Afro Fado de Slow J, lançado a 24 de Novembro de 2023 é tanto o álbum mais recente, como o mais célebre do artista até ao momento. Contando com milhares de streams, o álbum obteve o maior número de reproduções no Spotify no próprio dia de lançamento, até à data.

Este álbum conta com mais de 100 milhões de streams e 14 composições da sua autoria, envolvendo featurings como Gson e Teresa Salgueiro. É igualmente importante frisar que Tata alcançou, em Março de 2025, “Disco de Platina” pela sexta vez, ultrapassando já as 10 milhões de streams em todas as plataformas músicais.
A capa do álbum foi pensada até ao último pormenor, simbolizando através do aperto de mão entre Amália Rodrigues e Eusébio, a união e também a difusão cultural.
Afro Fado é um manifesto íntimo e coletivo. É um cruzamento de raízes, onde o fado português e a cadência afro se entrelaçam, dando voz a um artista que carrega e representa a identidade de muitos. Através das suas letras e produção, Slow J (pseudónimo de João Coelho) não apenas se encontra, mas também nos convida a refletir sobre temas atuais como a pertença, a luta e a transcendência. A luta pelo sentido da vida e a procura por experiências mais profundas e gratificantes.
Trata-se de um processo que nos é entregue a partir de Reza, em que o cantor deseja transcender a superficialidade e encontrar o significado da vida, contrastando-o com satisfações imediatas e superficiais “Reza p’ra sentir algo mais, pornografia/ Reza p’ra esquecer onde estás, tu já sabias“, sendo a pornografia um bom exemplo disso.
Desde o primeiro momento, o álbum estabelece o tom: uma jornada pessoal que é, simultaneamente, universal.
Em Origami confessa: ”Arrogância minha/ De querer interpretar astros/ Quando nem sou bom entendedor do meu próprio espaço“. Aqui, o artista expõe a sua inquietação existencial, a busca pela identidade, já que lhe é impossível compreender os outros sem se conhecer a si mesmo, nem o contexto em que se insere. Em contrapartida, “Eu ’tou sempre a tornar-me, e isso é facto“, faz transparecer aquilo que é a natureza de Origami, a capacidade de se moldar e adaptar às várias formas que a vida leva. Na maioria das músicas, de diversos outros cantores, há uma fixação na melancolia de não ter um lugar que se possa chamar de casa, levando ao eterno sofrimento em vez de uma explicação.
Slow J, em Terra, procura esclarecer-se por não ter um local de conforto, ao invés de se lamentar sem procurar mudança, “Quero que a minha terra volte/ E não entendo porque é que ela não volta“.
A musicalidade do álbum é um reflexo da difusão que Slow J encarna: as batidas e influências afro misturam-se com a melancolia do fado, estando esta presente em Seda: “Entre beijos de seda e palavras que ferem” e Ultimamente, “Plantámos sementes/ Mas cresceram tantos caminhos pra andar“. Abordando a dualidade e complexidade de relações pessoais e frustrações metafóricas, simbolizando “palavras que ferem” e “caminhos”, divergências que levaram ao fim de um relacionamento. Complementando o melancólico, os vestígios de amor estão, contundo, vivamente presentes nas suas composições como símbolo de esperança, “Quero ser o velho que o meu avô é e fazê-lo contigo/ Vivê-lo contigo” (Origami) , procurando um reencontro e futuro para os dois. Ou seja, embora haja conflitos, a fé num final feliz permanece.
Temas sérios como a dependência emocional são mencionados, sendo Sem Ti uma composição que explora a vulnerabilidade numa relação. As cordas adicionais de FRANKIEONTHEGUITAR trazem uma certa sonoridade à introspeção lírica. “E eu vou ter de aprender quem eu vou ser/ E vencer por mim próprio“, reforçando a importância da família no processo de cura “Família é família p’a te encostares/ Porto de abrigo p’a tempestades“.
