No passado mês de fevereiro, tive a oportunidade e o prazer de entrevistar o rapper Kilate, que me deu a conhecer alguns detalhes do seu processo criativo e do seu estilo musical único, além de clarificar algumas dúvidas relativas à sua carreira e à sua escrita. O artista vai lançar um álbum ainda este ano, um projeto em parceria com o produtor SoundSkillz, e promete entregar tudo.

Qual é a origem do teu nome artístico?
É muito simples. O termo quilate ou quilates é a designação da quantidade que tu tens no diamante, no ouro. Quantos mais quilates tu tiveres, de maior pureza e maior qualidade é o ouro, por exemplo. E eu queria trazer a maior qualidade que eu tenho e que sei fazer para a música. Basicamente é isso.
No primeiro single que tens no YouTube, o “Fala Bem”, tu criticas o vazio lírico que existe no mundo do hip-hop e na priorização dada à imagem do artista e à utilização de uma fórmula para ter sucesso. Desta forma, gostava de te perguntar que características de uma música são mais importantes para ti durante o processo criativo.
Pessoalmente, a nível do processo criativo da música, eu prezo muito, muito, muito a letra, dado a sempre ter gostado de rap e de, quando comecei a ouvir rap, ouvir mesmo a “caneta”, a letra, o que é que dizia. Eu lembro-me perfeitamente, na altura em que mal havia net, que ouvia, por exemplo, cenas do Valete, palavras que ele dizia e que eu não entendia. Tinha de ir procurar, ia ver no dicionário, isso tudo. E depois chegava sempre à conclusão tipo “Fogo, a sério, isto quer dizer aquilo?”, e os duplos sentidos, e os trocadilhos e as mensagens escondidas… Sempre me interessei muito por poesia, isso depois se calhar também é algo que eu transpus para a música, para a minha escrita. E pelas coisas que eu gosto de ouvir, sempre prezei muito a letra, o conteúdo da letra em si, embora haja alturas em que, se ouvir uma letra que não tenha muito conteúdo mas eu gosto daquilo, pronto, gosto! Para mim, prezo muito mesmo a letra, e depois logo a seguir é mesmo o flow, como é que tu usas a tua cadência, a tua respiração, para dizeres aquilo que queres de maneiras criativas, nem que seja moldando as palavras, rimares mais rápido e seres percetível, aquela dicção mesmo certa. O instrumental claro que também cativa, e também a voz da pessoa que está a fazer o som, mas principalmente é mesmo a letra e o flow.
Até porque tu tens alguns sons em que brincas muito com a voz.
Tenho vários até. Tenho um que é todo a sussurrar, o “Brasa”, e depois tenho um que é o “Oh meu Deus” em que estou a fazer uma voz totalmente esganiçada, descontrolada. Isto porquê? Porque eu gosto mesmo de, no som, ter essas texturas. Não gosto de ter um som literalmente a direito, em que a cadência do flow é sempre a mesma, gosto de brincar com as palavras, porque eu literalmente faço música, principalmente para mim, porque eu gosto de criar essa arte para mim. Se houvesse algum rapper que fizesse aquilo que eu faço, era aquilo que eu queria ouvir dessa pessoa, entendes? Então faço literalmente isso, e prezo muito isso, essas brincadeiras, essas tónicas que eu uso e esse jogo. Imagina, estás a ouvir um som meu, esse por exemplo, o “Oh meu Deus”, e parece que são quase duas pessoas a rimar, uma na primeira parte e outra pessoa totalmente diferente na segunda. Eu prezo mesmo muito isso, sim.
Ou seja, a versatilidade do artista dentro do próprio som?
Sim, eu acho que um MC tem de ser mega versátil. Um MC tem de ter a capacidade de falar seja de um tema feliz, seja de um tema triste, um tema político, um tema de amor, seja o que for, tens de mostrar versatilidade. Além da escrita, tens de mostrar versatilidade ao utilizar essa escrita para a tua voz.
Como é que funciona o teu processo criativo?
