“A perfeição não interessa nada, a perfeição é super desinteressante, porque se não ficamos todos iguais” (Júlia Pinheiro). Numa tarde igual a todas as outras, estou a lanchar e ouço esta frase. Algo nela despertou em mim o impulso de escrever sobre um tema que me toca tanto.

Desde os primórdios da história do ser humano, que existem padrões corporais e de beleza em todas as sociedades. Sim, vou ser mais uma pessoa a falar deste tema, e sim, mais uma vez vou debruçar-me sobre o género feminino. Sendo mulher, não tenho outra opção se não relatar a minha pequena grande experiência.
Em qualquer sociedade, a imagem da mulher está intrinsecamente ligada à conceção de beleza (Novaes e Vilhena, 2003). Neste sentido, as mulheres buscam constantemente atingir esta conceção. Na época dos caçadores-coletores até à sua aquietação num único espaço, o padrão corporal ideal de uma mulher seria em formato pera, aliás, quanto mais roliça mais interessante se tornava. Já na idade média, a mulher mostrava-se pouco vaidosa, com curvas escondidas debaixo de vestidos longos e também os seus cabelos debaixo de chapéus e tocas. O objetivo seria atingir a imagem de uma mulher de “Deus”, uma mulher que se “preste” e uma figura o mais possivelmente angelical. Depois, com a chegada do Renascimento e da exaltação da emoção, da irregularidade e da representação do nu, as mulheres despiram-se e a pele completamente branca, com cabelos longos e louros, tornou-se outro ideal. Séculos depois, com o desenvolvimento do cinema, o molde da mulher ideal transformou-se com a grande estrela Marilyn Monroe, que tinha uma pele delicada e perfeita, branca, cabelos louros, seios protuberantes e uma cintura vincada e larga. Ora, padrões de beleza alteram-se de acordo com o tempo e com as exigências da sociedade. Mas, não é apenas assim, os padrões alteram-se com a cultura. Podemos identificar hoje diferentes tipos de beleza em contextos culturais diferentes. Por exemplo, na Índia, o padrão de beleza feminino é uma pele extremamente clara, cabelos longos, lisos e bem cuidados, olhos grandes e chamativos, maquilhagem muito forte, e acessórios tradicionais. Por outro lado, na França o padrão são mulheres magras, com pouca maquilhagem e com um cabelo despenteado.
“Lá vem mais uma chata criticar as redes socias”, pensas tu. Mas não é bem assim: eu como jovem que sou, sou uma usuária constante deste meio. Mas tenho plena consciência de que as redes sociais ampliaram os padrões corporais e de beleza. E estes padrões de beleza, definidos pelas redes sociais, deixam de ser apenas um, para serem vários. Tudo o que vemos são corpos “perfeitos”, silhuetas marcadas, peles intactas, cabelos sedosos, mulheres completamente produzidas, mas de forma “natural”.
Aqui começa a minha experiência. Desde sempre fui uma mulher magra, alta e com cabelos encaracolados. Na inocência e ingenuidade de uma criança, sempre adorei a maneira como era, sempre me senti linda e super vaidosa. Contudo, o panorama mudou drasticamente ao entrar na escola. Como disse, a sociedade é regida pelas redes e foi isso que senti e sofri até me considerar uma adulta, que na verdade nem sei se já o sou. O problema começou por ser o meu cabelo encaracolado, que logo passei a alisar. Depois, perto dos 8 anos, para além do cabelo eram os dentes, eram as roupas, era a minha voz… Bom, como boa mulher que sou, mais uma vez tentei adaptar-me a tais exigências. Escondi o meu sorriso. Falei pouco. Mais tarde, perto dos 11 anos, mudei de escola e já não podia ser uma menina que adorava Hello Kitty. Nessa altura, no entanto, o maior problema que encontraram em mim foi o meu corpo. Eu era magra, não tinha uma silhueta já formada e vincada. Como é possível uma criança ser magra? Mais uma vez, a minha determinação para buscar a perfeição moldou-me. Passei a usar roupas mais crescidas e a tentar esconder o máximo possível a minha magreza. Mesmo assim, até aos meus 16 anos, tudo o que ouvi foi: “És uma girafa…Não tens rabo nenhum…És tão magra…Que corpo feio…Não podes usar esse vestido, não tens corpo para ele.” E com isto, uma jovem um dia inocente e que se achava linda passou a odiar-se por não ser perfeita.
Como é que é possível tamanha exigência de uma criança?
Os comentários nunca mais vão parar. Todas as mulheres, sejam da forma que forem, nunca serão perfeitas. Existe sempre uma mais bonita, mais gorda, mais magra, mais feminina, mais elegante ou mais chamativa. Toda a sociedade sofre do mesmo mal: a perfeição. Toda esta pressão estética e comportamental originou doenças como a bulimia, a anorexia, a compulsão alimentar, a ansiedade, o pânico e a depressão.
Seria de se esperar que, em pleno século XXI, depois de grandes conquistas que decorreram do feminismo, do suposto poder que finalmente temos, dos direitos e deveres que adquirimos e da liberdade que conquistámos, que uma mulher pudesse escolher como quer ser, como se quer vestir, que corpo quer ter, que maneira de falar pretende, que trabalho escolhe, que vida opta, tudo. Que pudéssemos escolher tudo que é nosso, pudéssemos estar livres de expectativas, padrões e exigências, seja de quem for. Neste momento, toda a essa liberdade e direitos que supostamente temos é algo encenado. A nossa única opção é ignorarmos, cuidarmos da nossa saúde mental e termos confiança em quem somos.
Tentem fazer isso e um dia contem-me como correu.
Este artigo é da pura responsabilidade da autora, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.
Escrito por: Margarida Amaro
Editado por: Pedro Cruz

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