No dia 4 de outubro de 2024, João Maia Ferreira lançou o seu primeiro álbum de estúdio em nome próprio, depois de abandonar o pseudónimo benji price. Através de novas musicalidades, mas sempre com a sua essência lírica de rapper, João convida os ouvintes a conhecerem uma versão dele próprio que até à data procurava ocultar da sua obra, naquele que é, na opinião do redator, o seu melhor projeto até à data.

A mudança de nome
Muitos estranharam a mudança de nome artístico efetivada por João. Segundo o próprio, em declarações prestadas à Antena 3, gostaria de ter iniciado este processo no seu álbum anterior (“ígneo”, lançado em 2022). Contudo, não o fez por “cobardia”, justificada pelo facto de possuir uma marca bastante trabalhada e uma identidade artística vincada no panorama musical português: o pseudónimo benji price, que adotara aquando da sua ingressão no estilo hip-hop. João entende que, neste género musical, o público conecta-se primordialmente com o indivíduo, e que, em Portugal, a adoção de um nome artístico constitui um “rito de passagem” para quem se quer tornar rapper.
O processo de aumento de exposição ocorreu de forma progressiva. Inicialmente, João trabalhava apenas enquanto produtor musical e não era particularmente ativo nas redes sociais. Com o passar do tempo e à medida que se ia desabrochando enquanto rapper, foi revelando pequenas parcelas de si próprio, tanto nas suas redes, como nas suas letras, até atingir o ápice da sua transparência até à data, com a transformação do seu nome civil no seu nome artístico.
Este processo também constitui uma jornada de autoaceitação. João revelou no podcast “SOMOS TODOS MALUCOS”, apresentado por António Raminhos, que lida com problemas de autoestima. A mudança de nome surge como um ponto a favor de João na batalha contra o seu complexo de inferioridade. Revelou também que o facto de ter sido pai há pouco tempo foi um fator importante na tomada desta decisão: quer passar um bom exemplo ao seu filho, incentivando-o a ser a pessoa mais autêntica possível e a sentir-se confortável na sua própria pele. No programa “Curto Circuito” da SIC Radical, João declarou que o álbum é, em larga parte, para o seu filho.
Um novo estilo
Em “O Lobo Um Dia Irá Comer A Lua”, o artista procura explorar novas musicalidades em cada uma das faixas. Na anteriormente referida entrevista à Antena 3, João afirmou que gosta de fazer coisas diferentes e que se pretende desprender de uma “conceção prévia que as pessoas tinham” acerca dele. No entanto, isso não significa que não se orgulhe do seu passado enquanto benji price. Sente também que a sua mudança de identidade também transparece na sua música: no “Curto Circuito”, João afirmou que ouvia uma grande variedade de géneros musicais antes de enveredar no hip-hop e que, neste álbum, redescobriu esse seu ecletismo. Revelou que gosta muito de música disco, de soul e de eletrónica francesa e que tentou “criar uma fusão entre essas abordagens estéticas com uma abordagem mais “hiphopiana”“.

O título
Ainda no “Curto Circuito”, João explicou o título do álbum é inspirado na mitologia nórdica, nomeadamente em Skoll e Hati, dois lobos que perseguem o Sol e a Lua através dos céus na tentativa de os devorar. Um dos sinais da iminência do Ragnarok, o apocalipse nórdico, o fim dos tempos, é Skoll e Hati conseguirem alcançar e consumir as suas presas. João optou por mencionar apenas o lobo que comerá a Lua de forma a encurtar o título (sintetizando nele a mensagem pretendida), e também porque a ideia de Lua lhe pareceu mais cinemática e mais ao encontro da estética que pretendia adotar.
