Os Genocídios Silenciados: Crimes Contra a Humanidade Que o Mundo Escolhe Ignorar

Escrito por

Nas últimas décadas, enquanto o conflito entre Israel e Palestina domina as manchetes e alimenta debates acalorados, outros genocídios devastadores têm sido amplamente ignorados pela comunidade internacional e pelos meios de comunicação. Genocídios em países como o Congo, Mianmar, Etiópia e Sudão continuam a provocar mortes e deslocamentos em massa, muitas vezes sem a devida atenção da comunidade internacional. A maioria do público global está pouco ciente dos horrores que ocorrem nessas regiões, mas porque é que algumas destas atrocidades são amplamente discutidas, enquanto outras são silenciosamente ignoradas?

Fonte: Civilians flee from heavy fighting around the town of Saka Credit: Hugh Kinsella Cunningham

Por Que o Mundo Ignora Certos Genocídios?

A explicação para o silêncio em torno de genocídios como o do Congo está profundamente enraizada em questões geopolíticas e interesses estratégicos. Israel e Palestina, situados em uma região de grande importância geopolítica — o Médio Oriente —, concentram a atenção mundial devido à sua relevância económica, histórica e política. O Médio Oriente é uma zona rica em petróleo e gás natural, sendo estes recursos cruciais para a economia global. Além disso, a relação entre grandes potências, como os EUA, e os países envolvidos no conflito desempenha um papel central na priorização mediática desse conflito.

Interesses Geopolíticos e o Conflito Israel-Palestina

A centralidade do conflito Israel-Palestina na agenda mediática global decorre da importância geoestratégica do Médio Oriente. Esta região, rica em recursos energéticos, como o petróleo e o gás natural, e com um significado histórico e religioso para várias potências mundiais, mantém-se no centro das disputas globais. A aliança dos Estados Unidos com Israel e os interesses de potências regionais como o Irão e a Arábia Saudita contribuem para que este conflito seja amplamente coberto. Por outro lado, genocídios em regiões menos estratégicas, ou com menor relevância para as grandes potências, ficam frequentemente na sombra, perpetuando um ciclo de sofrimento ignorado.

Nos conflitos e nas guerras, os interesses geopolíticos desempenham um papel decisivo na visibilidade mediática de certos casos. Por exemplo, a guerra entre a Ucrânia e a Rússia, por ocorrer na Europa, recebe muito mais cobertura do que conflitos no continente africano. No entanto, não é apenas a geografia que determina a atenção dos media. Estados que são superpotências ou que geram tensões internacionais, como a Coreia do Norte e a Coreia do Sul, tendem a atrair maior interesse devido à sua relevância global e impacto potencial.

Fonte: Council on Foreing Relations

Os genocídios em regiões com menos relevância geopolítica, ou onde os interesses das grandes potências são menos evidentes, como no caso da República Democrática do Congo (RDC), do caso de Myanmar, da Etiópia, do Sudão…, ficam frequentemente na sombra, mesmo quando a violência é de uma magnitude muito superior.

O Genocídio no Congo: A Guerra Silenciada

Um dos exemplos mais devastadores de genocídios silenciados é o da RDC. Desde 1998, a Segunda Guerra do Congo, também conhecida como a “Guerra Mundial Africana”, já causou a morte de mais de 5 milhões de pessoas. Este conflito envolve múltiplos grupos armados e potências estrangeiras, muitas vezes com o objetivo de controlar os vastos recursos naturais do país, como o ouro e o coltan, um mineral essencial para a produção de dispositivos eletrônicos utilizados globalmente.

Fonte: National Institute for African Studies

Apesar da gravidade da crise humanitária, o genocídio no Congo raramente ocupa as manchetes internacionais. A ausência de um interesse geopolítico imediato por parte do Ocidente ou de outras potências globais, ao contrário do que acontece no Médio Oriente, permite que as atrocidades no Congo sejam amplamente ignoradas. As razões para que isso aconteça são diversas e alguns exemplos delas são: a localização remota da região, a falta de um lobby político forte nos grandes centros de poder e o desinteresse das nações ricas que lucram indiretamente com o caos no país através do comércio de minerais. Embora o caos interno e a destruição humana no Congo sejam alimentados pela exploração dos seus recursos, esses factos são largamente omitidos do debate mediático global, que dá prioridade a regiões com maior peso estratégico. Mas pode-se dizer que o maior motivo para a omissão destes infelizes acontecimentos é maioritariamente criado pela falta de interesse em pôr fim à exploração desses recursos, o que acaba por alimentar indiretamente o genocídio em curso.

