se calhar estes crimes não ocorrem exatamente como é retratado pelas mulheres, não é?

E esta filosofia de “macho-alfa” é só castradora para as mulheres? Ou os homens acabam por sofrer consequências também?

Acaba por ter consequências para toda a gente. Castra todos os membros da sociedade. Os homens não têm nenhum dever de serem poderosos; de ganharem muito; de mandarem numa mulher; de não chorar; de serem fortes; de acordar às cinco da manhã; meter a cara num balde de gelo; beber um batido; ir 5 horas ao ginásio; fazer um podcast; etc. Calma. Há vida para além disto e não existe nenhum livro que dita o que é que nós temos que fazer. Não é porque és um homem que tens que fazer isto (…). Castra os homens neste sentido, já que (os homens) não podem sair daquela caixa: não podem dizer o que sentem, têm que ser “nonchalant”, não podem querer saber de nada e não falam de sentimentos. No fundo, têm um comportamento para agradar outros homens. Por outro lado, as mulheres também têm que se pôr numa “caixa” para agradar os homens. Ou seja, basicamente vivemos numa uma sociedade virada para o homem, e para agradá-los.

É curioso analisar e comparar esta nova forma que os crimes contra as mulheres assumem. Se antes, o crime que pautava as gerações dos nossos pais desenvolvia-se no meio doméstico, a “portas fechadas” (crime de violência doméstica); o crime de partilha de conteúdo sexual não consentido que afeta e é muito mais incidente, na minha e na tua geração, desenvolve-se na praça pública. Praça pública está, onde onde muitas vezes o agressor não tem qualquer pudor em mostrar-se a cometer o próprio crime (vídeo/TikTok entrevista a alegado violador). Quer dizer, de facto, a sensação que estes homens transmitem é de que sentem uma certa impunidade e de que são intocáveis perante o sistema de justiça português – o que é, no mínimo, revoltante. Como é que se explica este sentimento de impunidade? É de certa forma, pela postura de normalização e aceitação silenciosa que a sociedade tem perante estes crimes?

Como é que se pode explicar que passamos radicalmente para uma sociedade com pessoas sem pudor naquilo que fazem? Eu acho que é um bocado culpa dessa representação que existe. (Os agressores) Conseguem sempre arranjar uma justificação para o que fizeram, e que não foi assim tão grave. Um crime de violação é factual. É forçar alguém a ter sexo com alguém contra o consentimento ou sem o consentimento da pessoa. Não há maneiras de interpretar isto, ok? É o que é. Até com um namorado, no sexo regular, vaginal, se há um momento que já não apetece mais, ele para. Pronto. E somos namorados e estávamos a fazer sexo sim, mas eu disse que não, a certo momento. E ele parou. E está tudo bem. É assim que funciona o consentimento. É revogável. A qualquer momento posso dizer que já não quero. Eu quis, mas já não quero. Não é um contrato da MEO que nós assinamos durante dois anos.

O que eu acho é que estas pessoas acham que este consentimento, violação, assédio sexual, é sujeito a interpretação. Um dos agressores disse que como a menina foi ter com ele, então ela queria. E que por isso, ela não pode dizer que não.

Então isso desculpa o facto de não ter que se ter pudor, é isso?

Ou seja… Claro, ele não tem que ter vergonha, porque a história não é como está a ser contada. Segundo ele, ela não foi realmente violada, é isto que ele quer dizer. Para alguns agressores, uma violação é agarrar a pessoa, tapar-lhe a boca e violentá-la. Há pessoas que acham que a violação é um conceito que cada um sabe, e que dá a sua opinião sobre o que é. É relativo. E não é relativo, é objetivo: alguém não quis e a pessoa continuou. É isto. Por isso, isso pode acontecer de mil maneiras. Sim, pode ser um homem atrás de um muro, desconhecido, que são casos residuais. Mas também pode ser o teu pai, também pode ser o teu irmão, pode ser o amigo do teu irmão, pode ser o teu namorado, pode ser uma prostituta e ser violada também – porque as prostitutas também têm direito a consentir. Se dizem que não ou se não dizem nada, é um não. E as pessoas não percebem que há várias maneiras de violar a intimidade de alguém.

