Desvendando ‘O Estúdio das Memórias’: Uma Jornada Literária com João Miguel Fernandes

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No próximo dia 17 de dezembro, a cidade de Setúbal será palco de um evento literário especial, quando João Miguel Fernandes, autor do livro “O Estúdio das Memórias”, apresentar a sua obra na Casa da Cultura. O momento, agendado para as 16h00, promete proporcionar aos leitores e entusiastas da literatura uma experiência única, revelando os bastidores e inspirações por trás desta obra editada de forma independente. A atmosfera cultural de Setúbal será enriquecida com as palavras do autor, lançando luz sobre as memórias e histórias que deram vida a este livro cativante.

Numa tarde que se antevê como um mergulho profundo nas entranhas da criatividade literária, João Miguel Fernandes, escritor e criador de “O Estúdio das Memórias”, estará presente para partilhar os detalhes do processo de escrita, a inspiração que o conduziu e as nuances de editar de forma independente.

A Casa da Cultura, local emblemático da cidade, abre as suas portas para receber os amantes da literatura que desejam conhecer mais sobre o autor e a narrativa por trás do seu mais recente trabalho. “O Estúdio das Memórias” não é apenas um livro, mas uma jornada pela mente do autor, proporcionando aos leitores uma experiência única e envolvente.

A escolha da edição independente destaca o compromisso de João Miguel Fernandes com a liberdade criativa e a expressão artística autêntica. Durante a apresentação, o autor oferecerá aos presentes uma visão aprofundada da sua obra, abrindo espaço para perguntas e interação com o público.

Este evento literário promete ser um marco na cena cultural de Setúbal, unindo leitores e autor numa celebração da escrita e da imaginação. Para todos aqueles que apreciam a literatura como uma forma de explorar o intricado labirinto das memórias, a apresentação de “O Estúdio das Memórias” é uma oportunidade imperdível de se perderem nas palavras e descobrirem os segredos guardados entre as páginas deste livro único.

Uma curiosidade persistia, no entanto, conhecer o autor por trás da obra.

O que é que inspirou a escrita deste livro?

“Eu acho que foi a falta de empatia generalizada na sociedade. Isso não é apenas notável para com os grupos minoritários e os grupos que já são mais oprimidos há mais tempo, mas também para com todos os outros grupos no dia a dia. Talvez seja fruto da forma como as relações pessoais foram alteradas nos últimos anos através da Internet, através do imediatismo de toda a comunicação, mas também é algo que faz parte do ser humano. Muito honestamente, tenho uma forma de ver o ser humano bastante pessimista. Outra questão que eu acho que inspirou é questão da identidade, de entender e definir um pouco aquilo que somos, aquilo que sentimos e de que forma aquilo que sentimos se pode refletir naquilo que somos para os outros.”

Qual foi o principal motivo que o levou a sair de Portugal?

“Eu sempre olhei um pouco para o mundo de uma maneira peculiar. Para mim é um local sem fronteiras, ou seja, eu nunca me senti propriamente português, porque eu acho que nós vivemos muitas influências e vamos buscar muitas influências a outros sítios. Eu nunca achei que fizesse muito sentido olhar para a minha posição geográfica e pensar, «Ok, isto é o meu país, isto são as linhas do meu país. É aqui que eu agora vou viver.» Eu sempre quis experimentar coisas diferentes e viver culturas diferentes, além das fronteiras delineadas no mapa.

Neste caso, eu moro na Suécia e a razão pela qual eu escolhi este país foi simplesmente porque eu queria um país frio e estruturado. Eu não gosto muito de calor. Além disso, os nórdicos são países muito bem organizados, onde as coisas funcionam de forma geral melhor do que nos países do sul da Europa.”

Quem dirias que são os autores que mais influenciaram o teu estilo de escrita?

“Não sou muito influenciado pela literatura; sou mais influenciado pelas situações em que vivo e pelo cinema. O cinema é, sem dúvida, a arte que mais me influencia em tudo.