Costumam perguntar-me isso bué de vezes [risos]. Eu basicamente não tenho um processo criativo, ou seja, às vezes estou a ouvir um instrumental e começa a sair-me logo o verso e sai-me o refrão depois, às vezes não tenho instrumental nenhum e lembro-me de uma melodia para o refrão e construo a partir daí, às vezes não tenho tema absolutamente nenhum, começo a escrever e depois faço o refrão consoante aquilo que eu já ’tou a dizer. Outras vezes lembro-me de um chavão, ou de uma palavra qualquer para o refrão, e escrevo o verso consoante o título do refrão. E acontece-me bastantes vezes eu estar com uma ideia, por exemplo, de um flow, e ’tou a ter esta conversa contigo e tu dizes uma expressão ou uma palavra que eu acho interessante e penso “Yha, ainda não usei aquilo num som”. Então pego nisso e, a partir dessa palavra que tu disseste ou da expressão que usaste, crio o som todo à volta. Não é sempre literalmente a mesma coisa, entendes? Eu já cheguei a fazer letras em que só tinha, por exemplo, o kick do instrumental e gravei o tema todo, melodias, flows, refrão e tudo só com aquele kick. O meu produtor é o SoundSkillz, nós trabalhamos em conjunto, ganda produtor, e ele diz que não consegue entender como é que eu criei uma música toda só com um kick. A minha cabeça, imagina… Chega a ser mega, mega, mega stressante, porque o dia inteiro eu ’tou a pensar em música, ou em escrever alguma coisa, ou num trocadilho, ou numa punchline. Eu se te mostrar letras que tenho escritas no meu telefone, tenho 784, ou seja, todos os dias escrevo. Não gravo tudo, não me importava, mas há coisas que eu até escrevo só mais para treinar do que para fazer música. Para teres uma noção, na altura da pandemia, eu gravei 134 músicas em casa.
E planeias lançar alguma dessas?
Não sei se fez um ou dois anos, mas houve um desses anos, o ano passado, ou o anterior, em que eu todos os meses lancei uma música. Todos os meses lançava uma música com videoclipe, todos os meses. A malta pensava que eu estava a escrever essas músicas. Não, já tinham sido escritas antes, na altura da pandemia. Tudo aquilo já estava escrito e gravado. Fiz esse trabalho todo e ainda pretendo lançar umas quantas, mas este ano a prioridade é lançar mais três singles, mais ou menos, e depois lançar o álbum.
Pessoalmente, a minha dica preferida do “Fala Bem” é: Pensa se compensa usar a mesma fórmula/Se a cota morre ou o filho nasce, rimas da mesma forma. Qual é que era a mensagem que estavas a querer passar aqui?
Foi um bocado em continuação daquilo que eu estava a dizer, eu gosto sempre de ouvir um MC que muda os flows, o timbre da voz e a expressão, como usa as palavras, dependendo do som que está a fazer. Quem quer faz, obviamente, toda a gente é livre de fazer o que quiser, mas eu não consigo estar a ouvir um MC ou uma letra em que, por exemplo, se ele está a falar de amor, a cadência da voz é exatamente a mesma, o padrão de rima é exatamente o mesmo, ou então se está a falar de uma coisa que o irrita bastante, o tom é exatamente o mesmo tom que ele está a usar na música que fala de algo que ama bastante, percebes? “Se a cota morre ou filho nasce, rimas da mesma forma”, tristeza, alegria, e ele ’tá igual. Basicamente é isso.
No single “Raiva”, tu apareces com diferentes outfits no videoclipe. Apareces sem t-shirt e manchado de sangue, apareces com fato, boina e charuto na mão, apareces assim mais à beto. O que é que pretendias com esta escolha visual?
O “Raiva” é uma continuação do “Fala Bem”, há uma transição e tudo. Gravei esses videoclipes no mesmo dia, fiz contínuo. Depois, dado o tema do “Raiva”, decidi criar alguns personagens, houve alguns que até não entraram, havia um que eu ‘tava vestido de padre, só que depois não ‘tava a sentir muito a nível de imagem. Aquele do fato, por exemplo, é para retratar um bocado aqueles gangsters que são muito maus e que fazem e acontecem, mas depois no dia a dia, pronto, não é isso. E, lá está, aquilo que eu ’tou a dizer tem de ser aquilo que eu vivo ou aquilo que eu fiz, não gosto de estar a mostrar uma coisa que não sou. O beto foi porque, quando era puto, chamavam-me sempre betinho. E pronto, amigos meus de infância perceberam a piada quando eu me vesti de betinho, a minha avó obrigava-me a vestir assim com aquelas roupinhas todas betas pra mim, então decidi fazer isso. E depois como o feedback desse personagem teve tanta, tanta adesão, mais à frente, no clipe do “Q.O.Q”, que eu fiz como se fosse um programa dos “Ídolos”, basicamente uma sátira, decidi usá-lo porque pensei “Não pá, já que aquilo correu tão bem, vou metê-lo também a fazer a performance”. É isso.
