Uma Ode ao estudante deslocado

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Escrevi este texto a 10 de fevereiro. Um mês depois, a música “Deslocado” dos Napa ganha o Festival da Canção de 2025. Desde que a ouvi pela primeira vez, não passo vinte e quatro horas sem que este hino de três minutos e seis segundos sobre saudade embale os meus ouvidos. É um abraço que aconchega em notas musicais.

Agora, deixo-vos a minha versão de um hino à saudade, em palavras, na pele de uma estudante deslocada:

Se em 3 anos de licenciatura (depois de 30 unidades curriculares), há um pensamento que cada vez mais se tem cimentado como um axioma é o seguinte: o ensino superior português não é universal, não é acessível, e cada vez menos cumpre a sua missão como elevador social- trata-se sim de um privilégio em forma de canudo.

Não sou natural de Lisboa, quis frequentar o curso de ciência política, que só faria sentido no centro do poder político nacional.

E assim se concretizou. Em 3 anos de licenciatura, passei por quatro empregos diferentes, três quartos alugados, duas psicólogas e um burnout severo. Durante muito tempo fui a única que suportei as minhas contas, a minha renda. Com três empregos ao mesmo tempo, juntamente com as minhas responsabilidades académicas (que dificilmente, ia cumprindo).

Contudo, apercebi-me que a minha situação não era de todo excecional, rara ou pontual. Conheci alunos que faziam pelo menos 3 horas de transporte para chegar à faculdade; que se deslocavam das suas cidades natais para Lisboa todos os dias, porque a rotina extenuante era preferível às rendas exorbitantes de quartos com 10 m2; casos em que o part-time mal pago os impossibilitava de serem excelentes naquele que foi o principal desígnio, pelo qual se mudaram para Lisboa em primeiro lugar.

Se estudar no ensino superior tende a ser um percurso trilhado por muros e obstáculos (ou similar a subir até à Graça  com scarpins), caminhá-lo enquanto estudante deslocado é fazê-lo de joelhos, sem a promessa de Fátima por cumprir. Desde todo um par de responsabilidades que recaem sobre nós do dia para a noite: a preocupação do cartão de débito não ser recusado na caixa do supermercado, quando na fila de pagamento; os senhorios chatos; os aumentos de renda imprevisíveis; a pouca sensibilidade e compreensão dos professores que nos avaliam; passarmos a construir do zero toda uma outra “safety net “ num lugar que mal sabemos por onde começar a apalpar; a bagagem emocional que trazemos no porão com saudades dos domingos de família, das datas importantes que não estamos lá, do animal de estimação que já não nos acompanha…

Acima de tudo, um sentimento que chateia, que mói, que cria angústia de não se pertencer bem a lugar nenhum, e carregar vários tijolos de casa que já não são bem casa.

Ah…. a espécie rara dos alunos deslocados: pouco compreendida entre os corredores das universidades, numa matilha entre eles, e que traz as palavras de Variações cravadas ao peito:

“Vou continuar a procurar

A minha forma

O meu lugar

Porque até aqui eu só

Estou bem aonde eu não estou”.

Este artigo é da pura responsabilidade da autora, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.

Escrito por: Teresa Pereira

Editado por: Sofia Isidoro

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