Mas tentando responder um pouco objetivamente à tua pergunta, eu acho que sem dúvida o Hergé por causa d’As Aventuras de Tintim. O estilo de escrita do Hergé foi um dos que me influenciou mais, pela forma como ele constrói personagens através de situações caricatas e a forma como escreve naquele tom em que por vezes não se entende muito bem se é comédia, se é crítica. Eu acho que foi algo que me influenciou bastante, desde pequeno. Tudo aquilo que eu escrevo, sempre tentei escrever um pouco naquele tom às vezes meio sarcástico, às vezes cómico, às vezes meio sério.

Também fui influenciado por autores que escrevem noutros estilos. Um exemplo são alguns escritores da ficção científica, como a obra Do Androids Dream Of Electric Sheep que o Philip Dick escreveu e veio depois influenciar o filme Blade Runner.

Não gosto particularmente da arte de autores que entrem muito dentro do campo da descrição.

Um dos autores para mim que eu que eu acho um génio a nível de ideias, mas que não me identifico de todo a nível de escrita, é o Tolkien (J.R.R. Tolkien). Eu acho que tudo o que ele escreveu na saga Senhor dos Anéis faz dele uma pessoa absolutamente genial, mas eu não sou grande fã da sua escrita. Muitos detalhes na sua escrita são o completo oposto de mim.”

Quando começou a escrever este livro, diria que o seu processo criativo foi mais seguindo um método específico ou considera-se uma pessoa mais intuitiva?

“Intuição a 100%. Eu não faço planeamento absolutamente nenhum. Já li muito sobre vários escritores que fazem uma descrição física e psicológica dos personagens e que antes de começarem a escrever um livro tentam estudar os locais fisicamente. Eu sou exatamente o oposto.

Eu sou um bocado caótico e um bocado «on the go» no que faço, e a escrita funciona assim. Eu nunca sei como é que uma história minha vai acabar, porque eu começo a escrevê-la e as coisas vão intuitivamente saindo. Não quer dizer que eu não volte atrás para corrigir coisas, isso acontece algumas vezes, como é óbvio, mas não há um grande planeamento, apenas sigo a minha a intuição. O que é interessante para mim enquanto escritor é que eu não sei o que vai acontecer na história, não sei o que vai acontecer a um determinado personagem. Só quando eu chego ao momento de escrever é que eu tomo uma decisão e faço a história fluir.”

Qual é a importância e o simbolismo deste livro? Qual foi o processo ao escolher o título?

“Eu também não acho que haja um processo muito específico que eu tenha aqui. Eu tento fazer um brainstorming de títulos que façam um bocado sentido. No meu primeiro livro foi por acaso. O título saiu logo facilmente. O primeiro livro foi muito fácil, já este foi um pouco mais complexo porque eu andei durante muito tempo à procura de um título que simbolizasse a identidade de alguma forma e quando me desprendi um bocado dessa procura saiu-me este título, O Estúdio Das Memórias. A razão pela qual é um estúdio é que a personagem principal apresenta um podcast. Grande parte da narrativa passa-se num estúdio de gravação e a personagem principal é uma Androide. As suas memórias são construídas por uma outra pessoa de forma artificial e, como eu disse, a sua profissão é apresentar um podcast e o que ela apresenta neste programa é basicamente uma gravação das memórias de outra pessoa que existiu há muitos anos. Deste modo, as memórias que a androide partilha desta outra pessoa no seu próprio programa, acabam por se confundir em determinados momentos da narrativa com as suas próprias.

O título é simbólico porque a palavra memórias é bastante importante para o título e todo coletivo. O objetivo é explorar um bocado o conceito de como as memórias são construídas até para nós, seres humanos. Questiona-se se existe realmente um processo muito natural ou se nós construímos as memórias de forma mais artificial, copiando de outras pessoas e copiando todos os momentos que nós vamos vendo.”

Como é que a tecnologia influencia o seu processo de escrita, incluindo suas preferências entre escrever à mão e no computador? Sente que a evolução tecnológica já teve algum impacto no seu processo criativo ou provocou alguma alteração nele?