(…) Quanto à impunidade, sentem-se impunes. Já que sabem que, na verdade, até são impunes, não é? Muitos são presidentes, são influencers, são deputados, estão nas ruas. Claro que estes agressores irão manter o discurso de inocência até ao fim. E pelo menos a prova de que gravaram e produziram pornografia infantil, está objetivamente provado. E isso já é um crime por si. E houve consequências? As consequências foram apresentações periódicas e não podem contactar com a vítima.

Mas continuam nas redes sociais.

Sim, sim, sim. (…) Não sou da área do Direito, mas penso que poderiam ter sido impedidos de usar as redes sociais. Essa impunidade é percetível, quando não existe uma resposta, no mínimo, preventiva da justiça. O sentimento de impunidade só vai aumentar. Eles sentem-se impunes porque são impunes. Se estivessem presos, ou sofressem consequências, não se sentiam impunes.

E o facto de não ser um crime público. Um crime é público é uma coisa que afeta toda a sociedade, como por exemplo o crime de violência doméstica. Não afeta só a vítima, afeta também quem vê. Sim, toda a gente pode denunciar isto. É uma responsabilidade moral da sociedade. O crime público normaliza este papel de intervenção da sociedade, porque nos afeta a todos. (…) E é assim que se decide se um crime deve ser crime público. Como a violação e a partilha de conteúdo sexual não consentido não são crimes públicos, ou seja, também não tem esse contingente de que afetam toda a sociedade. Uma foto de uma menor ou de uma adulta ser partilhada por toda a gente é uma coisa que é má para toda a sociedade. Neste momento, este crime é configurado como devassa da vida privada. Se fosse crime público, se calhar os agressores teriam outras consequências.

Houve na altura, aquando da discussão sobre a criminalização da partilha de conteúdo sexual não consentido como crime semipúblico na Assembleia da República, partidos como o Bloco de Esquerda e o PAN que queriam que este fosse um crime público. Havia objeções contra as propostas destes partidos porque, a partir do momento em que o crime é público, é verdade, existe esse lado que tu mencionaste, mas pode existir um risco de revitimização da vítima.

Acho que há sempre uma revitimização. Sempre, de qualquer maneira, porque tanto estas imagens são repartilhadas, como toda a sociedade culpabiliza, tanto por parte dos agentes da lei. (…) Todo o processo de tribunal não devia ser um processo penoso, devia ser uma coisa facilitada. Por isto, há muitas coisas a melhorar antes de se tornar crime público. Tem que haver uma melhor proteção à vítima e mais recursos de apoio à vítima para que (a partilha de conteúdo sexual não consentido) passe a crime público.

(…) Por exemplo, o crime de violência doméstica é crime público, por isso, as vítimas tem direito a sigilo; podem não ir a tribunal e passar o seu testemunho a partir de uma gravação; tem proteção contra o agressor; tem um botão de pânico; tem baixa para o trabalho. Quando saem da esquadra, tem direito ao estatuto de vítima e encaminham-te para as associações onde podes procurar apoio, podes procurar abrigo. No crime de partilha de conteúdo sexual não consentido, que não é considerado um crime sexual, não é um crime autónomo, não é um crime público, não existe nada disto. Vais à esquadra, assinas o papel e vais-te embora. Ou seja, há muitas coisas que precisam de serem mudadas para passar a crime público.

Consigo perceber todos os argumentos… (…) Mas isto não é obrigar a vítima a entrar num processo. (…) Com o crime de violência doméstica (VD), houve exatamente a mesma discussão, de um lado, os psicólogos que eram contra o crime de VD passar a crime público, e do outro, juristas a favor do crime passar a público. Quando o crime de VD passou a crime publico, as denúncias aumentaram, começou a haver muito mais consciencialização, há uma maior proteção das vítimas, desde o estatuto de apoio à vítima – que, como disse, é bastante completo. Só falta mesmo educar os agentes que aplicam a lei, do início ao fim. Mas, de resto, as coisas melhoraram. Houve bons resultados.

Logo esta discussão não é uma questão. Isto já é um crime que é público. Eu não estou a dizer de cariz, estou a dizer que é um crime que é cometido publicamente. A queixa só inicia depois de uma partilha das tuas fotos. Já é uma coisa que é pública. Já, pelo menos, no mínimo, tu, o agressor e outra pessoa já sabem, e já viram. Por isso, num crime de agressão física, só as duas pessoas é que sabem. E tu és a única testemunha. Aqui não. Há várias pessoas que veem as fotos e que podem ser testemunhas.

