Erica Rodrigues em Divertida-mente 2: “Eu precisava de ouvir muitas coisas que disse enquanto ansiedade”

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Sabias que a voz da ansiedade estuda Ciências Políticas no ISCSP? O jornal desacordo esteve à conversa com a atriz e dobradora.

Fotografias de Lobo Mau Produções.

Erica Rodrigues vem do teatro mas também trabalha no mundo das dobragens há cerca de 10 anos, sobretudo na área da televisão, para canais como o Cartoon Network e Disney Channel. No entanto, também já fez parte de grandes novelas portuguesas, como é o caso de Queridos Papás, da TVI. Atualmente, ganhou grande protagonismo com o seu mais recente trabalho: dar voz à Ansiedade no segundo filme do Divertida-mente. 

Como é que surgiu na tua vida a ideia de representar?

Olha, na verdade, foi uma coisa que aconteceu. Eu admiro muito as pessoas que desde muito cedo sabem aquilo que gostavam de ser, mas a mim não me aconteceu nada disso. Eu em pequenina queria muito experimentar várias profissões, porque, na verdade, eu gosto de muita coisa. Sou muito curiosa. Se me pagassem para estudar, eu era perfeitamente feliz. 

Eu sempre estudei ciências. Queria muito estudar física. Física relacionada com sistemas interplanetários, resíduos espaciais. Só que cá em Portugal não tens propriamente hipóteses para isso. Então, tive que condicionar o meu sonho. E tinha muito boas notas, então estudei fisioterapia. Isto porque, como venho da ginástica, da dança, etc., aliei a ideia do movimento com a continuação de uma curiosidade pelo corpo humano que eu já tinha. Nisto, percebi que não era por ali. Era muito boa no que fazia, mas… faltava qualquer coisa. E então decidi parar. Fui trabalhar para lojas de roupa. Fui ocupar também o meu tempo, ganhar o meu dinheiro. De repente, vou fazer um workshop de teatro que apareceu no meu e-mail, até hoje eu não sei como.

Nesse workshop apaixonei-me por um ator com quem namorei muitos anos. E fiquei muito curiosa como é que um ator pensava, como é que se aprendiam os textos, como é que o trabalhas, como é que tu decoravas o movimento, como é que acontece o pensamento de um ator. Venho exatamente desse estudo anatómico, biológico, da fisioterapia e de repente há aqui uma total inversão do universo que eu conhecia, que é muito mais formal, mais objetivo, para algo que é absolutamente subjetivo. E então, propus-me estudar num curso pós-laboral. Trabalhava durante o dia, nos mais variadíssimos trabalhos para pagar esse curso. Entretanto, fui para a escola de teatro, licenciei-me em teatro, no ramo atores, e como tenho esta inquietação pela vida e esta curiosidade, agora estudo Ciências Políticas no ISCSP.

Porquê Ciências Políticas?

Olha, há quem escreva um livro, há quem tenha um filho, quem plante uma árvore, eu estudo. Pronto! Vou trabalhando o meu desenvolvimento pessoal, o meu sentido comunitário. Determina-se política para os políticos, e, na verdade, todas as decisões que tu fazes são política, são coletivo, são comunidade, é impossível diferenciar-se umas coisas das outras. E esta ação de me propor ao curso já vem de algum tempo. A Ciência Política teve a ver muito com o Covid, uma série de ações nas quais estive envolvida e que fiz parte, e que propus, e das quais apoiaram muito esta decisão. Acho que há uma desinformação brutal, acho que se lucra muito com essa desinformação, ou seja, a forma como tu diriges as coisas não são simples, são bastante distantes, e também distancia a possibilidade de tu te relacionares com termos, com movimentos, com eventos, com pessoas, porque achas que aquilo não é para ti.