No teu som “Q.O.Q.”, interpretas mais uma vez, algumas personagens, sendo o Gui (beto) uma delas, que estão todas reunidas num concurso, o “Cala-te e Canta”. Qual é a crítica que tu fazes com esta sátira dos “Ídolos”?
Dos “Ídolos” ou de qualquer tipo de programa musical, porque eu muitas vezes vejo boas performances, vejo boas vozes com potencial para serem trabalhadas, e eles, por exemplo, às vezes não passam uma pessoa que, para mim, era mais do que válida e depois passam outra que não tem, para mim, a mesma qualidade vocal, ou o range, ou o potencial de se desenvolver como a outra que não foi escolhida. E também, por exemplo, comentários, às vezes, que em vez de abordarem a música, dizem “Pá, gosto do teu estilo”. E eu penso “Dude, o estilo conta, mas tu estás a avaliar a voz. Para isso estávamos todos na ModaLisboa a avaliar quem ’tá na passarela e os estilistas”. E a minha crítica foi basicamente essa, tanto que eu não vejo esses programas, vejo só mesmo muito por alto, ou coisas que aparecem no Insta, mas nunca vi um programa desses de uma ponta à outra. Tanto que, se tu reparares, muitos vencedores desses programas, os vencedores em si, perguntas onde é que estão, e quem não venceu ’tá a fazer uma carreira fenomenal.
Vou ser sincero, na primeira vez que ouvi o som, veio-me à cabeça o “Rap Consciente” do Valete. Pensei que tinhas enveredado mais nesse sentido, ou seja, que estavas a criticar artistas que se posicionam dentro daquilo que é o hip-hop, e depois na realidade aquele que efetivamente faz hip-hop é aquele que não é valorizado.
Falaste nesse ponto e bem, porque eu fiz aqui duas coisas, aquilo que eu já te expliquei do videoclipe, e a letra. A letra não ’tá a falar sobre isso, a letra ’tá a falar sobre o tema que tu agora levantaste. Eu tentei juntar uma letra desse género com algo visual que também retratasse outra coisa. Juntei dois conceitos num só.
Tens interesse em explorar profissionalmente a representação ou o humor, ou foi simplesmente um meio que utilizaste para deixar a crítica mais explícita?
No meu núcleo de amigos toda a gente me diz que eu devia tentar também stand-up comedy, que devia tentar ser ator pela naturalidade com que eu represento e pelo sentido de humor que eu tenho. Eu já entrei no “CC Casting” de… Não sei qual é que foi, já foi há muito tempo, não te consigo precisar o ano. Fui lá porque me tinham chateado “Ah vai, vai, vai, vai”, e eu inscrevi-me só mesmo do género “Ok, queres que eu me inscreva, eu vou-me inscrever”. Fui lá, eu não te quero enganar, mas acho que eram cerca de 5000 candidatos. Fui às audições, fiz o que tinha a fazer e depois ligaram-me no dia 1 de abril, o que é engraçado, porque eu pensava que me estavam a mentir. Pensava mesmo que me estavam a dar a tanga, porque disseram que eu tinha entrado para os finalistas do “CC Casting”, que eram 12, 13, já não me lembro bem também. Até tinhas a Cláudia Pascoal, que agora canta, tinhas o João Montez, tinhas a Tatiana Serôdio, que está relacionada agora com a moda e tudo, tinhas a Inês, que é comediante, até fez agora aquelas publicidades da Frize, tinhas o Idevor, tinhas um bom painel. Ainda me aguentei, não ganhei, mas ainda apresentei uns quantos programas e tudo sem experiência. Era algo que eu gostava, e ainda hei de experimentar stand-up comedy e a representação quem sabe. Adorava fazer vozes para filmes. Não está nos meus planos de momento, porque estou mesmo focado em lançar o álbum e em continuar a fazer música. Se vier, brutal, mas agora a prioridade é a música.