E o que tens a dizer às pessoas que visualizaram essas imagens (violação em Loures), e/ou até as partilharam e disseminaram no grupo de amigos? Pensas que a sociedade portuguesa é consciente de que tomar essa ação também constitui um crime no quadro penal português?

Não, e a prova disto é que houve 37 mil pessoas a ver antes de haver uma denúncia. Na verdade, houve mais, porque o vídeo foi republicado.

O que é que falta fazer no contexto educativo para que haja uma consciencialização do que é necessário fazer neste tipo de crimes e contexto, o que é que as escolas públicas têm o dever de fazer?

Todas as instituições de ensino, desde escolas a faculdades, de todas as idades, públicas ou privadas, orfanatos têm um dever de falar sobre isto: incluir a literacia digital, o consentimento, o feminismo, o machismo, esta masculinidade hegemónica, todas estas coisas na educação. E que a abordagem destas questões seja vinculativa. Tem de ser imposto pelo Estado, Ministério de Educação, e que seja igual para todos. Por exemplo, toda a gente tem que ter, pelo menos, um mínimo de horas de educação sexual em Cidadania. (…)

Os professores também não estão capacitados, os pais também não estão capacitados. (…) Claro, por isso que a importância da escola passa por aí. Em casa, podes não ter esse apoio, podes ter pais que não são presentes, podes nem ter pais. (..) Por isso a escola tem de ter esse papel, obviamente. É a escola.

Um tipo de discurso que ouvimos, até de forma recorrente, é o da frase “E se fosse tua mulher, mãe ou irmã”. Além da empatia entre seres humanos, poder ser aplicada e não é exigida, apenas quando existe um grau de parentesco entre eles, acabamos por observar que nem mesmo esta condição se aplica, muitas vezes. Prova disto, é o facto de, nos grupos de partilha de conteúdo sexual não consentido (Telegram/Discord, etc.) existirem homens que partilham este tipo de fotos das mulheres, filhas, irmãs, primas, namoradas…. Que explicação atribuís a este padrão de comportamento, e a sua associação recorrente (e justificada) ao ser masculino? É prova de uma profunda desumanização das mulheres?

Já ultrapassamos um limite grave que é: há homens a violar a intimidade das namoradas, das mulheres, das mães, das irmãs, das amigas. Já passámos esse ponto, há muito tempo. Não percebo porque é que nós temos que dar um grau de parentesco ou um grau de proximidade a uma mulher para um homem ter empatia. A empatia deve ser por pessoas em geral, sejam mulheres, sejam homens, qualquer pessoa.

Há vários motivos para uma extrema desumanização das mulheres. Podem ser viciados em pornografia, pensamentos altamente machistas. Eles próprios podem não ter esse respeito pela própria mãe e pela própria irmã. Não têm por nenhuma mulher. Estes homens “incel” e “red pill” pensam que as mulheres que não se comportam segundo os seus parâmetros provocam-lhes nojo.

Agora, respeitar uma mulher é respeitá-la por ser uma mulher. Tens de respeitar um homem por ele ser um homem. Tens de respeitar as pessoas por elas serem pessoas, por existirem. Não tens o direito de atacar a sexualidade dela, ou partilhar nudes dela, ou bater. Tens o direito de deixá-la em paz (…) e seguires em frente. Não sou psicóloga, não sei que coisas é que se passam na cabeça destes homens para fazer este tipo de coisas a pessoas tão próximas deles, mas acredito que muitos agem segundo um sentimento de vingança. Acreditam que essas mulheres merecem isto.

Como é que se transmite as pessoas que o teu papel e o papel da “Não partilhes” não se prende apenas com uma problemática que é jurídica. Trata também um crime que é produto de uma sociedade altamente patriarcal e castradora das mulheres, em todas as suas dimensões (como seres sexuais, no trabalho, em casa, etc.)?

As pessoas costumam dizer que eu sou radical. E eu não me importo de ser radical. Para mim ser radical é ir à raiz do problema. E a raiz do problema é machismo, a sociedade patriarcal e a visão que se tem da mulher, principalmente por parte de homens.

