Sobre Redes Sociais, com Keegan Lee

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No passado dia 14 de novembro, tive a oportunidade de entrevistar Keegan Lee, jovem autora de 60 Days of Disconnect – A Personal Perspective of How Social Media Affects Mental Health, escolha da revista People para “Raparigas que Estão a Mudar o Mundo” em 2024, investigadora, premiada ativista na área da saúde mental e oradora num dos painéis da Web Summit 2024 organizada em Lisboa, sobre o espaço digital social.

Web Summit

O mundo digital veio alterar grandemente a expressão e o entendimento das relações interpessoais e da própria noção do eu. As redes sociais, tal como as gigantescas redes dos grandes navios de pesca, capturam milhões de vidas, moldam comportamentos e emoções, e deixam para trás um rasto de impactos profundos no equilíbrio da vida humana, especialmente dos mais jovens, embora abarque todas as faixas etárias.

Com isto em mente, Keegan Lee, durante a pandemia da Covid-19, com apenas 16 anos, escolheu afastar-se completamente do digital e das redes sociais durante dois meses e registar a experiência através dos seus pensamentos, sentimentos e emoções, incorporando-o na elaboração do seu livro em coautoria com Bilal M. Ghandour, um psicólogo experiente.

Entrevista:

O que aprendeste com a desconexão das redes durante 60 dias?

Aprendi imenso. Desenvolvi uma maior tolerância ao tédio. Retirei aquilo a que poderia chamar “droga” da minha vida e fui, de certa forma, forçada a estar em quietude comigo mesma, a sentar-me sem qualquer estimulação do telemóvel. Antes disso, recorria ao telemóvel para obter uma gratificação instantânea. Por isso, tive de enfrentar o tédio e, mais tarde, percebi o quanto era valioso estar simplesmente sentada numa esplanada, a observar o mundo a passar. Sentia-me presente, permitia-me divagar, perder-me, e deixei de sentir necessidade de obter constantemente esse estímulo de dopamina.

E quanto tempo demoraste a sentir-te confortável com essa nova realidade?

Provavelmente algumas semanas. Passei por períodos de abstinência. Pensava: “Gostava de ter o meu telemóvel. Gostava de ter as redes sociais. Gostava de ver o que está a acontecer.” Mas acho que o que mais senti falta nas redes sociais, e que realmente não deveria ter sentido, foram as notificações. Senti falta daquela sensação de que alguém queria falar comigo através do telemóvel. Percebi que esse tipo de gratificação e validação não era ideal.

Isso fez-te ver as relações humanas de forma diferente?

Completamente. Os seres humanos não evoluíram para se conectarem através de um ecrã. É algo completamente novo, que foi integrado na nossa cultura. Os seres humanos foram feitos para se conectarem cara a cara, onde podem estabelecer contacto visual, interpretar a linguagem corporal e as expressões faciais. Acho que os telemóveis e a conveniência das redes sociais estão a transformar o nosso cérebro de uma forma específica, ao comunicarmos e “vivermos” constantemente através de um ecrã. E não nos podemos esquecer que não é essa a forma como os humanos deveriam realmente fazer conexões e viver.

Após os 60 dias, ainda sentias aquele impulso de pegar no telemóvel, sem motivo aparente e sem propósito real?

Sim, menos, mas lutava contra isso. Ainda luto, por vezes, mas adquiri um certo nível de consciência sobre como isso afetava as minhas emoções e o meu stress. Então, pensava antes de abrir uma aplicação: “Por que estou a fazer isto? É por impulso? Há uma razão específica? Vou interagir com alguém online? Porquê?” E depois refletia: “Como me sinto enquanto estou a navegar? Estou a ver algo que me preenche? Estou a aprender algo?” Tornei-me mais consciente das minhas emoções e tento ser responsável e mais saudável nesse aspeto.

Como achas que seria a sociedade se nunca tivéssemos tido redes sociais? Não se as abandonássemos agora, mas se nunca tivessem existido. Achas que estaríamos melhor?