Qual é o teu feat de sonho? Seja de Portugal ou do estrangeiro.
Eu sou mega eclético nisso. Obviamente que tenho pessoas de quem te vou dizer os nomes, mas eu gosto sempre de conhecer as pessoas antes, porque já me aconteceu tentar ter feats com alguém e tudo mais, e depois nunca terem acontecido pela minha parte, porque não me consegui identificar com a pessoa em si. Eu gosto mesmo de ter essa conexão, de conhecer a pessoa e de ir para estúdio trabalhar numa coisa que é profissional, mas tu esqueces-te que é profissional e ’tás ali a brincar. Para mim música é brincar, é divertir-me, é alegria, tudo aquilo que tu possas imaginar de sensação boa, pra mim é música. Mas olha, feat de sonho, cá em Portugal, de rap, de outro tipo de música, tenho vários. De rap, curtia bué de fazer um som, porque acho que se ia adequar mesmo bem, com o Regula. Nunca conheci o Regula, por exemplo, mas curtia bué de ter um feat com ele, porque acho que ia ser uma cena bué bacana. Com o Valete, já falei com ele, estou a tentar que ele tenha tempo, ele é mega ocupado. Sempre trabalhei com o SP e nunca tivemos um som os dois, consegui fazer agora o “Quem”. Fiquei mega contente, porque eu respeito o SP… Além de ser dos meus melhores amigos, considero-o família, foi uma pessoa que me apoiou mesmo no início, foi ele que disse para eu ir tocar com ele. Uma vez deixou-me improvisar, eles foram tocar ao ISCTE, SP e Wilson, ele deixou-me improvisar no fim e a partir daí comecei a tocar com eles, e sempre foi como um mentor para mim. E respeito-o por isso tudo, por toda a ajuda que ele me deu, falo regularmente com ele. Consegui esse feat, gostava de fazer mais umas coisas com ele, mas quem sabe. Também não quero ainda dizer nada, mas estão para acontecer coisas com o SP. Respeito bué o Sam [the Kid], curtia de fazer uma cena com o Sam. Mesmo que não fizesse com ele, rimar num beat dele. Por todo o respeito que eu tenho pelo que ele deu. Outra pessoa, o Boss AC, porque o AC foi aquela pessoa que me deu vontade de começar a rimar. Lembr0-me perfeitamente de quando ouvi o “Mandachuva” e o “Rimar contra a maré…”, foi mesmo uma coisa que me explodiu com a cabeça. Adorava, por exemplo, ter um feat com o Paulo Gonzo. Curtia bué de ter uma música com o Paulo Gonzo, adorava mesmo. E ainda hei de conseguir isso. O Rui Veloso também respeito muito, mas acho que, não sei, há qualquer coisa que me inclina mais para o Paulo Gonzo, para não me estar aqui a alargar nos feats que eu gostava de fazer. Lá fora, curtia bué, bué, bué de fazer um feat com o Kendrick Lamar, porque me identifico muito com ele. Foi logo aquele primeiro nome que me veio à cabeça. E também talvez com o Matty dos The 1975. É incrível, se não conheces vai ouvir, é uma banda de indie rock, as letras e as músicas são brutais. Ah! Além dele também, gostava de fazer uma música com o vocalista de uma banda britânica de punk que são os Idles. Também tenho essa vertente, antes de fazer rap sempre ouvi bué punk, rock e heavy metal.
Então olha, já me respondeste a duas perguntas à frente [risos]. A pergunta era justamente, “Quais é que são os critérios que um artista tem de preencher para tu quereres fazer um feat com ele?”, mas se quiseres podes desenvolver.