Não podemos estar sempre a focar-nos na minha história. (…) A minha história pessoal não interessa. Nenhuma história pessoal interessa. O que interessa é que eu fui vítima de um tipo de violência e eu não sou só um número. Eu importo como todas nós importamos. E porquê que isto está a acontecer? Há tanto tempo. Não é estranho? Esquisito? Este crime está sempre a aumentar, sempre a acontecer. (…) Começamos a proteger-nos das violações, ligar umas às outras, andar com as chaves no meio das mãos, e do nada já nos podem tirar fotos. Então e agora? Como é que nos protegemos? (…) Parece que sempre que arranjas uma maneira de proteger-te de uma situação, eles arranjam outra maneira de violar a tua intimidade. Então estamos constantemente a correr atrás do prejuízo, porque o problema não é nenhum destes casos em si especificamente, é tudo o que causa isto, como tu disseste, que é o machismo.

Tinha um comentário muito curioso, quando fui a um podcast da Ana Teresa Santos. Tinha dito que o fundamento destes crimes é o machismo. O comentário, em resposta, dizia que o machismo como causa é uma simplificação do tema. E acrescentava que quanto muito o machismo é a forma que estes crimes assumem, e não uma causa. Ora, se o “sexual shaming” é feito com o intuito de reduzir a promiscuidade da mulher, porque existe a ideia, entre homens menos sexualmente ativos, de que se as mulheres mostrarem menos, se forem menos acessíveis e se tiverem menos ou nenhuns parceiros sexuais, então isso aumentará as suas hipóteses de serem suas mulheres ou namoradas. Isto é um pensamento machista, sim. É como dizer que não é táxi, é “chauffeur”. Não é vermelho, é encarnado. É a mesma coisa. (…) O fundamento disto é o machismo.

(…) Aliás, todo o percurso de vitimização da vítima é bastante machista, que é, a pessoa é vítima de um crime e quer dizer, ainda perde o trabalho, ainda tem que sair da faculdade, ainda tem que acabar a relação, ainda tem que se afastar dos amigos. Os conselhos que recebe são todos sobre direcionados para a vítima: passar a ter redes sociais privadas, publicar menos, etc.

Eu estava sempre a receber estes conselhos. Quer dizer, eu sempre publiquei fotos de mim própria, vou deixar de publicar porque alguém partilhou uma foto contra o meu consentimento? Quem tem que esconder a cara é a pessoa que fez isso! Porque é que eu agora tenho que ser uma pessoa mais discreta? Nunca fui!

(…) São conselhos focados no que é que a vítima deve ter feito para ter evitado o que é inevitável. No fundo, para ser uma vítima perfeita a seguir a isto. Tu tens de ser a vítima perfeita, a senhora correta, que sabe falar bem, que não diz asneiras, que nunca fez nada de errado na vida, porque senão mereces o que te aconteceu. (…) Do nada a tua vida está escrutinada. Devemos, obviamente, mudar a vergonha de lado e mudar este escrutínio para o lado de lá. Vamos escrutinar a vida do agressor. O que é que ele andou a fazer? E do nada descobres que afinal… há um padrão. Obviamente que há casos que já havia reflexos, já havia mulheres perto dele a dizer que o agressor agia de forma estranha. Realmente ele sempre teve comentários esquisitos, dizia umas coisas esquisitas em relação às mulheres.

Estes três miúdos (acusados pelo crime de Loures) têm todos historiais públicos. Estava no perfil deles (agora apagaram) a falarem assim (de forma ofensiva) de mulheres. (…) Não acho normal que a tua resposta sobre a coisa mais louca que tu fizeste seja mostrares uma nude de uma rapariga. A seguir, ainda mostras o vídeo à câmara, e mesmo depois da edição do vídeo, não pensas em retirar essa parte. E publica-lo! (…) Depois ainda vens dizer para a internet que és inocente. (…) Se calhar, o conceito de “inocente” no dicionário destas pessoas, também é subjetivo.

(…) Tentam sempre usar palavras para minimizar o crime. Odeio isso. Foi um “erro”, foi uma “situação”. Não, foi um crime. Um crime. Público. Nós vimos. Tu mostraste.  As pessoas estão a falar de ti porque admitiste publicamente.