E eu comecei a sentir esse gap a acontecer na minha vida, muito também porque sou artista, e porque [senti] as consequências para os artistas no Covid. De repente estava-me a relacionar com uma série de questões para as quais debatíamos imenso, mas eu sentia uma espécie de entrave, porque não tens a linguagem, não tens a terminologia […] Há às vezes um pertenciozinho qualquer por parte da classe política, que é, se tu não soubesses os termos, se tu não falares exatamente by the book, protocolarmente, então parece que é um hobby, ser-se artista cá em Portugal, parece que é uma coisa que não é o teu trabalho. Muitas vezes, quando as pessoas sabem que sou atriz, dizem-me “certo, mas qual é o teu trabalho a sério?”.

Então sentes-te um bocado desvalorizada pelo nosso país?

Prefiro a palavra desprotegida. Não tens essa proteção social, não tens essa proteção fiscal, e todo esse desconforto que me estava a causar, todo esse desconforto por sentir que, de repente, se eu não falar uma certa linguagem, então sou metafórica, e “lá estão os artistas a serem artistas”. Tens aquela expressão de “não sejas artista”, no sentido pejorativo. Foi isso que me levou [a frequentar o curso], por desenvolvimento pessoal, por desenvolvimento coletivo, e porque, de facto, também a arte, mesmo a de entretenimento, que para mim toda a arte é válida, é também política. Fazer rir é político, mesmo que pareça só um espetáculo para entreter. É sempre. Há qualquer coisa que tu estás a criar entre polos. E a política, para mim, é isso.

Divertida-mente 2

Gostas de ter esta projeção, de ser conhecida pelas pessoas ou preferes passar um bocadinho pela sombra?

Olha, na verdade, não é um sim nem é um não. Faz parte do meu trabalho. Eu prefiro a palavra reconhecimento do que conhecerem, ou seja, reconhecerem o trabalho que eu chego, porque são diferentes camadas, não é? Sendo que o público é todo ele transversal, desde os mais pequeninos até às falas mais vezes, ou seja, é sempre público. Na verdade, não é uma questão de gostar ou não, é uma condição que o trabalho propõe. Entramos em tua casa, ouves a voz, é normal que a familiaridade aconteça. Portanto, é uma coisa que eu aceito naturalmente, mas que me é estranho, não te vou mentir.

Em uma entrevista ao CM, Erica confessou sentir-se um pouco envergonhada por ser abordada na rua. 

Eu comecei a fazer televisão não há muito tempo, ou seja, com maior volume e maior projeção não há muito tempo. Eu venho muito mais do teatro, da performance, dobragens, portanto, de repente, reconhecerem que é um bocadinho estranho e eu acho sempre que é por causa do teatro porque tem a ver com o meio onde eu me movi mais durante muito tempo. Na verdade, apesar de ser comunicativa, eu sou muito tímida. Toda a gente acha que eu me desenrasco muito bem a falar com o público, mas eu fico tão tímida.

No caso aqui do Divertida-mente, é muito giro porque, de facto, eu aqui não dou a minha imagem, dou a minha voz. Então, há mais o reconhecimento por parte dos meus colegas, porque sabem que sou eu, porque à partida não tens uma imagem associada a quem foi o ator, nem sinto muito que faça algum sentido, porque me imaginar um infantil não é isso que importa. O que importa é associar-se ao boneco. Às vezes há pais, que não o fazem por mal, mas que me pedem para eu, de alguma maneira, ser um bocadinho o boneco. Tem a ver com uma coisa de carinho e divertido para que os filhos possam ver quem está à frente, quem está atrás, neste caso, da voz do boneco, mas não é muito produtivo, porque eles, na verdade, ficam muito confusos.

Falando um pouco agora sobre o Divertida-mente, como foi fazer parte deste projeto?

