No passado dia 11 de Outubro, tivemos a agradável experiência de conhecer e conversar com a cantora “novata” Merai a propósito do seu novo single “Ser (mito de Orfeu)”.

Mariana Frangioia Portela, lisboeta com ascendência portuguesa e angolana, nascida em 2000, começou a construir a sua carreira desde cedo. Formou-se em música no Instituto Gregoriano de Lisboa e em produção musical na World Academy. Para além disso, licenciou-se em Línguas, Literaturas e Culturas na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Esta sua paixão pela escrita e expressão oral, traduz-se hoje em dia na composição das suas canções mas também na autoria de contos, prevendo-se a publicação de um novo livro ainda sem data de lançamento.
Merai conta já com dezenas de singles lançados, tendo sido “Luza” o seu debute, em 2019, na indústria musical. No entanto, o seu mais notório é, até ao momento, “O Meu Corpo Não” no qual aborda questões de violência sexual, o luto e os contrastes femininos e masculinos.
És filha de mãe angolana e pai português. Tendo raízes distintas, como concilias nas tuas produções, os estilos musicais português e angolano?
“Eu concilio mais na minha identidade acima de tudo, refletindo-se numa maneira não pensada nas coisas que eu faço. Cresci com uma família angolana e uma família portuguesa e às vezes há um conflito interior em mim relativamente a isto, e eu sei que isto é comum em pessoas mestiças (…) sentes que não te encaixas em nenhum lugar. A nível musical não é uma coisa em que eu penso muito, simplesmente acontece ou não. Tenho algumas músicas que têm inspiração mais de afrobeat, como a Fénix, e outras com influências tugas. Acho que está lá tudo inconscientemente”.
Tens algum artista que te inspira diariamente para as tuas próprias criações?
“Tenho uma que se enquadra na minha identidade, que é a Sara Tavares. É uma grande referência e eu conheci-a quando era pequenina porque fiz uma espécie de videoclip e ela foi mesmo fofa e quando era mais nova ouvia-a imenso e continuo a ouvir, ela é mesmo uma inspiração, principalmente a nível da mensagem dela. Acho que tem uma mensagem bué pura e autêntica e isso reflete-se também na voz dela. Para mim ser autêntica é muito importante.”
Iniciaste os teus estudos musicais por volta dos 6 anos de idade. Quando foi que te apercebeste que era este o caminho que querias seguir?
“Não sei se houve um momento eureca porque eu sinto que sempre soube o que eu queria fazer, juntamente com escrever que é outra coisa que eu faço muito, como histórias e poemas. Lembro-me bué por acaso, de ver a pequena sereia e ficar tipo UAU porque eu sentia uma relação muito forte com a minha voz. A voz é a forma de como nos expressamos ao mundo e eu acho que quando eu ganhei consciência disso, eu percebi que posso mostrar aquilo que eu penso e vejo o mundo através da minha voz. Mas era mesmo pequena, não houve um momento eureca. Os meus pais devem ter percebido que gostava de música e cantava bem e meteram-me na música mesmo muito cedo. Lembro-me que houve um concurso de canto e eu ganhei e fiquei bué confiante”.
O que é que dirias que puxa a tua “veia artística” de forma a criares temáticas musicais incomuns que abordam o fictício e o sobrenatural, tocando em aspetos de dualidade como a relação entre a vida e a morte?
“Acho que é um bocado esta minha procura de respostas do que quer que seja. Tenho mesmo essa necessidade quando olho para a vida e vejo coisas que me fazem questionar, certas injustiças, somos seres super contraditórios e o mundo é super caótico então desde pequena sentia essa necessidade de arranjar respostas para as coisas e eu acho que a arte é um diálogo no final de contas. O facto de que o mercado estar tão saturado havendo a questão da procura e oferta, as pessoas fazem o que o mercado mais procura e é totalmente válido. No entanto, eu acho que há tantas pessoas que têm um mundo interior bué bonito e vasto para expressar e acho que isso é a coisa de mais valor. Se uma pessoa tiver essa preocupação de fazer algo único e fiel a si mesma, acho que vai ser uma cena muito mais especial. “
O teu primeiro single foi “Luza”, lançado há 5 anos atrás. Como foi receber todo este feedback excelente por parte dos ouvintes sendo uma novata na indústria musical na altura? Qual foi a parte mais desafiante neste teu arranque?
“A coisa mais desafiante no arranque, sem dúvida, é tu desligares os macaquinhos da cabeça e fazer só o que tenho a fazer e há muitas pessoas que ficam nesse espaço e depois fica muito difícil de sair, atrasando os seus processos por causa disso. Esses macaquinhos na cabeça são extremamente temporários e não interessam para nada. A quantidade de tempo em que nós ficamos a pensar em coisas que no final da nossa vida não contam para nada. Acho que uma coisa que temos de fazer por nós é, por vezes. colocar-nos em situações de vulnerabilidade e mostrarmos quem nós somos. A vulnerabilidade é um poder enorme (…) e vão haver pessoas que criticam e faz parte. A coisa divertida dessa altura (o arranque) era o apoio e a força que os meus amigos me davam porque já sabiam todos que eu fazia música e dado concertos.”