Esta dinâmica entre a produção da legislação por parte das instituições e a forma como o crime opera/ desenvolve acaba por ser uma corrida bastante desigual: onde as instituições tentam acompanhar, a passo lento, o desenvolvimento acelerado das novas vertentes por onde este crime se edifica. Como é o caso da IA, e dos deepfakes. Um Deepfake é uma técnica de manipulação de medias, como vídeos, imagens e áudios, utilizando inteligência artificial para criar ou modificar conteúdos de forma realista, fazendo com que pareçam ser reais, mas que na verdade são falsos. É frequentemente usada para substituir rostos, modificar falas ou criar cenas que nunca aconteceram. Existe legislação, ao nível da UE, para a utilização dos deepfakes (com cariz sexual)? Como devemos legislar/reagir enquanto “users” na internet, se nos depararmos com este tipo de conteúdo?

Estamos constantemente a correr atrás do prejuízo, porque não estamos realmente a prestar atenção ao problema. Não estamos a ouvir as vítimas. Não estamos a acreditar nas vítimas. Não estamos a ouvi-las, e a perceber o que realmente se passou: Não estamos a perceber que realmente é estranho todas as mulheres terem uma situação de agressão sexual durante a vida. (…) Pode ser um piropo, um assédio, um comentário, uma sexualização, uma objetificação, até uma violação, um apalpão, um encosto, um toque. Garanto que todas as mulheres, ao longo das suas vidas, acabam por passar por isto. E como é que isto não é estranho?

(…) E mesmo assim não se fala de feminismo. Feminismo? Essa palavra é extremista. É melhor “Igualdade de género”. Não, há que chamar as coisas pelos nomes. É machismo e é feminismo. A luta contra o machismo é feminista. Todas as pessoas que lutaram pelos direitos das mulheres, tanto homens quanto mulheres, eram feministas. E está tudo bem, temos de falar sobre isso, temos de falar nas escolas, temos de educar os nossos miúdos, que se tornem adultos capacitados e que não se tornem adultos completamente dessensibilizados.

Nós, como Estado, acho que não temos mesmo a preocupação nem noção da gravidade do problema, e de como é que isto afeta as pessoas. Há mulheres que morreram, ou que tiraram a própria vida por causa disto.

Os recursos humanos (para responder a este crime) não são suficientes. O interesse das pessoas não é suficiente. Por isso, o interesse do Estado não é suficiente. É uma bola de neve que nunca mais acaba. Mas o resultado é este: um fraco apoio às vítimas. (…) E as vítimas são a população, logo deviam ser uma preocupação do Estado.

Há mecanismos, só não são implementados. Por exemplo, na Netflix quando tentas gravar conteúdo, o ecrã fica preto. Não consegues fazê-lo. Porque é que não temos isto no Instagram? Tik Tok? OnlyFans? Porque há pessoas que estão a lucrar com isto, que são as empresas de Big Data. Lucram com este tipo de partilha, com a disseminação deste tipo de conteúdo que é muito mais controverso e cria mais discussão, e por isso mais utilizadores. O referente de utilizadores (nestas plataformas) cresceu, exponencialmente, em muito pouco tempo.

(…) Nós, Europa, somos os maiores fãs dos EUA. Ou seja, se eles se radicalizam, nós também. Fala-se de coisas extremistas no Twitter dos EUA, pode não chegar cá com esse tom, tudo, mas chega parte disto.

Há uma falta de cuidado, não percebo porque é que se demora tanto a atualizar as coisas. O RGPD foi criado nos anos 2000 e foi atualizado pela primeira vez em 2022. Houve o maior salto tecnológico da história do mundo nestes anos. Mas temos uma lei que foi atualizada apenas em 2022. Apareceu o Facebook, o Hi5, o MySpace, o Tumblr que já tinham conteúdo violento de forma explicita. Quando se pensou em criar algum tipo de proteção, foi a sociedade civil que se começou a mobilizar. Começaram a ir às escolas, e a falar disto, mas eram muito poucos. E continuamos a ser muito poucos, passado 25 anos desde que apareceu o RGPD.

Achas que estamos mais próximos do Me Too português?

O Me Too português já aconteceu.

Achas que aconteceu efetivamente, ou seja, que houve de facto consequências reais para essas pessoas que abusavam do poder?

Eu estou a ver grandes mudanças na sociedade e uma delas é esta consciência social e responsabilidade. As pessoas estão a emancipar-se e a estranhar mais estas situações e a reagir. E eu adoro isso, porque infelizmente quando não há justiça legal, deve haver justiça social.