Diretamente relacionado com a questão da cura após um relacionamento conturbado, está a saúde mental. É uma guerra que ninguém vê. Slow J em Cabeça, reconhece que a mente é uma maldição e um desassossego em diversos aspetos, como no amor, “Em tempos lutámos p’a vermos se amar dura/ E em tempos pacatos mantemos a armadura“. Isto simboliza a disparidade entre o início e a decadência de um relacionamento, em que, com o passar do tempo, se forma uma armadura (mecanismo de defesa contra futuras batalhas, ou até sobre si mesmo).
Sereia ilustra, ao contrário de praticamente todas as músicas de Afro Fado, temáticas variadas numa só composição. Reflexões estas desde a influência do passado “Se agora o passado te volta a dizer“; assim como sentido da vida simbolizado metaforicamente por “boleia” (“A vida é de quem se tu vais à boleia“). Do dilema de amor “Não voltar pra onde o amor já não te quer” até à superficialidade da realidade em que vivemos (“Os intervalos tão maiores do que as partes do filme/ Eu ouço, é quase tudo publicidade“).
A identidade luso-africana, as referências à colonização e as dinâmicas da diáspora são temáticas que condecoram o álbum, sem nunca serem tratadas como algo óbvio, ou seja, são composições muito à base das “entrelinhas” e reflexão. Esta característica emblemática é incorporada em Nascidos & Criados: “Tuga é rectangular, os lados foram imaginados/ Ainda ’tou pa’ encontrar/Quem ande à chuva e não se molhe“; CorDaPele: “Tu pensas na cor da pele como a capilar/ Essa é a razão do nosso som/ Combinações de cada raça e cada tom“; Pirâmide: “Agora tu aproveita, já foste tão pisado lá embaixo/ Que agora chegou a tua hora de pisar” onde as fronteiras e identidades nacionais são questionadas e onde a inclusão e a igualdade são promovidas.
Afro Fado não é apenas introspectivo, como apresenta um equílibrio entre o melancólico e a celebração.
João Coelho assume as suas raízes angolanas e orgulha-se dos seus antepassados, sendo Tata prova disso. O cantor reflete sobre a sua figura paterna e as dificuldades que enfrentou “Já nem me lembro da primeira vez que a cota disse/ ‘To cota tá cansado, o cota ‘tava triste“, reconhecendo a resiliência do pai que, mesmo cansado, sempre persistiu. É também um apelo ao retorno às suas origens, “Um dia eu vou tomar a banda de assalto/ Pra matar saudade, pra gente voltar“. Refere-se a um “assalto” pela radicalidade desta ação, já que sente a sua própria identidade escapulir pelas circunstâncias da vida e pela longinquidade das suas raízes. Por fim, apela a uma mudança cultural e social no país, referindo Dino D’Santiago (artista Cabo-Verdiano), “Se o Dino falou em mudar o hino, falou/ Bro, já ’tou a falar demais“.
Este álbum tem também momentos de pura energia e celebração, como em Where U @, onde o ritmo e a lírica se soltam, fazendo-nos sentir a vitalidade das suas origens e o otimismo em enfrentar os desafios da vida “Tou no meu bairro a treinar pa’ correr o mundo“. Assim sendo, Slow J evidencia a sua motivação e a paixão que o move como artista na procura de maior sucesso na sua jornada musical a partir de Fogo, “Lá p’a cima vais ver como é que a vista traz paz/ Depois diz-me, vais querer passar a vida a baixares-te“.
Este álbum é uma fusão de rap, soul, fado e influências africanas, criando um som único e inovador.
As letras são cruas, líricas e honestas, refletindo não só a história de Slow J, mas também a realidade de muitos que se sentem divididos entre diferentes culturas e expectativas sociais. No final, Afro Fado é um manifesto de autenticidade em que Slow J não finge ser algo que não é, abraçando as suas origens, expondo as suas dúvidas e transmitindo a sua verdade. O álbum convida o ouvinte a refletir sobre as suas próprias raízes, sonhos e lutas. Um excelente exemplo de conciliação entre dor, esperança e destino, com Portugal na voz e a mensagem a ecoar pelo mundo.

Este artigo de opinião é da pura responsabilidade da autora, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.
Escrito por: Madalena Cardoso
Editado por: Matilde Bruno


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