O Festival Internacional de Cinema Queer está de volta. Em Lisboa, decorrerá entre dia 22 e 30 de setembro, no Cinema São Jorge e Cinemateca, e no Porto, entre 10 e 14 de outubro, no Cinema Batalha. É o único festival de cinema do país que visa exibir, exclusivamente, filmes sobre questões LGBTQI+, de género, identidades ou corpos. Assume-se como um dos mais importantes no panorama internacional e como o mais antigo de Lisboa.

Na Alemanha, em 1919, estreia o primeiro filme gay da História do cinema – Diferente dos outros (Anders als die Andern) – uma docuficção muda que retrata a relação homossexual entre o violinista Conrad Veidt e um dos seus alunos. A tragédia dá-se quando o músico, face à ameaça de ver a sua sexualidade publicamente revelada e de isso resultar na sua desonra social, se suicida.
Nos Estados Unidos da América, em 1977, é organizado o que se considera ser o primeiro grande festival do mundo cujo foco são filmes sobre a comunidade LGBTQI+. O local eleito é São Francisco, na Califórnia, e dão-lhe o nome de Frameline Film Festival.
Em Portugal, no ano de 1997. Nasce o Queer Lisboa, o primeiro festival de cinema da cidade. Acima de tudo tem sido sempre isso, um festival de cinema, mas assumiu-se, rapidamente, como um grito político e ponto de encontro da comunidade LGBTQI+.
Quando Diferente dos outros foi lançado na Alemanha, a homossexualidade era, além de tabu, um crime formalmente estabelecido há já 40 anos. Viviam-se tempos política e socialmente conturbados. Richard Oswald, guionista e realizador do filme, e Magnus Hirschfeld, psicólogo e sexólogo que com ele colaborou, tinham objetivos claros. Juntos, pretendiam mudar o mundo. Queriam educar sobre a homossexualidade enquanto fenómeno meramente biológico, contrariando a ideia de se tratar de uma depravação, e pôr fim à discriminação e leis desumanas em torno da sexualidade. Todavia, e apesar de terem criado um sucesso de bilheteira, o filme não viria a permitir-lhes atingir esses objetivos. Na verdade, logo no ano seguinte, levou à instauração de censura e, eventualmente, foi banido. Quando os nazis subiram ao poder, quase todas as cópias foram destruídas.
A história repetiu-se parcialmente quando o Frameline foi criado. O objetivo era também apenas um – mudar o mundo – e, uma coisa é certa, ele inspirou a criação de dezenas de festivais de cinema queer, um pouco por todos os lugares. Poder-se-á considerar isso “mudar o mundo”? Talvez um pouco. Um passo em direção a algo maior, quando jamais um objetivo onde cabe o mundo poderá ser simples.
Quando surgiu o Queer Lisboa, o sonho permaneceu. Mesmo ali, plantado no coração da cidade, estava um grito pela liberdade e mudança do mundo. Foi assim visto por todos. Para uns uma esperança; para outros, uma afronta. Por isso é que, em setembro de 2005, o partido de extrema-direita, PNR, promoveu uma manifestação que o atacou pela “promoção da homossexualidade e a crescente influência do lobby gay”. Afinal de contas, o cinema queer é isso. Certo?
O cinema queer existe como forma de celebrar e de promover a inclusividade da comunidade LGBTQI+, ao colmatar a sua falta de representatividade fílmica. O cinema é uma representação do mundo que se quer fidedigna. Se não faz jus à realidade e marginaliza segmentos da sociedade, os efeitos serão nefastos porque quando uma comunidade não está representada nos media, simbolicamente, não existe. Essa aniquilação afetará o modo como nos vemos a nós próprios e às nossas vidas, mas também influenciará como percecionamos os outros. Contrariamente, se o mundo fílmico é inclusivo, contribui para um mundo real também inclusivo.
Para muitas pessoas, as representações fílmicas são as únicas fontes de contacto com certos grupos, comunidades e minorias. A ignorância mata. Literalmente. É precisamente daí que vem a importância e poder do cinema. O cinema queer não visa mais do que contar as histórias da comunidade LGBTQI+. Assim quebram-se estereótipos e empoderam-se vozes marginalizadas. Assim gera-se compreensão e empatia por parte de quem está disposto a ouvir. Enfim, muda-se o mundo.
Este artigo de opinião é da pura responsabilidade do autor, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.
Escrito por: Alexandra Baltazar
Editado por: Pedro Cruz

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