Bué simples, os critérios de fazer um feat é aquilo que eles me transmitem quando ouço o a música deles e a postura deles enquanto artistas. Mas por exemplo, lá está, se depois conhecer algum deles e não sentir química, não sentir algo que seja natural para irmos criar uma música os dois, prefiro não fazer a música. Eu não ligo a nomes, não quero saber quantos prémios é que já ganharam, há quantos anos estão cá, eu não quero saber disso, eu gosto de ouvir e sentir algo com isso. É principalmente isso que me faz querer trabalhar com um artista.
Quais é que são as tuas maiores inspirações, as tuas maiores referências? Não falo só de artistas, falo também de cultura pop no geral, vivências, pessoas, tudo.
Desde puto sempre fui mega nerd. Sempre adorei anime, tudo o que possas imaginar de desenhos animados. Adoro cinema, adoro cultura pop, adoro arte. E isso é algo que me inspira, tu ao longo dos meus sons vês sempre referências, de uma maneira ou outra, a estes tópicos. Depois também, muito daquilo que eu digo e daquilo que eu escrevo vem das minhas vivências, dos meus sentimentos, o que é que estou a sentir no momento, o que é que eu já passei, o que é que eu quero passar, de onde é que eu vim, para onde é que eu quero ir. É muito nisso que se centra a minha música, porque, se a música não partir do meu núcleo, daquilo que eu sou, do meu gosto, da minha paixão, acho que perde um bocado a validade. Posso também… Imagina que ’tou a escrever um tema de amor e mostro-te a música a ti. E dizes “Ei, isto faz-me lembrar uma cena que eu passei”, e eu digo “A sério, então?”, e tu falas-me um bocado. Se eu me identificar com aquilo que tu estás a dizer, consigo depois transcrever aquilo que tu me disseste para a minha música como se fosse eu a passar por isso. Também parto um bocado daí, mas tudo de experiências não imaginárias, coisas que eu já presenciei e já ouvi.
Qual é a tua opinião sobre a popularização do hip-hop na sociedade, em especial em Portugal?
Acho brutal o estado do hip-hop atual. Lá fora sempre teve muita força e sempre foi um pouco mais respeitado do que era aqui quando o hip-hop português apareceu. Fico mega feliz. Por exemplo, cá em Portugal, quando eu comecei a fazer rap era uma música que era do tipo “Eia, rap? Isso não é música, man. Música é isto, música é aquilo, música é Rui Veloso, por exemplo, música é Paulo Gonzo, é José Cid, Carlos do Carmo, Paião, Variações”, e eu pensava “Não, fogo, isto é brutal man, isto é poesia autêntica, como é que vocês me estão a dizer a mim que isto não é música?”. E lutámos muito no início, General D, Mind da Gap, Boss AC, o Sam, essa malta toda que começou os primórdios do rap cá em Portugal, os próprios Da Weasel. Ver toda essa luta que se teve em prol de uma coisa em que todos acreditavam, que todos gostavam, que todos faziam por paixão, ver isto crescer ao ponto de tu, por exemplo, teres artistas de hip-hop português que têm cachês mais altos e têm muito mais relevância do que artistas que já andam cá aos anos e que não fazem hip-hop, isso dá-me um alento descomunal, porque eu penso “Ok, nós batemos o pé, nós continuámos a fazer, nós continuámos a mostrar a arte, nós continuámos a tentar e a mostrar o quão relevantes somos para a sociedade e para as gerações jovens”. Ver de onde viemos até onde estamos é brutal mesmo.
Quais achas que são os fatores que influenciaram este fenómeno? Achas que foi uma mudança mais ao nível dos artistas, do público, da sociedade no geral?