“Sim, teve uma alteração, sem dúvida, porque eu, quando comecei a escrever, comecei a escrever em papel, com caneta. E sentia que, quando tentava escrever ao computador, parecia que as ideias não fluíam da mesma forma. Tive que passar por um processo de adaptação, porque escrever em papel e caneta não é muito prático. Hoje em dia, diria que não é prático, porque se eu estiver no meio de um processo de escrita de alguma coisa e for viajar ou for para outro sítio, tenho que levar um papel atrás, enquanto o computador, por norma, vai sempre.

Também houve outra questão, que me fez passar para o digital. Há vários anos perdi várias folhas de rascunho de uma ideia que tinha para um livro. Isso causou-me uma enorme frustração, e a partir daí soube que tinha que passar para o digital, ou seja, para o computador, e o processo criativo começou a acontecer naturalmente no computador também.”

Que conselho é que tu darias aos jovens escritores que estão agora a começar a escrever?

“Eu acho que a coisa mais importante é seguir exatamente aquilo que sentem e escrever exatamente aquilo que são. A escrita tem um desafio muito grande dentro da cultura, porque é das áreas onde existe menor consumo, muito pouca gente lê, principalmente em Portugal. Apesar de os números terem aumentado nos últimos anos recentes, continua muito, muito atrás de vários outros países e muito atrás do que deveria ser, portanto, estás logo a partir no último lugar. Portanto, é escusado tentar escrever algo que vá só agradar a esses potenciais leitores. Bem, isto é pessoal, pode valer a pena, do meu ponto de vista é que sinto que não vale a pena forçar algo não natural só com o objetivo de ir ao encontro daquilo que as pessoas querem. Tem que haver algo mais.

E o que eu acho é que se tu te tentares adaptar e seres o que as outras pessoas esperam ou querem que tu sejas, vais estar a perder o teu maior talento, que é aquilo que vem exatamente de ti, aquilo que tu gostas. Estás a adaptar-te a um mercado que pode mudar a qualquer momento e aquilo para o qual estás a escrever, que tu achas que vai vender, pode ser alterado, e depois perdes tudo. Portanto, se é genuíno, eu acho que é uma coisa muito importante. Se é genuíno, não tenhas medo de arriscar nas ideias. Eu acho que quanto mais fora da caixa for, mais interessante é, e quanto mais for contra o que a maioria das pessoas gosta de ler, mais interessante também poderá ser.

É importante dizer que o facto de eu lançar de forma independente não é porque eu sou contra as editoras. É simplesmente porque quero liberdade 100% naquilo que escrevo, mas isso é uma questão pessoal. Eu acho que muitos escritores, quando começam a escrever, pensam que a única forma de lançar um livro é serem aceites por uma editora, para publicarem aquilo que estão a escrever. Mas isso não é verdade. É muito mais fácil lançar de forma independente do que aquilo que a maioria das pessoas pensa, e por vezes pode ser um caminho interessante. Quando és um jovem escritor que não tem ainda muitos leitores ou basicamente ninguém te conhece, talvez não faça muito sentido fazeres um contrato com uma editora, do qual terás que pagar e perder dinheiro para fazerem um “x” número de cópias que, de forma realista, dificilmente vais vender, pois ninguém te conhece. É um pouco complicado.

Então, talvez às vezes tenhas uma margem de progressão muito maior se lançares algo independente, fizeres a tua promoção, chegares aos teus amigos, depois chegares aos amigos dos teus amigos, e a partir daí crescer um pouco. Também ganhas um pouco mais de experiência e depois podes ir para uma editora, ou podes ir para uma editora inicialmente, obviamente. Novamente, é uma opinião pessoal, mas é só para dizer que não há só o caminho da editora.”

Este artigo de opinião é de pura responsabilidade do autor, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.

Escrito por: Cristina Cargaleiro

Editado por: Pedro Cruz

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