Na primavera deste mesmo ano, o mundo da música será mimoseado com Entre, o novo álbum da artista portuguesa sús. Este trabalho promete ser uma “tapeçaria sonora rica, tecida com os fios da voz e da eletrónica”, elementos recorrentes na arte de Susana Nunes. Com três singles já revelados ao público – Primavera Deserta, Cicatriz e Além do tempo – convido todes a explorarem, nesta entrevista, um pouco do mundo de sús.
Começo por dar um breve contexto biográfico da artista: Susana Nunes iniciou a sua formação clássica quando tinha 5 anos de idade. Mais tarde, começou a explorar o mundo do jazz, tendo feito uma das suas educações formais em canto, nesse mesmo género musical. Além da sua formação académica, sús tem vindo a desenvolver diversos projetos, nos quais explora “palavras, linguagem, tradução e símbolos”.

A Entrevista:
Sendo Portuguesa, como é que a tua origem influencia o teu trabalho artístico?
O meu contexto tem uma grande influência na minha expressão artística. Costumo dizer que as canções que escrevo são um género de canções sem receita, mas com uma memória antiga daqueles livros de culinária que estão na cozinha cheios de fita cola já a segurar as páginas. Tem muito do meu contexto, da tradição, da perda, do amor e da melancolia. De alguém que cresce ao pé do mar porque, no fundo, é isso, eu nasci numa cidade muito pequenina (Esposende), a 10 minutos do mar e da água, e acho que há muito disto na minha música também.