Eu acho que ao nível dos artistas, nós na nossa cultura sempre fizemos a música que tínhamos de fazer e dizemos aquilo que queremos dizer, gostem ou não. Eu acho que teve muito a ver com a mentalidade também, muito daquela expressão “Água mole em pedra dura tanto bate até que fura”, acho que foi mesmo insistência até provarmos que conseguíamos e que tinha valor aquilo que a gente fazia, que a nossa arte era válida e equiparada a todos os outros estilos de música. E também acho que foi também muito, muito, muito graças aos “Morangos com Açúcar” na altura. Houve uma das temporadas em que começaram a mostrar as vivências do pessoal um bocado mais dos subúrbios e tudo, se bem que não era bem retratado, não estavam bem retratados, mas pronto. Vale o que vale. E eu lembro-me que um grande boom foi com a música, por exemplo, do Boss AC do “Hip Hop, don’t stop, traz a tua crew, a festa é aqui”, que passou nos Morangos. Depois também a música “Brilhantes diamantes” do Serial, essa música rebentou de uma maneira descomunal em Portugal. Quem fazia hip-hop, por exemplo, mais nos subúrbios, conseguimos elevar, graças aos Morangos, a nossa música para um público que não tinha acesso ou não tinha bem consciência daquilo que estávamos a fazer, entendes? E foi a partir daí, e depois também apareceram os Mundo Secreto que tinham aquela música “Toda a gente que ’tá na casa põe a mão no ar” e as massas vieram todas. Entretanto depois o Sam também veio com um single mega forte, que foi o “Poetas de Karaoke”, de um álbum incrível, que é património cultural português [risos], é o álbum do Sam. Todos os álbuns do Sam têm de ser património. E a maneira como foi esse videoclipe, foi uma mega produção que muita gente, quando viu aquilo de início na televisão, até pensava que ‘tava mesmo a passar nas notícias, pensavam que aquilo era mesmo uma notícia da maneira que aquilo ‘tava filmado. Pá, foi incrível. “Eu acho que ao nível dos artistas, nós na nossa cultura sempre fizemos a música que tínhamos de fazer e dizemos aquilo que queremos dizer, gostem ou não. Eu acho que teve muito a ver com a mentalidade também, muito daquela expressão “Água mole em pedra dura tanto bate até que fura”, acho que foi mesmo insistência até provarmos que conseguíamos e que tinha valor aquilo que a gente fazia, que a nossa arte era válida e equiparada a todos os outros estilos de música. E também acho que foi também muito, muito, muito graças aos “Morangos com Açúcar” na altura. Houve uma das temporadas em que começaram a mostrar as vivências do pessoal um bocado mais dos subúrbios e tudo, se bem que não era bem retratado, não estavam bem retratados, mas pronto. Vale o que vale. E eu lembro-me que um grande boom foi com a música, por exemplo, do Boss AC do “Hip Hop, don’t stop, traz a tua crew, a festa é aqui”, que passou nos Morangos. Depois também a música “Brilhantes diamantes” do Serial, essa música rebentou de uma maneira descomunal em Portugal. Quem fazia hip-hop, por exemplo, mais nos subúrbios, conseguimos elevar, graças aos Morangos, a nossa música para um público que não tinha acesso ou não tinha bem consciência daquilo que estávamos a fazer, entendes? E foi a partir daí, e depois também apareceram os Mundo Secreto que tinham aquela música “Toda a gente que ’tá na casa põe a mão no ar” e as massas vieram todas. Entretanto depois o Sam também veio com um single mega forte, que foi o “Poetas de Karaoke”, de um álbum incrível, que é património cultural português [risos], é o álbum do Sam. Todos os álbuns do Sam têm de ser património. E a maneira como foi esse videoclipe, foi uma mega produção que muita gente, quando viu aquilo de início na televisão, até pensava que ‘tava mesmo a passar nas notícias, pensavam que aquilo era mesmo uma notícia da maneira que aquilo ‘tava filmado. Pá, foi incrível.
Confesso que não estava nada à espera de ter uma contribuição dos Morangos.
Mas foi brutal, porque eu vi de um momento para o outro a malta a querer consumir mais hip-hop, e depois até começaram a ouvir hip-hop ainda mais underground, por exemplo, e a darem valor. Existiam festas na altura, no IPJ, de hip-hop, tinham bué poucas pessoas, no Mercado da Ribeira. Eram festas incríveis, haviam battles de improviso cá fora. Eram cenas brutais, mas o público era muito mais reduzido, era quase aquele nicho em que tu quase conhecias as caras todas das festas. Estávamos em todas, porque não eram assim tantos, tu reconhecias as caras. Começaste a ver artistas começarem a aparecer em semanas académicas, receções, mais público para ir ver esses artistas. E hoje em dia a prova disso é, por exemplo, tu tens festivais cá em Portugal em que, se for preciso, um artista português ’tá a tocar num palco principal e tem aquilo ao barrote com público e o artista que vem a seguir, estrangeiro, se for preciso a malta foi mais ver o português.
