Saudade

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Saudade. Segundo o dicionário online Priberam, é a lembrança grata de pessoa ausente, de um momento passado ou de alguma coisa de que se esteja privado. É o pesar e a mágoa que essa privação causa.

E, pelos vistos, também é uma planta, Scabiosa Atropurpurea.

Já todos sentimos saudade em algum momento das nossas vidas. Um sentimento que pode abranger tanta coisa, mas que só a língua portuguesa encontrou palavra que o definisse.

Podemos sentir saudade de um sítio. Há quem sinta saudades de um país para onde viajou no verão passado. Eu sinto (muitas) saudades de casa, do meu ninho, tal como muitos estudantes deslocados. Também podemos ter saudades de alguma fase das nossas vidas,  da infância inocente e feliz, e da adolescência, quando tínhamos tempo para sair com os nossos amigos e começámos a descobrir o mundo e quem nós somos. E podemos ter saudades de alguém, de um amigo ou familiar de que gostamos muito e não vemos há demasiado tempo. 

A vantagem nestas situações é que, mais cedo ou mais tarde, podemos “matar saudades”. O problema é quando já não é possível. Quando não dá para “matar”, porque o sítio já não existe; porque a pessoa já não está cá. 

Aprendi o verdadeiro significado da palavra saudade quando perdi uma pessoa muito especial para mim. Uma das pessoas que mais amo neste mundo. Amo e vou amar sempre, porque o sentimento não parte com a pessoa, ele fica. 

Aturou todas as traquinices que lhe fazia quando era criança (e garanto que não foram poucas). Ele não se importava, ria-se delas. Tinha uma paciência de santo. Eu chamava-lhe Pioné (ele era pequeno) e ele chamava-me Gadunhas (até hoje não sei o que isso significa). E, o riso dele era contagiante. Às vezes eu não fazia a mínima ideia do motivo de tanta gargalhada, mas ria com ele. Tenho muitas saudades do riso dele e guardo-o comigo. 

Adorava o Preço Certo, era a hora sagrada (e a meteorologia às seis da tarde também). Ouvia a Rádio Tondela enquanto ficava a organizar as sementes e a cuidar dos instrumentos agrícolas (que eram os seus brinquedos). Não resistia a chocolate e pudim. Raramente usava o seu próprio telemóvel. Usava o da minha Avó para falar comigo e com a minha Mãe. Uma vez por mês, ele fazia a “chamada do mês”: tinha de ligar para alguém para a operadora não lhe suspender o tarifário muito em conta (dizia ele). Era eu ou a minha mãe quem recebíamos essa “chamada do mês”, onde nos ríamos e dizíamos piadas que só nós entendíamos. Há quase 4 anos que não recebo essa chamada… 

Não vou conseguir matar as saudades que sinto dele. De entrar na oficina dele e vê-lo sempre em ação. De passar os Natais com ele. Já não dá. Não é possível. Não me viu terminar o secundário. Não irá ver-me trajada. Nem licenciada. 

Mas ele está a ver-me lá em cima, na sua nuvem fofa e bem cuidada. Agora é o meu anjo da guarda. Por sinal, é um anjo que tem muito trabalho, visto que não lhe dou descanso (só a tentar passar os semáforos no Marquês, é logo um problema). 

Talvez quem esteja a ler possa identificar-se com o que eu disse. Talvez sintam saudades de alguém que já partiu. No meu caso, esse alguém chama-se António José Pais, o meu Avô e Padrinho. 

Dedicatória do meu Avô para mim, 2011 (Fonte: Íngride Pais)

Um dia gostaria de ser mãe, e, se tiver um menino, vai chamar-se António.

Marquem um café com esse amigo que não veem há muito tempo. Vão visitar os vossos avós, bisavós, enquanto eles cá estão, porque nós não sabemos por mais quanto tempo eles vão estar aqui. Para quem ainda os tem cá, espero que tenham consciência do privilégio que têm. 

Matem as saudades antes que vos matem elas.

Hoje é o teu aniversário, parabéns Avô. Amo-te para sempre.

Fonte: Carla Pais
Fonte: Carla Pais

Este artigo de opinião é da pura responsabilidade do autor, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.

Escrito por: Íngride Pais

Editado por: Pedro Cruz

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