Zé Menos lança “Quatro Partos”: “[Os cravos] estão meio secos”

Escrito por

No passado dia 5 de abril de 2024, o artista Zé Menos lançou o single “arena”, em colaboração com Pedro O Mau, para preparar o lançamento do EP “Quatro partos”, entretanto lançado a 31 de maio.

Zé Menos (Fonte: Simão Costa)

Cinco anos foi o tempo que os fãs do cantautor José Poças, nome real do artista, tiveram de aguardar por um novo trabalho após o seu álbum de estreia “o chão do parque”. Esta interrupção no lançamento de músicas originais de Zé Menos não significou que a sua atividade na indústria musical tenha ficado em suspenso. Durante este período, acompanhou e trabalhou em projetos como o de MONA LINDA e de Riça, inclusive como engenheiro de som e diretor criativo. Funções desempenhadas por José Poças de que também beneficiaram projetos como Redoma, ALMA ATA, João Não ou Sien.

Num comunicado da Biruta Records (editora discográfica de Zé Menos), conseguimos verificar que se no seu álbum de estreia o artista tentou procurar uma sonoridade mais ligada ao hip hop nacional, neste novo trabalho “zé menos caracteriza-se enquanto cantautor contemporâneo, servido dum instrumental eletrónico de cadência lenta, a espaços com o alvoroço das suas palavras, que lembram da importância de cuidarmos das conquistas de Abril de há 50 anos”.

Zé Menos associa a melancolia que caracteriza este seu novo projeto a uma depressão que teve no final de 2021 e em 2022. O artista refere que neste trabalho exprime a vontade de ser mais leve, o que considera, no entanto, um tema de peso, por esta ser uma vontade e não uma evidência.

O cantautor de Gaia é conhecido pelas suas performances expressivas, que remetem até, por vezes, para um estado de catarse, pretendendo não deixar o público indiferente às suas atuações.

O Jornal desacordo esteve à conversa com o artista sobre o novo single “arena”, onde foram inclusive abordadas as simbologias por detrás da letra e da canção. Afinal, qual é a arena a que faz referência Zé Menos? Foram estas e muitas outras perguntas que foram postas ao artista numa conversa dirigida por Marta Ricardo e José Pereira.

Quem és? Qual o teu percurso na música e quais as tuas maiores conquistas?

Eu tenho 28 anos, comecei a fazer música, comecei a fazer um bocado antes [aos 16 anos]. De uma forma já um bocado mais séria, lancei o primeiro disco em 2015, com outro nome. Era Cap, era o meu nome inicial de rap. E depois também fui-me afastando um bocado do rap, digamos, tradicional ou convencional. E culminou um bocado nesta mudança de nome para Zé Menos. E em 2019 lancei o Chão do Parque e acho que se calhar agora com estas novas músicas, começa a ficar um bocado complicado falar em rap. […] Agora se calhar seja uma espécie de cantautor de qualquer coisa, não sei. – Urbano ou não sei.

Porque decidiste mudar de nome artístico?

Já não me identificava nada com o nome anterior. E queria algo que fosse um bocadinho mais perto de mim e não tivesse uma barreira tão grande entre o artista e a pessoa. Tipo o nome, ao menos. É o meu nome, chamo-me Zé. O menos vem um bocado de um AKA que havia na altura de Cap. Que era a cena de Menos Um a Mais. E até há uma música com esse nome no disco de Cap.

O que te inspira para escreveres as tuas canções e porque é que sentes deves escrever sobre elas?

O que me inspira… É um bocado difícil de apanhar o que é que me inspira. Ou o que é que me interessa. […] Tipicamente, eu tenho a tendência a preferir assuntos difíceis, pesados, tristes, melancólicos, whatever. Porque para mim é o tipo de emoções que quando me esbarro nelas demoro mais tempo a processar. Então, se demoro mais tempo a processar sem ter necessidade de escrever sobre elas, acabo por fazer músicas sobre elas.

O rap tinha e tem um problema para mim que é tentar, e agora vou fazer um exagero, mas tentar regularmente sintetizar o sentido da vida numa única linha, e uma coisa que me foi frustrando, à medida que fui crescendo, era que arranjei aqui uma metáfora que estou aqui a gastar num único verso, numa única linha de texto, e que na verdade acho que isto tinha muito mais para experimentar e eu podia usar esta ideia para uma estrofe inteira.

Hoje em dia é mais regular eu começar a escrever a partir de uma ideia cada vez mais pequena, ou ter a vontade de escrever uma música e ter uma ideia anotada que é, este exemplo é do Chão do Parque, hoje não soube apertar as botas. Era uma frase que eu tinha no telemóvel quando comecei a escrever aquela canção. E decidi escrever a canção por causa daquela frase, hoje não soube apertar as botas e não sabia muito bem para onde é que eu ia com aquilo, mas sabia que a frase era estranha e que a ideia era estranha, apesar de ser uma cena super simples, palavras super simples. Isto não tem nada de esquisito, é hoje não soube aportar as botas. Mas é muito estranho porque isto quer dizer que eu hoje não soube fazer uma coisa que eu sei fazer e que não se esquece, não é uma coisa que se esqueça se tu fazes todos os dias.

E artistas? Quais é que inspiram a tua arte?

Às vezes há artistas que me inspiram porque me identifico com o percurso deles, e com a idade em que eles conseguiram certas coisas, ou a idade em que eles fizeram certos discos. Às vezes são cenas muito específicas. Ou por serem do Porto, ou por serem de Gaia.

