Sonhos que se perdem: O refém esquecido na Guerra que não tem fim

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A promessa de libertação dos reféns em uma guerra é como um relógio quebrado: sempre anunciam que está prestes a acontecer, mas nunca se concretiza por completo. Em um ciclo de esperança frustrada e negociações que se arrastam, a verdadeira liberdade parece cada vez mais distante, tanto para os reféns quanto para aqueles que aguardam. E no meio disso tudo, fica a pergunta: quem será o próximo esquecido?

Crônicas fictícias, mas muito provavelmente reais, que escrevi a pensar nos que são esquecidos.

Janeiro, 2025
Poderia ser uma manhã tranquila, em que os raios de sol acariciassem as águas cristalinas do mar Mediterrâneo. De longe, sentados em cadeiras de praia, contemplaríamos o céu azul, típico de um dia de verão, a temperatura seria 30 graus, ideal para um mergulho. Mas a verdade é que o medo mudou o nosso olhar. O que antes era beleza agora é silêncio e vazio. Antes, eu admirava o mar como quem encontra refúgio, nadava e sentia me parte, hoje, temo que meu fim seja no seu fundo, misturado com a escuridão. Essa sensação… poderia compará-la a um filme de terror, onde os gritos ecoam incessantemente. No entanto, de forma estranha e perturbadora, eu me habituei a esse som, assim como os alarmes de mísseis. Uma pessoa habitua-se até ao terror. Não sei mais como interpretar tudo isso, logo eu que sempre tive muitas palavras à vista, assim como a ponta da caneta. Hoje tornei-me frio e sigo às ordens. O tempo parou para mim.

Fiquei preso na lembrança do momento em que cheguei a este cativeiro, congelei ali naquele segundo. Pegaram-me a fotografar e a escrever as atrocidades que se passam aqui. Para mim, o mundo congelou há 15 meses. Ouvi rumores de um cessar-fogo, mas já não sei no que
acreditar, não entendo o que eles dizem, mas a sobrevivência nos faz entender os sinais, até os mais difíceis, fazemos de tudo para nos manter vivos. Aqui parece que voltamos a ser seres não pensantes, fazemos o que nos mandam e abecedemos pelo medo. A cada dia que passa somos mantidos reféns, eu já pensei em tudo, mas eu lembro da minha filha que me espera. Aqui nesta sala somos 15, não podemos falar porque o medo cortou a nossa língua e a nossa fé se perdeu, dissolvida junto com a misericórdia de Deus.

Lembro-me de quando era criança, sonhava ser escritor. Tirava fotografias do mundo ao meu redor para congelar os momentos, escrevia sobre elas em detalhes e dava asas à minha imaginação adolescente. Era a minha forma de exorcizar os pesadelos que me assombravam. Mas hoje, essa memória tornou-se a minha inimiga. Não sei como conseguirei esquecer tudo que vi e vivi aqui, porque é mais forte do que eu, congelo cada imagem de terror e não a esqueço. Esta maldição me trouxe até este lugar, mas o meu trabalho é para as pessoas. Fotografo e deixo que o mundo veja a realidade, que interprete através de seus próprios olhos. Sempre fui imparcial, adotei uma ideologia onde as pessoas são livres para formar a sua opinião, mas passado 15 meses o que houve com o mundo? Ninguém mais se sensibiliza, esqueceram-se de nós?

Nunca imaginei, quando era apenas um menino com sonhos, que isso me levaria a ser refém de uma guerra em terras estrangeiras. Perdi muitos amigos. Alguns foram mortos como exemplo, outros sucumbiram lentamente à fome e às doenças. Quando criança, os pesadelos me atormentavam e escrever era o meu alívio. Agora, sinto que só me resta a alma e o meu dia de encontrar a escuridão. E mesmo assim, com esforço sobre-humano, tento manter viva a memória. A lembrança de um céu azul. De uma praia serena à beira do Mediterrâneo. O som das ondas quebrando, o calor do sol quente tocando a minha pele… sendo apenas um dia de verão.

Nota: A autora escreve em português do Brasil

Este artigo é da pura responsabilidade da autora, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.

Escrito por: Amanda Borges

Editado por: Sofia Isidoro

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