Que conselhos é que tens para alguém que se quer lançar no hip-hop, ou que se encontra numa fase inicial?
O conselho que eu dou sempre à malta é: se é aquilo que vocês gostam de fazer, se é mesmo aquilo que vocês acreditam, se estão a fazer inicialmente essencialmente por vocês, porque tu inicialmente tens sempre aquela cena de “Yha, escrevi este verso, fiz esta música, vou mostrar àquele meu amigo, quero ver a reação dele.”, mas essencialmente fazeres para ti, teres mesmo a certeza de que é aquilo que queres fazer, e mesmo que te digam “Não ’tá fixe”, se tu sentires que aquilo é fixe e é o melhor que tu consegues fazer naquela altura, lança o som. Se não estiver gravado da melhor maneira, se não tiveres o melhor videoclipe, mas foi o melhor que tu conseguiste fazer, mostra isso, porque isso é genuíno, é real, é palpável, é aquilo que tu conseguiste fazer sem artifícios, sem nada. Isto é um bocado clichê de se dizer, mas é mesmo: não desistam. E, se é mesmo isso que tu queres, vai em frente até dares mil vezes com a cabeça. Só precisas de estar certo uma vez, a partir desse momento tens aí a prova. Agora tu fazeres uma ou duas músicas, aquilo não bate, mas tu curtias bué e deixas de fazer, é um ganda erro. Depois mais tarde vais-te arrepender. Se é uma coisa que tu queres mesmo fazer, faz até tu veres que não dá. Foi isso que eu fiz comigo. Fiz mesmo até ver que não dava, e quando vi que não dava, tentei outra vez até dar. Fiz reset e voltei ao início. Já tive um grupo que se chamava Killa Monkey, tive outro grupo que se chamava 87-90, lancei cenas a solo e corriam sempre bem, mas não corriam sempre da maneira que uma pessoa estava à espera. A partir do momento, depois de ter batido tantas vezes com a cabeça, pensei “Olha, fuck it. Vou fazer, eu não quero saber de mais ninguém, eu ’tou a sentir isto, vou lançar.”. Foi quando comecei a fazer esses sons, a lançar um som por mês, a lançar, a lançar, a lançar. E o feedback que eu tive de dentro de mim para fora do “Não quero saber, vou fazer como eu quero mesmo, não estou para te agradar. Se gostas gostas, se não gostas ouve outra cena. Há bué música para tu ouvires se não gostares da minha.”. Eu curto bué a música que eu faço, sou bué fã de mim mesmo, o meu maior fã sou eu. Parar para mim, nestes sentidos assim, não é de todo opção.
O que é que podemos esperar de futuros projetos?
Como eu te disse, ainda hei de lançar dois, três singles. Se calhar ainda posso lançar dois num mês, não sei, porque eu tenho mesmo muita música que queria lançar e que ainda vou lançar. Mas este ano, o meu foco principal é o álbum. Já tenho as faixas todas, já está mesmo tudo alinhado, já ’tá tudo definido: a estética da capa, os videoclipes, a ordem em que vão sair os singles, o título do álbum. Eu e o SoundSkillz, o projeto é em conjunto, temos exatamente tudo definido. Foi um projeto que nos deu mega prazer a fazer. Tentámos, imagina… Vimos que o caminho de tudo ‘tava a ir para a direita, então a gente tentou ir literalmente tudo para a esquerda, ’tás a ver?. É um projeto que tem uma fusão de muitos estilos. Tens cenas que roçam mesmo no punk. Está mesmo uma panóplia musical, mas toda a soar coesa, uma data de sonoridades que a gente gosta. E depois a partir desse álbum já temos mais planos, mas por agora é para ficarem atentos ao álbum que ainda sai este ano. E ´tá incrível. Sou suspeito, mas está mesmo incrível.
Kilate promete uma enorme versatilidade de flows e faixas com potencial para uma nova entrevista exclusivamente dedicada ao projeto. Recusou-se a revelar o título já escolhido, em nome da surpresa. É caso para dizer que o hype é real.
Escrito por: João Guerreiro
Editado por: Joana Matos


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