Uma artista que me tem inspirado muito ultimamente é a Garota Não. Em muitos aspectos o Manel Cruz também, ao longo dos anos que volto, a coisa que ele fez, e às vezes até numa perspectiva de postura, inspira-me por motivos mesmo disso. Muitas vezes não é especificamente a música, é qualquer coisa que a música daquela pessoa, ou eu ver aquele artista a atuar, é qualquer ideia que me salta. Eu gosto da forma como este gajo faz isto, e pode não ser música. Pode ser, pronto, lá está, postura, ou atitude, ou performance.

Nós podemos identificar algumas temáticas mais presentes nas tuas músicas. És uma pessoa vocal sobre saúde mental e também sobre alguns assuntos de política. Na capa do teu single, podemos ver uma mesa modesta, se me permites agora uma interpretação. Muitos objetos modestos. Temos o pão, temos o martelo de madeira que pode simbolizar o trabalho, mas que ainda é bastante rudimentar. Não quererás fazer uma crítica a um 25 de abril que ainda não se cumpriu na sua totalidade ou está mais longe de se cumprir do que era suposto depois de 50 anos, por exemplo?

Na verdade, o que estava nessa mesa foi a ideia do José Magro que realizou o vídeo. Tanto aquilo que foi a interpretação dele como os motivos pelos quais aquilo fazia muito sentido de ser usado com a música e essa canção.

Eu sinto claramente uma desilusão regular com algumas coisas e não é de agora. – Essa música foi escrita praticamente toda em 2021.

Nomeadamente a habitação que está num estado que é uma coisa que preocupa a minha geração e gerações acima preocupa a vossa de certeza e que no espaço de 5 anos ou até alguns colegas vossos já estão a passar por esse drama e as famílias deles. Isto é uma coisa que afeta toda a gente e acho que precisa de uma solução mais séria.

Muita gente se arriscou para fazer aquilo [o 25 de abril de 1974] e acho que não se toma o risco necessário para se manter os valores e com o risco necessário não estou aqui a falar de atitudes até tão arriscadas como as deles e revolucionar isto tudo. Estou a falar de sermos um bocado mais proactivos a resolver os problemas e não deixar só arrastar tanta coisa.

Acho que [isso] frustra. Sabes? Ver diversos atores com cravos na boca e depois uma pessoa vai ver e acho que estão meio secos […]. A gente não toma conta do jardim e chega alguém que não tem relação emocional com aquilo erradamente e acha que é para ir embora, é para mandar tudo abaixo.

O que representa a “arena” do teu single?

Eu acho que é uma arena onde nós não queremos estar mas estamos todos ou quase todos. Uma arena num sentido muito free for all, muito gladiador todos contra todos que é um bocado aquilo que eu sinto que é incitado regularmente no nosso dia-a-dia na forma como a sociedade funciona em muitas coisas e também na forma como muitas pessoas escolhem olhar para a sociedade, verdade seja dita. Também no sentido de estarmos todos dentro dela  e estarmos todos na mesma situação. É uma coisa muito má que nos une de certa forma que é – todos os que estamos cá estamos na mesma posição. É um bocado esse sentido claramente anticapitalista na sua base.

Porquê o Pedro, o Mau? Foi uma escolha imediata ou pensaste em mais alguém?

Foi ele que me convidou. Eu acho que na altura já tínhamos falado em fazer um EP. […] eu aceitei a proposta porque a proposta foi interessante porque eu já conhecia o Pedro, não pessoalmente, mas sabia o tipo de coisas que ele estava a fazer e o convite foi “Zé eu quero-te oferecer uma segunda casa de sonoridade e músicas instrumentais que te permitam continuar a experimentar” e isso para mim na altura não havia motivo para dizer que não.

Fala-nos do nome do teu EP.

O EP chama-se “Quatro Partos” e quando estava a discutir isto com o Pedro [O Mau] havia outros nomes. A única forma deste nome ter chegado até ao fim das hipóteses foi que o EP não tinha quatro músicas porque se o EP tivesse quatro músicas era impensável eu usar o nome “Quatro Partos” porque só a ideia de alguém achar que aquele quatro estava relacionado com o número das músicas, para mim é uma ideia de uma cena aborrecida tipo há quatro [canções]. Só a hipótese de alguém achar que estava associado faria com que eu não quisesse usar aquilo. O Pedro percebeu perfeitamente. Ele estava alinhado e até para ele também teria sido uma cena. Nessa altura o EP tinha cinco músicas e depois não cresceu mais a outra.

Para o futuro, Zé Menos prepara um novo EP para além daquele que nos foi apresentado no final do mês de maio. Tem a pretensão de dar concertos na capital e no Porto e tem um especial desejo de se apresentar em Braga e em Coimbra e de, finalmente, concretizar um concerto no Algarve, pois, como nos teve ainda a oportunidade de revelar, Zé Menos teve em anos anteriores a oportunidade de dar um concerto em Loulé, algo para o qual estava bastante recetivo, mas que não viu a luz do dia.

O cantautor gaiense procura agora apresentar ao maior público possível este seu novo projeto, “Quatro Partos”, feito em colaboração com Pedro O Mau e que conta com 6 canções a adicionar aos seus repertórios.

Podemos esperar projetos futuros de Zé Menos, num momento em que o artista pretende dar-se a conhecer a novos públicos, tendo um concerto marcado em Lisboa, na casa do comum, a acontecer já no dia 12 de julho, sexta-feira.

Escrito por: José Pereira, Marta Ricardo

Editado por: Bianca Carvalho

Deixe um comentário