Com isto, o título “O Lobo Um Dia Irá Comer A Lua” surge como um aviso semelhante a “Memento Mori”, acerca da inevitabilidade da morte. Um dia, eventualmente todos deixaremos este mundo e na visão do artista “é importante nós termos consciência disso para que vivamos a vida em todo o seu potencial, para que nos foquemos em fazer as coisas que nos trazem verdadeiramente felicidade e para tentarmos ser a melhor versão de nós próprios”.
A escolha do título representa, portanto, mais um passo importante na jornada de autoaceitação de João, e é, certamente, um sábio conselho para os ouvintes que se encontram a travar semelhante batalha. Na minha interpretação, depois de ter ouvido o álbum, é um lembrete para aproveitarmos o tempo que nos resta, permitindo-nos desfrutar da vida sendo fiéis à nossa verdadeira essência e procurando evoluir positivamente de Lua para Lua, até ao dia em que o Lobo a coma.

Comentário faixa-a-faixa
Será feita uma breve análise de cada uma das catorze faixas que compõem o projeto, dando enfoque ao conteúdo lírico, o elemento que desde sempre me atraiu mais em João Maia Ferreira, de forma, também, a absorver toda a mensagem do artista com maior precisão e a oferecer aos leitores a minha interpretação. Relembro que esta análise é inteiramente subjetiva e que a forma como interpreto determinado excerto ou ideia pode ou não ser aquela que o letrista pretendia no momento em que a redigiu.
1 – Ser Como Sou
O artista inicia o álbum com uma letra direta ao ponto, que reúne os principais focos da mensagem do projeto. João declara que se permanecerá sempre fiel a si próprio e que não se irá deixar influenciar e desmotivar por pessoas e/ou acontecimentos que não acrescentam valor positivo ao seu trajeto (“Só sei ser como sou, não vou mudar / Pelo que eu não controle, não me vou culpar”; ”Quanto vou durar? Eu não sei, não / Eu só sei que eu não vou parar / Por ninguém que nunca deu mão”). Continuará sempre a lutar por aquilo em que acredita, independentemente das circunstâncias (“Sob o Sol nada assola, nem sob o luar / Nada quebra o meu espírito de lutar”; ”… carrego amperes / P’a um movimento que é sеmpre em frente”) e deixa claro que tem valores que prioriza em detrimento da opinião de outras pessoas, por mais que as mesmas os desprezem (“Sei que prego um coche ao peixe / Isso é maleita crónica”; “Pela troca ando, em cambio nado / Partilhar ’tá na minha raça / A marimbar p’a esse campeonato / De quem é que ganha mais massa”).
A música termina com uma gravação da voz do filho de João, Akira, a pronunciar o nome do título do álbum, repetindo as palavras que o pai lhe vai ditando. É assim introduzido “O Lobo Um Dia Irá Comer A Lua”.
2 – Titã
Esta música reforça a mensagem da anterior, com algumas adendas interessantes. João expõe mais uma vez a necessidade de trabalhar a favor das pessoas que lhe são queridas e que o aceitam tal e qual ele é (“Quero ser um andarilho p’a quem ‘tão a falhar as pernas”; “Tenho de fazer por um filho e quem sempre deu abébias”), e de se desviar de um caminho que já trilhara, regido por valores que sabia não serem os seus (“Há tanto ano em que não tinha a pinha sã / Enviesada vida minha, vi-a vã / Vim atenuar o dano, mão no piaçá / Estilhaçar assim a sina que ia dar em gangrenas”; “Tive de cagar na cena, não me assenta / Só fiz olheira a não seguir o que é minha senda”).
O artista rejeita a ideia de viver em função do dinheiro e espera manter-se íntegro ao longo da sua caminhada (“Ya, ‘tou a focar no meu brilho, mas não ‘tou a falar de pedras”; “Não posso temer sarilho, nem me deslumbrar com merdas” ; “Nesta casa não mais pelo euro vive gente”). Pela primeira vez na sua obra, assume sofrer de uma neurodivergência, sobre a qual já se havia aprofundado no podcast “SOMOS TODOS MALUCOS”. João sofre de bipolaridade, é acompanhado e medicado, e já experimentou diversos tipos diferentes de terapia, sem nunca ter encontrado uma que lhe seja, nas suas palavras, “perfeitamente útil”. Na faixa em questão, o artista recusa a ideia de se deixar vencer pela sua condição: “Sa foda se me atrasa um pouco a neurodivergência / Com diligência hei de ter o troco da paciência”.