Com base na tua experiência artística, consideras que Portugal está preparado para acolher/impulsionar novos talentos e estilos musicais fora dos mainstream?
Eu acho que sim, cada vez mais há provas disso. Existem cada vez mais coletivos e manifestações artísticas fora do mainstream e também vários festivais e editoras que começam a ter renome internacional. Na verdade, em diferentes géneros e em diferentes tipos de manifestação artística. Creio que cada vez mais há provas de que há lugar para isto em Portugal.
Como foi o processo criativo por detrás do álbum “Entre”?
Foi uma Montanha-Russa, um bocado tempestuoso, mas maioritariamente foi um processo de empoderamento. “Entre” é o meu primeiro disco a solo. Embora tenha participado em vários projetos como intérprete e também como compositora, é o primeiro disco em que assino totalmente a produção e tudo no geral .
Em muitos momentos foi um processo assustador. Foi achar que não ia ser capaz de fazer tudo o que estava dentro da minha cabeça, traduzir o que eu imagino, por sentir que tinha falta de ferramentas. Foi uma aprendizagem muito grande e foi um processo de muito empoderamento, sentir-me capaz de sentir as coisas. Ainda que tivesse sido uma montanha-russa, foi uma boa viagem.
Como descreverias o teu processo criativo em geral?
É um processo bastante fluído e assim em fluxo, de alguma forma. Acho que quem vê o meu processo de fora talvez tenha a sensação de que é muito caótico, mas existe muita organização. É um caos organizado para mim digamos, eu vejo o caos como uma potência e o início de alguma coisa. Acho que há muitas coisas que alimentam o meu processo criativo e elas existem em mim e à minha volta.
“eu vejo o caos como uma potência e o início de alguma coisa“
sús
Não gostas de falar sobre os significados, tanto das letras, como das coisas, porque são muito pessoais e tens quase medo de estragar a mensagem, certo?
Sim. Não é que eu tenha medo de expor a parte pessoal do contexto, é mais esta coisa de não querer roubar um espaço tão bonito que é a interpretação. Acho que também há interesse em explicar as coisas e explicar as minhas ideias em contextos diferentes, mas neste tipo de contexto eu acho sempre que é tudo mais interessante quando alguém olha para as coisas e vê o que tem a ver, olha, e se relaciona de uma forma, Para mim origina uma relação.
Hoje em dia, estamos rodeados de estímulos constantes. Acreditas que isso pode influenciar o processo criativo? Constitui um obstáculo à criatividade?
Eu acho que pode influenciar o processo criativo, mas o impacto não tem de ser necessariamente negativo. Funcionamos todos de uma forma diferente, temos todos diferentes processos de criação. Imagino que para algumas pessoas possa ser um obstáculo, mas não acho que exista uma resposta clara. É uma zona cinzenta de alguma forma, acho que estes estímulos em alguns momentos podem ser, lá está, estimulantes, podem trazer muitas ideias e muitas coisas novas, mas também podem ser assoberbantes. Acredito que possa trazer as duas coisas, na verdade.
A música Cicatriz trata as feridas como potência e lugar de transformação. Acreditas que esta mensagem pode ser aplicada ao nosso contexto democrático atual?
Ainda que acredite que as emoções e o afeto são uma força política, não pensei nesta canção de uma forma politizada, num sentido mais óbvio da palavra. A minha esperança é que o contexto democrático atual se transforme. A minha esperança é esta, é que exista uma transformação. A esperança é essencial neste momento, acho que entre outras coisas, a esperança e dar as mãos são essenciais. Espero que uma mudança radical ocorra brevemente.
Podemos esperar uma tour do álbum “Entre”?
Podemos esperar, ou espero que possamos. Está-se a costurar, estamos aos poucos a tentar montar a tour, vamos ver o que é que acontece.
De que formas podemos apoiar a tua arte?
Está aqui uma porta para falar do quão difícil é existir nas plataformas de streaming e ser parte da indústria. Tenho uma crença muito romântica de que a força da comunidade vai fazer com que se criem novas formas de existir e de nos apoiarmos uns aos outros. Ainda assim, partilhar, ouvir, acompanhar o meu trabalho, vir aos concertos, comprar CDs, quando for possível, ouvir música minha e de outras pessoas, plantar flores, é por aí.
Na música Primavera Deserta, mencionas o jogo Batalha Naval. Se fosses um jogo de tabuleiro qual serias?
Esta é uma pergunta muito difícil, porque vivo num lugar onde tenho fama de ser a pessoa que odeia jogos de tabuleiro. Existe um jogo que se chama: The mind. É um jogo de cartas em que cada pessoa tem uma carta coletivamente e têm de criar a ordem certa, então tens de imaginar e de conectar com as pessoas. Não sei se eu seria este jogo, na verdade, mas a resposta é que este é um jogo de que eu gosto.
A Natureza é uma protagonista recorrente nas tuas músicas, que planta melhor representa o álbum Entre?
É difícil também, a primeira que eu imaginei assim sem pensar muito foi um salgueiro chorão, ou um lírio.
Se cicatriz fosse um doce tradicional português, qual seria?
Olha estas perguntas são muito boas (😊). É que são perguntas que eu poderia fazer. Costumo perguntar às pessoas que fruta é que seriam, é uma pergunta de que gosto muito. A cicatriz é uma canção com uma consistência resiliente. A primeira coisa que vem à minha cabeça, mas eu não estou muito contente com esta resposta, é um bolo rainha. Na verdade, é uma música com muitas camadas e ar no meio, não é um mil-folhas, Talvez seja um sonho, não sei bem. Abriste aqui um portal para dúvidas existenciais. Se calhar é um filhós daqueles de forminha. Estou a imaginar. Tem de ser algo um bocadinho ácido, os doces em Portugal têm muitos ovos, não há assim nada de limão. O primeiro foi bolo-rainha, mas foram duas sobremesa do natal, isto não tem nada de natalício. Agora pensei no pudim, tem aquele cítrico da laranja, ainda que seja doce, acho que é o mais cítrico que vou encontrar.
Para mim é arroz-doce, porque os desenhos de canela lembram as cicatrizes.
Comecei a pensar na aletria, não sei porque é que estou com sobremesas de natal na minha cabeça. Acho que me vais convencer com arroz-doce, daqui a dois dias vou escrever-te assim: olha, é arroz doce.
Por fim, vou roubar-te a pergunta que fazes a toda a gente: que fruta é que tu és?
Sou duas frutas, acho que sou uma romã e um figo, Uma assim mais doce e uma mais ácida. Não é que eu seja muito ácida, na verdade, sou mais do doce do que do ácido.
Obrigada por teres vindo, por me dares a oportunidade de partilhar a tua arte e de falar sobre ela, de falar contigo e parabéns pelo álbum e pelo trabalho que tens feito ate agora.
Plataformas da artista:
Spotify: https://open.spotify.com/intl-pt/artist/5KPx6xI1tSCazXrwc5rXTc?si=fIEZDPneRtCbs–P0XVHrw
Instagram:https://www.instagram.com/__iamsus?utm_source=ig_web_button_share_sheet&igsh=ZDNlZDc0MzIxNw==
Escrito por: Sofia Isidoro
Editado por: Diana Gaspar


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