Eu tenho colegas fantásticos, são mesmo a Liga dos Campeões. Sabes aquele momento em que tu ficas mesmo orgulhosa de fazer parte… olha até me estou a emocionar… de fazer parte de um projeto onde onde as pessoas são mesmo muito vulneráveis e muito gentis com o que fazem, estão de facto a fazer aquilo percebendo a necessidade e a inteligência de um projeto. Fazeres parte de um projeto onde te falam sobre identidade, sobre vulnerabilidade, sobre inteligência… é muito importante. Acho que é um filme transversal, para crianças e adultos, acho que é muito bonito estar na sala com crianças, é fantástico, e há de facto uma compreensão e uma consciência diferente de uma criança para um adulto. E eu estava na sala a ouvir algumas crianças e foi tão bonito pensar assim “um dia eles vão perceber o que é que este filme era” e é muito engraçado perceber que os pais entendem o filme de uma outra forma, é normal. Acho que, de certa maneira, todos nos relacionamos com muito do que está ali. E se não nos relacionamos, vamos nos relacionar, porque faz parte do crescimento. 

É muito engraçado porque, no meu caso, este filme comunicou-me muito. Eu precisava de ouvir muitas coisas que disse enquanto ansiedade. Há ali frases.. Quando as disse, fiquei assim “ok, vou ter de apontar isto no meu telefone, vou ter de ler isto”. Obrigada à ansiedade, eu precisava de ouvir isto. Fiz uma frase linda da alegria… “Eu não sei como parar a ansiedade. Talvez seja assim, quando se cresce sente-se menos alegria.” Como a ansiedade dizer “eu planeei o futuro, eu protejo-vos a todas”. E é verdade, ou seja, se nós pensarmos na ansiedade, tirando a carga que socialmente põe como uma coisa tóxica, não é uma coisa má, é uma coisa de proteção, de te balizar hipóteses.

Por fim, Erica partilha a sua visão sobre o filme.

Acho que estamos a passar por uma crise social, humana, de alguma maneira. Estamos com um pensamento muito separatista, estamos muito polarizados. E acho que o filme discretamente fala sobre essa polarização, o crescimento, os processos, a forma como tu lidas, como também socialmente te põem a lidar com as tuas emoções, esconder aquilo que é negativo, seja lá o que for isso, das emoções negativas, porque eu não concordo nada com esses termos. Mas, de repente, a alegria é uma coisa positiva, e no próprio filme dizem “até tu, alegria, fazes asneiras”.  Acho que também vivemos numa pressão tão grande sobre sermos felizes, é tudo positivo, é tudo alegre, é tudo empático. E não é possível ser sempre empática se não tiveres momentos em que não és empática.

Por isso é que eu acho muito importante no filme, quando a alegria tenta aquela identidade do “eu sou boa pessoa, eu sou boa pessoa”. Eu já persegui essa ideia durante anos. E, na verdade, acho que foi das coisas que mais me magoou. Tentar tanto. Tentas tanto uma ideia, que de repente, na verdade, aquilo é só para alimentar o teu vazio. Porque tu não vais ser sempre boa pessoa. Tu não vais sempre agir bem de acordo com a perspectiva de alguém. Às vezes até a ti. Às vezes tu magoas-te a ti mesma, para agradares a alguém, para agradares a alguma coisa. Portanto, para mim é muito importante quando no filme muda a questão da identidade e diz “eu sou boa pessoa, eu sou má pessoa, eu sou boa amiga, às vezes eu sou má amiga”. Às vezes és. Às vezes não és suficiente. Às vezes és egoísta. O problema é a carga com que se põe nisso. Sinto que estamos todos a tentar perseguir uma ideia imaculada que nos faz, na verdade, sermos muito distantes uns dos outros. Porque eu tenho de aceitar que nem sempre vou ser boa para alguém. Às vezes eu não sou boa até para mim. Mas há que saber aceitar, avançar e fazer o melhor que se pode.

Curioso com este filme? Podes ler mais sobre ele aqui!

Escrito por: Marta Ricardo

Editado por: Bianca Carvalho

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