(…) Se não estás a sentir isso (consequências), legalmente, então que sintas repúdio de toda da sociedade. E isso está a acontecer, por isso eu acho isso incrível. Para mim é mesmo das maiores mudanças que eu vejo. Mas, como te digo, não estou a medir isto com métodos objetivos. O que eu vejo é: pessoas a movimentarem-se e a mobilizarem-se muito mais contra este tipo de coisas.

Como podemos demonstrar apoio à “Não partilhes”?

Então, estando atentos aos posts, falando e sugerindo a “Não Partilhes” a alguém que precisa de ajuda. Ou só falando, caso alguém precise. (…) Podem convidar-nos a ir à vossa escola dar uma palestra. Podemos fazer alguma ação conjunta também, dinamizar algum workshop. Podem sugerir a página do “Não Partilhes”, em termos gerais, também para que as pessoas estejam atentas aos vários esquemas que existem. Até porque não se trata só de pessoas que já foram vítimas, mas também as que podem vir a ser. E estarmos atentas.

Para além disto, a melhor forma de ajudar a “Não Partilhes” é nos ajudarmos como sociedade, termos conversas abertas em relação a esta questão da violência sexual contra as mulheres, da violência sexual com base em imagens. Se virmos a alguém a dizer alguma coisa que culpabiliza da vítima, agirmos contra. Dizermos que isso não está certo. (…)

Começar a fazer sentir a quem é agressor e a quem defende os agressores, o mesmo que as vítimas… ou o mesmo que eles queriam que as vítimas sentissem. Isto é, a vergonha, o isolamento. Eles queriam que as vítimas sentissem isto, então será isto que eles vão sentir.

Em honra do título do nosso jornal “desacordo”, além dos fanáticos pelos Andrew Tates e Elon Musks desta vida, qual é o teu eterno desacordo?

Acho que nem te vou conseguir dizer qual é que é o meu maior (desacordo), porque parece que a minha linha de desacordo está cada vez a ser mais fácil de ser ultrapassada. Agora, para mim, já há coisas bué subliminares que eu já fico desconfortável. Coisas simples como apenas seguir o Andrew Tate, o Elon Musk ou o Donald Trump. Aqui em Portugal também tens muitos exemplos, que não vou referir. (…)

No entanto, eu estou tão feliz de que isto esteja finalmente a cair nos olhos do público e que haja um impacto nas pessoas. Falava disto e as pessoas diziam que eu era maluca. Dizia que um seguidor do Andrew Tate é má pessoa porque seguia esta celebridade. E as pessoas diziam mesmo que eu era maluca. Quer dizer, é uma pessoa que trafica sexualmente pessoas e admite-o. Alguém que segue isto e que diz que ele é o maior, claro que não é uma boa pessoa. E até pode ser uma pessoa que, agora, nem age sobre esses pensamentos. Mas ele tem esses pensamentos! Por isso, o que é que isso interessa? As pessoas pensam, e um pensamento já é um conceito na tua cabeça. Obviamente, que irás agir sobre eles, eventualmente. E mesmo que não haja, as suas palavras têm peso. Então, os meus maiores desacordos acho que são esses três homens. Amostras de homens. Esses três protótipos de pessoa.

E esta questão de que, de facto, as nossas referências mostram a nossa personalidade. E que ignorar isso é perigoso. Ignorar que alguém gosta de uma pessoa de extrema-direita, é ridículo. Até vou para além disso, eu ignorar que alguém agrediu uma mulher ou violentou uma mulher de alguma maneira, porque é o meu ídolo, é algo a ter em atenção sobre alguém. Porque se violentar uma mulher não é um motivo suficiente para deixar de admirar alguém, é porque, se calhar, não acha que isso seja assim tão grave.

Por exemplo, ouvir Chris Brown. Não digo partires a rádio porque está a dar uma música dele, pronto, acontece. Agora, mostrares publicamente que ouves a sua música. Este homem teve, todos os anos, um escândalo quanto a agredir uma mulher, nos últimos 7 anos. As últimas 4 namoradas dele fizeram queixa dele, foi uma queixa de agressão física. (…) Aqui não dá para separar a arte do artista, a meu ver. Senão estas coisas vão ficar normalizadas. O Chris Brown continua a fazer música, e foi o top 20 de artistas mais ouvidos, no ano passado, por isso…

Escrito por: Teresa Pereira

Editado por: Catarina Soares

Deixe um comentário