Crónica: Viver em Portugal

Escrito por

Ninguém precisa de ver os noticiários assiduamente para saber que Portugal está a enfrentar uma série de adversidades nos mais variados setores (isto foi a maneira mais simpática que arranjei para descrever o que, na verdade, se passa). O Sistema Nacional de Saúde está em crise, o ensino e a independência dos jovens adultos comprometidos…

Fonte: Íngride Pais

Começamos logo no início da vida: o nascimento. Até parir é um problema neste país. Porquê? Muitas das urgências de obstetrícia encerram durante x tempo. Se o intervalo entre rebentarem as águas à mulher e o nascimento da criança for de umas 12/13 horas, dá a possibilidade de verificar qual é a urgência aberta mais próxima e rezar para que entretanto não encerre também. No entanto, se for de apenas uma ou duas horas, a probabilidade de nascer no hall de entrada do prédio ou na ambulância, aumenta significativamente. Quando chegam à urgência que está aberta (a 200 quilómetros de casa), o próprio bebé já cortou o seu cordão umbilical. Ou seja, tudo vai depender da quantidade de fogo no rabo que o puto tenha para nascer.
Claro, existe sempre a opção de recorrer ao privado (deixando lá o valor de um rim mais IVA). O melhor é investir em seguros de saúde, tanto para parir como para ter um pediatra no privado. Sim, porque as urgências pediátricas também estão nas ruas da amargura. Isto tornou-se num problema a longo prazo: começa nos bebés e estende-se às crianças e jovens até aos 18.
Vendo isto num ponto de vista empreendedor, a carreira de parteira parece tentadora. Não estou a ver o Chat GPT a ajudar no parto. Um robô talvez, mas acho que robôs obstetras ainda não são uma realidade. As seguradoras podiam incluir serviço de parteira no plano de saúde. Já têm médico ao domicílio, incluíam também a parteira.
Em 2023 escrevi uma crónica sobre este tema para a disciplina de Português (beijinhos professora Ana Paula Neves). Na altura, o título “Parir em 2023” parecia-me adequado. Vendo como estão as coisas agora, acho que não devia ter colocado um ano em específico.

Depois da criança nascida, aos 2-3 anos, vem o problema número 2: conseguir uma creche. Não há vagas nas públicas, obrigando assim alguns pais a recorrer às privadas. No entanto, já nem essas têm vagas! Uma alternativa é deixar os putos com os avós. Garanto que nenhuma das partes é prejudicada. “Mas, e se a criança não tiver avós?” Não tenho nada a ver com isso, desenrasquem-se. Sejam criativos.
Português que é português não gosta de quebras na rotina. Seguindo esta lógica, claro que o resto do ensino também está mau. É que para ensinar os jovens dá um certo jeito que haja professores. Spoiler: não há. Milhares de alunos começaram este ano letivo sem terem professores em algumas disciplinas. E qual foi uma das possíveis soluções do governo para combater esta crise? Abrir um concurso para docentes reformados (atenção: só vão os que quiserem voltar a dar aulas). Lá vai a Professora Petúnia no auge dos seus 87 anos voltar a dar aulas de Ciências Naturais a miúdos estridentes e imaturos do 8°B.

Entretanto, o jovem atinge a maioridade e tem três opções: ir para a universidade, trabalhar ou não fazer ponta de um chavelho (esta última só é válida para gente podre de rica).
Quem escolhe a primeira opção a pensar que a vida do universitário é só álcool, noitadas e trajes académicos… Estão totalmente certos, mas dá jeito ir às aulas e passar às cadeiras. No entanto, a conta bancária de alguém vai chorar (ou a do estudante, ou a dos pais, ou de ambos): quartos a custar 400€/mês (no mínimo), propinas, comida, um computador novo pois o velho portátil dos anos 2000 não suporta o SPSS. Até o bendito traje académico é caro. Sempre podem trabalhar no verão para conseguirem arcar com as despesas… Ou vender fotos dos pés em plataformas duvidosas. Não julgo ninguém.
Quem optar por ir trabalhar começa logo a ganhar o seu dinheirinho legítimo, com o seu esforço e suor. Enquanto estiverem a viver em casa dos pais é uma maravilha: recebem dinheiro e não têm de pagar a renda da casa (acho eu). Claro, acredito que contribuam para as despesas. No entanto, também têm de lidar com algo novo: o IRS.
Depois de estarem todos no mercado de trabalho (exceto o ricaço que escolheu não mexer uma palha), os jovens adultos vão querer sair debaixo das asas dos pais… Só não sei para onde, porque um T1 em Lisboa custa 1200€/mês. Comprar um apartamento então, é impensável. A opção mais barata é comprar uma tenda e ir para um parque de campismo.

A população portuguesa é muito envelhecida. Em termos práticos é preciso que os portugueses façam bebés. Muitos bebés. Mais precisamente dois por casal. O que é que impede os adultos de serem pais? Bem, basicamente tudo o que referi até agora.
Falemos agora dos nossos queridos idosos. Existem dois tipos: os que recebem reformas como a do  Ricardo Salgado (em 2017, agora já está um pouco mais pobrezinho) e aqueles cujas reformas mal dão para as despesas básicas. Andaram a vida inteira a trabalhar para depois receberem uma ninharia. Depois existe o terceiro tipo de idoso que se chama Petúnia, que foi professora de Ciências Naturais há 20 anos atrás e que não se importa de voltar a dar aulas a miúdos irritantes do 8° ano.

Este artigo de opinião é da pura responsabilidade da autora, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.

Escrito por: Íngride Pais

Editado por: Catarina Soares

Deixe um comentário