Um Padrão Global de Prioridades

O que emerge destes dois casos é um padrão global em que o valor geopolítico e económico de uma região determina diretamente a atenção que os seus conflitos recebem. A vida de milhões de congoleses continua a ser devastada por massacres, violações e deslocamentos forçados, mas devido à falta de interesse estratégico imediato das grandes potências, o genocídio permanece invisível. Por outro lado, o conflito Israel-Palestina, localizado numa região chave para os interesses energéticos e as alianças políticas globais, mantém-se no centro das discussões e coberturas mediáticas.

Este contraste não pretende diminuir a importância do debate em torno de Israel e Palestina, mas expõe uma dura realidade: a atenção internacional não é distribuída em função da gravidade das tragédias humanas, mas de acordo com os interesses políticos e económicos em jogo. O genocídio no Congo, assim como outros casos esquecidos, revela como o sofrimento humano pode ser facilmente silenciado quando os países envolvidos não se encontram no radar das grandes potências mundiais.

Outros Genocídios Ignorados

O Congo não está sozinho nesse cenário de esquecimento. Genocídios e crimes contra a humanidade continuam a ocorrer em vários países, como na Síria, onde a guerra civil já provocou milhões de mortes e deslocamentos forçados, e em Myanmar, com a perseguição sistemática dos Rohingya. (E quem são os Rohingyas? São um povo muçulmano que a ONU diz ser alvo de limpeza étnica, vivem no estado de Rakhine, no oeste de Mianmar, antiga Birmânia). Além destes exemplos mencionados. há muitos outros que podem ser abordados e explorados para se tentar combater esse fenómeno.

O Impacto do Silêncio: O Que Pode Ser Feito?

O silêncio da comunidade internacional em relação a genocídios como os do Congo, Myanmar, Etiópia e Sudão tem consequências devastadoras, contribuindo para a perpetuação da violência e a impunidade dos responsáveis. Quando os crimes de guerra não são amplamente discutidos ou condenados, as vítimas perdem a esperança de justiça, e os responsáveis continuam a agir sem medo de represálias. É imperativo que as nações, organizações internacionais e os meios de comunicação ampliem a sua cobertura e condenação de genocídios em todas as regiões, e não apenas nos conflitos de interesse geopolítico. O reconhecimento do sofrimento humano não pode ser seletivo. O público também tem um papel crucial: exigir que os líderes globais responsabilizem os perpetradores, independentemente da localização ou dos interesses económicos envolvidos. O silêncio em torno destes genocídios não é apenas uma falha moral; é uma falha coletiva de todo o sistema global de justiça e direitos humanos. Ignorar estas tragédias perpetua a violência e priva milhões de pessoas das condições mínimas e básicas para o bem-estar humano, vivendo assim sob um constante stress e a incessante angústia de que cada dia pode ser o seu último.

É lamentável que tenhamos de escolher certas guerras, crises e conflitos como mais importantes apenas porque temos ligações políticas, económicas ou interesses na exploração dos recursos naturais dessas regiões. A nossa indiferença face a outras tragédias humanas, que não ocupam o mesmo espaço mediático, revela uma falha profunda no sentido de justiça global. A cobertura mediática, por sua vez, reflete essa seletividade, amplificando crises onde há interesses geopolíticos e silenciando outras de igual ou maior gravidade, perpetuando a ideia de que algumas vidas têm mais valor do que outras. No entanto, a culpa não é apenas dos meios de comunicação. Estes agem de acordo com aquilo que mais vende ao público e com o que os Estados também querem que seja mostrado. É a própria sociedade que escolhe o que valoriza e o que ignora, e os media, naturalmente, seguem essas tendências. Se queremos um mundo mais justo, é urgente que, como sociedade, deixemos de aceitar esta visão parcial e exijamos que todas as vozes silenciadas tenham espaço e atenção. Porque enquanto o sofrimento for ignorado, a violência e a impunidade continuarão a triunfar.

Este artigo é da pura responsabilidade da autora, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.

Escrito por: Gyulia Danet.

Editado por: Marta Neves.

Deixe um comentário