Pessoalmente, as quatro últimas linhas do segundo verso foram as que mais me impactaram, visto consolidarem de forma sublime a mensagem de não trairmos os valores que edificam o nosso cerne e de sentirmos orgulho da nossa individualidade:
“O truque é tu olhares p’a dentro e veres o que te move
O que comove, e o que não o fizer, remove
Ser fiel a quem tu és, é a coisa mais nobre
Usa-o no teu coldre”
3 – Incandescência
Nesta faixa, ouvimos o artista num novo registo lírico, visto tratar-se de uma canção de amor. Sendo o álbum um projeto tão pessoal, é possível deduzir que a música é dedicada à esposa de João, mãe do seu filho. Gostei particularmente de a escutar, pela forma não convencional com que o eu lírico tece elogios à sua amada, usando e abusando de metáforas e paráfrases (“Aqui eu velo pelo teu belo appeal / Tua pele é céu, apelo ao seu anil”; “Como sumo de parreira, aprimoras / Quanto mais ano por ti passa / O consumo da tua seiva / É o que envigora um mano, e basta”; “Na tua sauna suo o trauma cá p’a fora / E depois a palma expulsa”), não deixando de fora a faceta carnal da relação (“Trazes a quentura que me floresce a temperatura / Mas também a têmpera que meu florete endura”) e prometendo lutar para preservar o seu elo (“‘Tão hoje roubo ao cupido o seu carcás / E atiro seta quebra-gelo / P’a prendê-lo tipo ele ’tá em cartazes / Mas sе não acertar à primeira / Eu sei quе há recarga na aljava”). Em suma, é uma canção bonita que enaltece uma mulher e os sentimentos que a mesma desperta no artista, explorando as diversas camadas que forram uma relação amorosa.
4 – Baú
A minha faixa favorita de todo o álbum. Com a participação do, até então, desaparecido do cenário musical português prettieboy johnson, “Baú” explora a mentalidade de fazer aquilo que nos traz verdadeira felicidade (“Sinto um arrepio na pele cada vez que escorre tinta / Oxigеna-me, juro que isso me dá vida“), sem nos deixarmos corromper pela ganância, pelo “cacau” (dinheiro): “A trazer o que eu trago, só há cá um / E não ’tou focado no cacau / Não vou naufragar por um baú”. É o primeiro featuring do projeto, no qual prettieboy prova que a sua ausência não desvaneceu o seu talento (dando uma fagulha de esperança aos fãs que anseiam pelo seu regresso) e João, mais uma vez, brilha em todos os quesitos, expandindo a sua mensagem de autenticidade e integridade moral.
5 – Credo
O último dos três singles lançados antes da estreia do álbum. Mais uma vez, o artista redige uma mensagem de resiliência e autenticidade. João não quer acreditar que exista um teto, ou seja, um limite ou obstáculo aparentemente intransponível para os seus sonhos e aspirações, e mesmo que haja, manter-se-á íntegro, fiel à sua conduta e disposto a enfrentar as consequências dessa escolha: “Não quero crer / Poder bater num teto / Nunca o vou ver / Mantenho o credo me’mo se houver”; “Cara podre, eu não sei ser d’outro jeito / Sujeito a me enterrar / Mas pouco me importa quem não me aceite”. Batalhará até ao fim da vida para alcançar os seus objetivos, por mais inalcançáveis que aparentem ser (“‘Tá tão lá em cima / Nunca lhe vou tocar com a crina / Não cede o meu ser até descer a minha cortina”), rodeando-se de pessoas que o querem bem e que torcem pelo seu sucesso (“… deixo o meu chakra ir / Alinhar-se com a energia de quem me quer ver subir”). Ainda tece críticas a quem engana e se aproveita da classe trabalhadora enquanto se refastela no sedentarismo (“Classe operária / Há quem a faça de otária / Já eu traço e dou-te árias / Sobre cada face que não vê fases sedentárias; “É só areia p’a retinas / O que sai da traqueia desses sovinas / Já não há dúvida que deves duvidar”) e incentiva o ouvinte a criar o seu próprio paraíso na Terra, sem rejeitar as suas origens (“Não receies se não fores patrício / Chegará o dia em que partes isto tudo”).