“Quanto ao feedback, não me lembro do que eu estava à espera. Não tens qualquer perceção nem sabes o que te espera, porque nunca tinha feito isto com esta visibilidade também. Andava às cegas, mas achava que era bom senão não tinha partilhado. Fiz de tudo para que fosse uma coisa bonita e que me refletisse, mas ainda me considero novata honestamente.”
As tuas obras musicais abordam temas complexos e retratam as experiências do ser através de metáforas. Tendo em conta esta tua capacidade, onde vais buscar tanta criatividade para estas entrelinhas?
“Não tenho uma resposta certa para isso. Digo sempre que a criatividade é a minha maior qualidade. Eu estudei literatura e isso também ajuda certamente. Desde miúda que escrevo histórias e tenho uma grande necessidade de justificar a minha existência, ou seja. eu quase não consigo estar parada. Tenho de estar sempre a escrever alguma coisa e os meus amigos dizem sempre para eu parar e ter calma, mas é algo que eu adoro mesmo fazer. Acho que a arte deve ser comunicada e não algo que fica numa gaveta escondida.”
No teu novo single, destacam-se três personagens: Orfeu, Eurídice e Hades, sendo que as duas primeiras são amantes. No entanto, com a morte de Eurídice, Orfeu vê-se obrigado a lidar com a perda e a solidão. Temas estes tão presentes na sociedade atual, como pretendes impactar os ouvintes?
“O facto de ser inspirado numa história antiga é desvantajoso porque já bué gente falou sobre isto, mas também uma vantagem porque é uma coisa presente na nossa consciência coletiva e parte da cultura europeia também. Acho que pegar numa história que já se ouviu muita vez e reinterpretar e dar-lhe uma cara nova é sempre interessante. Gosto de criar um mundo em que as pessoas possam escapar da realidade e se sintam mais calmas e libertas. Devíamos ver o mundo como algo mágico e improvável. O mundo às vezes fica monótono e triste e devíamos tentar meter um pouco de pimenta ou mel. A minha esperança é que as pessoas vejam aquilo, que se emocionem e que aceitem as perdas e os ganhos.”
Orfeu traz referência à mitologia grega, tendo sido um símbolo da arte em geral que, com a sua música, encantava qualquer ser vivo. Existe alguma semelhança entre o teu Orfeu e este poeta?
“Sonhador, sem dúvida, e corajoso porque foi atrás daquilo que queria inconsequentemente dos perigos. Diria apaixonado, curioso por não ter resistido a olhar para trás apesar de tudo.”
O que achas que levou a tua personagem, Orfeu, a olhar para trás no final do videoclip, mesmo sabendo das consequências deste ato? (Eurídice ser “sugada” de volta para o mundo dos mortos)
“Eu acho que essa pergunta é tão antiga quanto a história. Na altura quando escrevi o guião, estava super inspirada e escrevi várias teorias sobre isso. Eu acho que essa história pode ser sobre várias coisas. Ir ao mundo dos mortos pode simbolizar nós a enfrentar as nossas sombras e pode ser uma analogia do ser humano a descobrir o seu lado mais obscuro, e é super importante. Hades pode simbolizar o teu inconsciente, aquilo que mais rejeitas e mais de assusta. Eurídice pode simbolizar o ego e tu tentas ir recuperá-lo e perdes. Acho que para a arte é importante que não seja forte. Fazes só as coisas por pura vontade e não para ser reconhecido. O Orfeu a virar-se para trás, é a tentação e nós somos extremamente culpados por isso. Não resistimos e queremos sempre saber o que está no outro lado.”
Orfeu é um semideus e Eurídice uma ninfa. Porque é que, no teu videoclip, Orfeu é representado por uma mulher e Eurídice por um homem?
“Porque eu me identifico muito mais com Orfeu do que com Eurídice. Gosto desta coisa de mudar os papéis, lá está, já que uma coisa foi vista tantas vezes e quis ser uma coisa um pouco diferente. Há duas personagens que não existem na mitologia lá (videoclip), os espíritos guias, que servem para criar mais pontos entre o elemento humano e o mundo dos mortos. É uma cena de me identificar mais com a personagem principal. Não me identifico tanto com a Eurídice a esse ponto e essa cena de fazer uma procura pela arte mesmo genuína e ir buscar também às minhas perdas coisas para criar. Mas no fundo (…) nós podemos identificar-nos um pouco com todas as personagens.”
Se ainda não ouviste e ficaste curioso sobre o novo single da Merai, clica no link abaixo!
Merai – Ser (Mito de Orfeu) (youtube.com)

Este artigo é da pura responsabilidade da autora, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.
Escrito por: Madalena Cardoso
Editado por: Catarina Soares

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