Essa é uma pergunta complexa. A minha missão é encontrar a beleza nas redes sociais e ajudar as pessoas a compreender os desafios que representam para a condição humana. Muitas conexões foram formadas e mantidas através das redes sociais. Estaríamos melhor sem elas? É difícil dizer. Os problemas surgem quando as pessoas permitem que as redes sociais substituam as suas relações e vidas presenciais. Acho que, sem redes sociais, haveria, naturalmente, muito mais comunicação cara a cara. Provavelmente, haveria menos polarização, menos divisões e menos comparação. Vemos muitos problemas de saúde mental associados às redes sociais. Em alguns aspetos, estaríamos melhor. Em outros, talvez não.

Tendo em conta a influência que as redes sociais têm na autoimagem, especialmente entre os jovens, o que achas que as pessoas podem fazer para manter uma perceção saudável do seu valor num espaço onde há comparação constante e padrões irrealistas?

É mais fácil dizer do que fazer, mas acho que começa com a compreensão de que as redes sociais são apenas um destaque da vida de alguém, e que as pessoas só mostram aquilo que querem que os outros vejam. Ninguém deve questionar o seu próprio valor, sucesso ou trabalho com base no que vê na vida de outra pessoa. Todos temos as nossas histórias únicas. É nisso que nos devemos focar.

Desconectar-te aumentou a tua sensação de realização na tua vida real? Agora, consegues apreciar mais o que estás a fazer, em vez de pensar no que poderias estar a fazer ou no que os outros estão a fazer e tu não?

Sim. Já não sinto a necessidade de publicar cada pequena coisa da minha vida. Consigo, porque aprendi, experienciar algo pela beleza de vivê-lo. Passei este último verão a trabalhar na Suíça, e fui a Itália, Alemanha e França, e foi maravilhoso. Há uns anos, teria sentido a necessidade de publicar tudo, mas estava completamente presente.

As paisagens não vão ficar mais bonitas só porque as publicas.

Exatamente. E a verdade é que as pessoas não se importam tanto quanto pensamos quando publicamos algo online. Provavelmente vão esquecer-se disso, tal como nós esquecemos. Não há problema em mostrar aos nossos amigos o que está a acontecer, mas a vida tem muito mais significado quando a absorvemos plenamente.

Achas que, como muitas pessoas não têm autocontrolo ou consciência suficiente para se regularem em relação às redes sociais, as empresas e/ou os governos deveriam ter um papel nessa questão?

Essa é a grande questão no que toca ao aspeto político. Acho que as empresas de tecnologia têm, ou deviam ter, a responsabilidade de se adaptarem às mudanças que a maioria das pessoas deseja ver online, como mais autonomia, mais agência, menos “doom scrolling” e mais controlo sobre o que vemos. Mas há uma razão para o modelo de negócios ter sido tão bem-sucedido, e não há nada intrinsecamente errado com o sucesso dos anúncios e do algoritmo, porque é assim que ganham dinheiro.
Contudo, elas sabem como é que a nossa psicologia funciona, de que forma estamos programados para reagir, e ainda não fizeram muito para ajudar a reduzir os perigos existentes. Por isso, penso que talvez uma solução mais imediata e eficaz, a longo-prazo, seja nós próprios ganharmos controlo e resiliência para nos autorregularmos e desenvolvermos a capacidade de identificar quando temos passado demasiado tempo a navegar e se o uso das redes sociais tem afetado as nossas relações, entre outras coisas. Também acho que ainda não fizemos grandes avanços no que diz respeito à resposta das empresas de tecnologia a este problema, mas a estratégia individual é, na maior parte das vezes, a mais útil, e é por isso que me dedico à área da educação.