6 – Mandrágora
O segundo featuring do álbum, desta vez com xtinto. Os dois músicos são provenientes de cidades do distrito de Santarém: João é de Torres Novas (província do Ribatejo) e xtinto é de Ourém (província da Beira Litoral). Ambos migraram para Lisboa em busca de singrar no mundo da música, uma vez que existe uma centralização muito grande nessa área de atividade. Em “Mandrágora”, João descreve brevemente este processo (“Rumo a Lisabona onde wins abonam / Quis ser Bonham, ‘tar num ringue onde valso rei”) e admite que houve uma altura em que renegou as suas raízes, enquanto se dizia autêntico, em plena hipocrisia: “Eu reneguei a minha origem / Quis fingir que era outro / Ainda neguei ser dos que fingem / Quis tingir de ouro o couro”. No entanto, atualmente, apesar de continuar estabelecido em Lisboa, já não finge ser alguém que não é, e assume publicamente as suas origens ribatejanas, inclusivamente no nome de utilizador do Instagram @joaodoribatejo. Agora João parte em direção à bonança, para longe da sua terra natal, mas carregando-a sempre consigo.
No verso de xtinto, o artista de Ourém oferece aos ouvintes a sua perspetiva acerca do processo de êxodo rural de João (“E eu era tão mais chavalo / Mas agora que me chegou a idade / Que tu já tinhas na altura / Já não levo esse bocejo a mal”) e compartilha alguns sentimentos sobre a sua própria vida enquanto figura pública (“Queria mesmo apagar o Insta, mas é vida de artista / Sede de vida anónima”; “Mas eu ’tou grato também / Amei ver à pinha o concerto no teatro de Ourém”). Gostei particularmente desta faixa, que realça e, de certa forma, celebra os laços de respeito e amizade que unem os dois artistas, antigos colaboradores em temas como “Pó de Cosmos”, “Éden”, entre outros que João produziu.
7 – Nenúfar
“Nenúfar” é a segunda música de amor do álbum. Aqui, o eu lírico eleva o seu texto a um patamar laudatório, colocando a pessoa objeto do seu amor num pedestal de difícil acesso: “Manusear a tua carga pede um estivador”; “Ainda ‘tão por inventar as palavras que te descrevam / Por mais quadras que te escrevam / Não se enquadram, menosprezam o teu peso”. No entanto, não se rebaixa e promete conquistá-la, alegando ter a certeza de que é ele a escolha certa dentro da previsível e inevitável concorrência: “‘Tão eu estive a pôr a farda, vou impressionar-te”; “Conto com ocorrência de concorrência / Mas não me aflige engates”; “Eu sei quem no fim triunfa / Quem desabrochará teu nenúfar”. É com esta mulher que João se sente livre dele próprio e à vontade para expor as suas vulnerabilidades: “Yeah-yeah, yeah-yeah, e a pressão parte / Yeah-yeah, yeah-yeah, a minha prisão parte”; “…derrubas todos os muros que eu construí / Em meu redor há muito”. Dentro dos temas mais românticos, confesso que foi este o meu favorito.
