De caráter flexível, pouco claro e dependente da disposição dos atores políticos para sua aplicação, o tão alardeado “Rules Based Order”, vem sendo constantemente citado por países ocidentais em contextos de crises no Sistema Internacional. A escolha pelo RBO, em detrimento do uso tradicional do termo Direito Internacional não parece ser apenas uma opção de caráter semântico.

Fonte: The Economist – Ilustração: Álvaro Bernis
Rules Based Order, frequentemente traduzida para o português como “ordem internacional baseada em regras”, tornou-se um termo de uso reiterado por líderes ocidentais nos últimos anos. Apesar de tentar emular um caráter jurídico, de acordo com Anne-Cécile Robert, em artigo para o Le Monde Diplomatique Brasil, o “rules based order” se apresenta como “Vaga e desprovida de bases teóricas sólidas, essa “ordem multilateral” visa perpetuar o domínio dos Estados Unidos e de seus aliados sobre os rumos do mundo”.
A opção por determinado termo não cai em um vazio no campo político do Sistema Internacional, testemunhando uma crescente contestação da liderança dos Estados Unidos e demais países do bloco ocidental, maioritariamente pelos países do Sul Global. O tradicional Direito Internacional que, na maioria, recebeu um acréscimo de normas e princípios, formando a já conhecida Ordem Internacional Pós-Segunda Guerra Mundial, parece ter se tornado um estorvo político-jurídico para o ocidente. A sua manutenção e cumprimento tem se demostrado como custosa, visto que, atuar dentro do seu escopo, parece trazer uma limitação, suas violações trazem grande impacto e mina o capital político desses países.
A manutenção do capital político do ocidente e sua capacidade de influência, tem se deteriorado com expressiva rapidez, muito ligado pelas constantes violações ao Direito Internacional, estabelecidos pela Ordem Internacional Pós-Segunda Guerra Mundial. Os casos mais marcantes da década de 90 incluem as ações no Kosovo, Iraque e o mais emblemático genocídio em Ruanda, onde a comunidade internacional foi incapaz de promover uma resposta adequada a tempo de salvar as milhares de vidas. Posteriormente, as invasões e Guerras no Iraque e no Afeganistão, onde sistemáticos crimes de guerra foram reportados durante o processo, seguido de uma sistemática perseguição e aplicação de sanções ao Tribunal Penal Internacional, por parte dos Estados Unidos.
Os casos separados realçam um regime perigoso para se estabelecer, onde as regras são estabelecidas, não pelas normas e convenções, que foram formadas pelo Direito Internacional, mas pela conveniência ou não da sua aplicação. A escolha da abordagem e a forma de aplicação estabelece uma lógica aplicada contrária ao da universalização dos direitos e principalmente das obrigações dos seus signatários. Implementando assim, um verdadeiro regime de exceção, onde em determinados países, regiões, grupos religiosos ou etnias, não usufruem de seus direitos em sua plenitude ou são despojados do mesmos a partir de narrativas que buscam uma justificativa para determinada violação.
A tentativa de implementação de uma lógica alternativa ao Direito Internacional, visa principalmente buscar uma legitimação e um caráter jurídico, para um termo que frequentemente se demonstra vago e generalista, não estabelecendo suas normas, menos ainda por não se estabelecer como um instrumento normativo debatido amplamente. Apresentando-se não como uma sugestão de atualização do Direito Internacional, mas sim de adequar as ações questionáveis e/ou as violações de determinado grupo de países, em um novo paradigma, onde suas ações sejam justificadas e amparadas por um novo conjunto de regras, mesmo que essas tenham um caráter informal e flexível muitas das vezes.
O perigo de se aventurar em zonas cinzentas e de difícil definição, não traz apenas riscos para aqueles que muitas das vezes não participam nos grandes debates ou das construções das narrativas, mas também para aqueles que a tentam implementar. Em um mais novo desdobramento da política no cenário internacional, o novo Presidente dos Estados Unidos tomou posse nas primeiras semanas de janeiro de 2025. Porém, antes mesmo deste tomar posse, já externalizava alguns dos seus principais objetivos para o seu novo mandato na Casa Branca. Com a justificativa de ser um fator diretamente ligado a segurança nacional, o mandatário declarou que seria necessário tomar o território da Gronelândia.
As questões agora foram lançadas para os líderes europeus. Como abordar a questão de uma anexação e/ou ocupação ilegal de um território? Seguirão pela primazia do Direito Internacional e contrariar seu principal aliado político e estratégico ou aplicar a mesma lógica de atuação quando estas mesmas atitudes foram implementadas em países não europeus? Talvez seja o momento de retirar das gavetas os arsenais de declarações pré-preenchidas — We are very concerned about the development of actions promoted by… — para contra-atacar as investidas dos Estados Unidos.
Para ser estabelecido um regime do Direito Internacional minimamente estável, o que se espera de seus atores, é o cumprimento integral das normas e convenções, de modo que estas sejam aplicadas a todos, em caráter universal e sem exceções.
Este artigo é da pura responsabilidade do autor, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.
Escrito por: Vanderson de Castro
Editado por: Matilde Bruno


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