Existe um conceito cada vez mais forte da persona digital, uma versão idealizada do eu. As publicações online, aquilo que os outros percecionam, para algumas pessoas, tornam-se uma personalidade. Achas que há o risco de perdermos a ligação ao nosso eu autêntico, de forma que nos esquecemos de quem somos, de deixarmos de nos sentir como nos sentíamos antes, porque já não estamos dentro de nós mesmos?

É uma pergunta importante, porque sim, existe esse risco. É fácil criar essa identidade digital e publicar coisas que não são verdadeiras para quem somos, mas que achamos que alinham com os valores que queremos que os outros percebam em nós, e, por isso, publicamos. A minha ideia é: se não sabes por que estás a publicar algo, se isso não tem significado ou valor na tua própria vida, e não está de acordo com os teus valores, porque estás a publicar? Estás a publicar para projetar uma parte de ti que sentes que corresponde ao padrão que desejas que a sociedade perceba em ti? As pessoas ficam tão envolvidas na sua identidade digital porque podem moldá-la para impressionar os outros ou até a si mesmas, e é por isso que sentem tanta necessidade de partilhar constantemente. Portanto sim, de forma mais ou menos gradual, corre-se o risco de perder o contacto com quem somos na realidade em função daquilo que somos online.

Achas que as redes sociais mudam a forma como as pessoas entendem as relações em geral?

Sim. E é um tópico emergente, sobre como aquilo que comunicamos online tem sido traduzido para as nossas relações presenciais. Nas redes sociais, estamos constantemente a passar de uma coisa para outra, sempre em movimento, a mudar e sem parar para absorver algo e refletir sobre isso. E já vi muito dessa atitude também nas relações presenciais, onde as pessoas simplesmente não têm a atenção necessária para realmente absorver o indivíduo como um todo, e, por isso, querem passar para o próximo, ou para o telemóvel.

Se fosses fazer um detox digital hoje, achas que há um aspeto específico das redes sociais que seria mais difícil para as pessoas abandonarem?

Acho que as pessoas teriam dificuldade em deixar de partilhar coisas sobre si mesmas. Existe uma sensação pouco saudável de realização em saber que os outros estão a responder e a interagir com o conteúdo que publicamos. E isso está, mais uma vez, relacionado com o facto de encontrarem grande parte da sua identidade nas redes sociais e de receberem validação dessa forma. Além disso, há a gratificação instantânea do fluxo constante de informação, seja através de reels do Instagram ou do TikTok. É constante, rápido e automático, e muito prejudicial.

Achas que existe um futuro em que as redes sociais possam ser mais saudáveis? Como seria isso?

Sem dúvida. Se estivermos a reimaginar um mundo com redes sociais, acho que devemos questionar quais os riscos que se apresentam para limitar coisas que queremos preservar na experiência humana, como a criatividade, o pensamento crítico, a conexão e a conversa. Como podem as redes sociais ajudar nisso? Como podemos criá-las de forma a não perdermos essas coisas? Gostaria que as redes sociais se tornassem um espaço onde as pessoas possam ser criativas sem consumirem em excesso e perderem a capacidade de pensar criticamente. Um espaço sem informação constante e sequencial, e onde a conexão e a conversa possam acontecer sem polarização e divisões.

Fim

O tema das redes sociais e do digital é muito falado, mas não se discutem com frequência suficiente os riscos associados. Sabemos que existem, diz-se algo, mas não se fala nos grandes canais de comunicação sobre quais são nem sobre como está a ser afetada a psicologia humana. É muito importante que mentes jovens, como Keegan, invistam tempo, atenção e trabalho na luta pela compreensão e desenvolvimento dos espaços sociais do digital de forma a contrabalançar o impulso de arrasto pelas grandes corporações que beneficiam da dormência geral da sociedade civil.

Resta-me agradecer à entrevistada, Keegan Lee, pelo tempo disponibilizado e pela atenção nas suas respostas.

Este artigo de opinião é da pura responsabilidade do autor, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados

Escrito por: Pedro Cruz

Editado por: Matilde Bruno

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