8 – Borda Fora
Em “Borda Fora”, João une-se a Mike El Nite para uma colaboração um tanto distinta das faixas anteriores, ambos com uma postura mais firme e até crítica, reforçada pela entrega e pelo flow dos versos, mais cru e menos melódico.
O refrão incentiva o ouvinte a procurar algo melhor para si, a mudar de atitude de forma a encontrar uma vida menos sofrida. No seu verso, João esclarece mais uma vez a sua postura enquanto agente do mundo da música, não procura plastificar-se e trair a sua individualidade na tentativa de vender mais (“Eu não aponto p’ó viral, o meu estilo não é Gangnam / Aponto ao sideral, meu destino então é Gundams”), procura antes a paz e concretizar as suas ambições, mantendo-se o mais verdadeiro possível, aliviando assim o martírio inerente à repressão da sua verdadeira identidade (“Num som dito verdade minha / Mutado, vim p’aqui falar do que é mudar de linha / Ou então definha o coração que antes irado vinha / Que agora só procura paz sem nunca deixar p’a trás / Os sonhos que um rapaz tinha”). Formula ainda uma breve crítica social, semelhante à presente em “Credo”, dirigida àqueles que detêm os meios de produção e exploram os trabalhadores que deles subsistem: “… peculiar a nossa cruz / Ser quem tudo produz, mas não ter na mão os meios / ‘Tão na garra de urubus que os trancam no travesseiro”. Nite reforça as mensagens de João e acrescenta algumas críticas próprias. Os dois artistas já haviam colaborado em projetos anteriores como “Veni, Vidi, Vici”, “Type R”, “Quem Te Dera” (single de Ana Malhoa), entre outros, e mais uma vez, entregam tudo.
9 – Impala
O segundo single publicado antes do lançamento do álbum, em colaboração com Alex D’Alva. É o terceiro tema romântico que compõe o projeto. À semelhança do texto de “Nenúfar”, João compromete-se a lutar pelo amor da mulher em questão e assegura que veio “sem truques” e “sem esquemas” e que é a escolha certa de parceiro, apesar de certa reticência por parte dela: “Sei que ainda estranhas / Pensas que vai dar p’o torto” ; “Já viste muitas campanhas / Mas vou ser quem ganha o teu voto”.
10 – Pé na Porta
Mais uma vez, João deixa clara a sua postura relativamente ao seu trabalho e enaltece o seu talento musical de forma convicta sem, no entanto, descredibilizar o trabalho de outrem. É uma ego trip que apenas exalta, não desmerece. No entanto, o artista admite existirem inimigos no seu percurso, não necessariamente ligados ao mundo da música, e está preparado para os enfrentar a todos: “Vim aqui para dar baile, surdina no sovina” ; “Recuso tais visões em que entre nós viram normais cisões / ‘Tão já só reflito em quais vilões é que tenho de derrotar / P’a que só liberdade mô puto veja, e jamais prisões”.
11 – Gárgulas
“Gárgulas” foi o primeiro single lançado antes da estreia do álbum, e, segundo o artista em entrevista à Antena 3, aquele que mais se assemelha aos seus projetos anteriores (ao álbum). Conta com a participação especial e emblemática de CONAN OSIRIS, músico que João considera “um génio”. Nesta faixa, João incentiva o ouvinte a arriscar na vida, independentemente do seu patamar atual. Ao mesmo tempo, poderá estar a falar consigo mesmo, como se estivesse a aconselhar uma versão passada de si próprio que ainda se encontrava reticente em relação à sua mudança de nome e de identidade artística: “Não é preciso ter o nome na entrada / Broda, vai na fé / Bota o pé em qualquer lugar”. Os seus versos exaltam as suas capacidades, que o colocam numa posição elevada dentro da indústria musical, daí nada ter a temer: “Eles ‘tão a manter que nem umas tábuas / A se molhar porque a nossa é a melhor turma” ; “Eu nasci cá pula, mas no genoma / Um tropa contém a cábula p’a alar as escápulas”. CONAN OSIRIS complementa a faixa com um segundo verso bastante singular, com rimas que seguem a linha do ego trip e com referências inusitadas. Pessoalmente, adorei, em especial as seguintes: “Babyboy, tu sabes que é o Conaninho / Desde que eu entrei na casa do João Baião / E da Diana, chaves no Subaruzinho” ; “E eu não sou Caneças, mas mando da boa peeling / Eu sou dentista e tu és um dente de siso / ‘Tás na gengiva, mas não é preciso”.
12 – Passa Rápido
Em “Passa Rápido”, João dá foco ao facto de precisar vingar na sua carreira e na sua vida para poder prover para os que lhe são queridos (“Ya, e eu preciso dar / Se não há p’á família, eu tremo”), caminhando à sua velocidade, com calma e paciência, porém, nunca deixando de o fazer: “Eu ando lento, que isto passa rápido / Mas não paro, nem amoleço / Sigo nesse cardio ao meu passo, não mando o lenço”. Também reflete sobre as dificuldades pelas quais passou, tendo sido discriminado em conjunto com alguns dos seus colegas de trabalho no mundo da música aquando do surgimento de um novo movimento do hip-hop em Portugal: “Por sermos diferentes, eles ostracizavam-nos / No breu vi mentes, cotas precisavam luz” / “Tropas esguichavam pus, nós só cagávamos / E com o excremento nós fertilizámos os frutos”.
13 – Diz-me Como
Este é o quarto e último tema romântico do álbum, que conta com a participação de João Não. Em ambos os versos, os artistas declamam o seu amor, alegando que precisam da pessoa em questão para “ir longe”.
14 – Samsara
Finalizando o álbum, “Samsara”, com a participação de Keso, funciona como um culminar temático, sintetizando no refrão e nos versos temas abordados nas outras tracks, nomeadamente o esforço contínuo para alcançar o sucesso, não necessariamente monetário, e o valor da autenticidade: “Só depois da lavoura, agradeces o que antes cearas / Porque sabes o suor que requerem as grandes searas” ; “Em suma, é só ligar o mic e ser / Somar verdades é o meu trigo, e é dele que eu vou comer”.
Conclusão
Sou fã do trabalho de João Maia Ferreira desde que lançou o single “Comer” em 2019, ainda sob o seu antigo pseudónimo, no canal da Think Music, antiga gravadora da qual fazia parte. Desde essa altura que acompanho todos os seus lançamentos. Depois de escutar e analisar atentamente este álbum, sinto-me à vontade para afirmar que, sob a minha ótica e gosto pessoal, “O Lobo Um Dia Irá Comer A Lua” é, até à data, o melhor projeto da sua obra, que se demarcou dos restantes devido aos temas abordados, que expuseram ao mundo camadas mais pessoais e sentimentais da personalidade do artista. Exemplo disso é o facto de João nunca antes ter dedicado uma track inteira a falar sobre o amor ou qualquer tipo de relação. Neste álbum dedicou quatro. É um álbum que consolida uma nova faceta do músico de Torres Novas, mais “próxima” do público. Em todas as faixas é possível absorver algum precioso ensinamento ou reflexão, sendo, na sua maioria, completamente revestidas de uma luz positiva que nos relembra que a vida vale a pena ser vivida se estivermos dispostos a trabalhar e a lutar por nós mesmos, pelos nossos valores e pelas pessoas que amamos, investindo o nosso potencial naquilo que nos faz verdadeiramente bem.
João Maia Ferreira apresentará oficialmente “O Lobo Um dia Irá Comer A Lua” ao vivo no palco do B. Leza esta quinta-feira, dia 17 de outubro, ao lado da sua banda e dos artistas que colaboraram no projeto.
Este artigo é da pura responsabilidade do autor, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.
Escrito por: João Guerreiro
Editado por: Marta Ricardo


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